4. O objeto do pregão: compras e serviços “comuns”.
A Lei nº 8.666/93 distingue as modalidades de licitação mediante dois critérios excludentes: ou leva em conta o valor estimado do objeto, dependente do qual a modalidade será concorrência (maior valor), tomada de preços (valor intermediário) ou convite (menor valor); ou considera a natureza do objeto a licitar-se, independentemente de seu valor estimado, para verificar-se do cabimento do leilão (alienação de bens inservíveis, de produtos apreendidos ou penhorados, e de bens imóveis que a lei especifica) ou do concurso (escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, com a atribuição de prêmios ou remuneração).
A MP nº 2.026/00 alinha-se ao segundo critério distintivo. O pregão será a modalidade cabível de licitação quando a Administração visar à contratação de “bens e serviços comuns” (art. 1º), “qualquer que seja o valor estimado” (art. 2º). Por conseguinte, a norma coloca ao alcance do pregão a contratação de compras e serviços em geral, porém exclui do pregão a licitação de obras e serviços de engenharia, bem como as alienações. Obras, porque, a par de não mencionadas no texto, pressupõem complexidade de especificação e de execução inconciliáveis com a simplicidade do objeto do pregão. Serviços de engenharia, porque, especializados, não são seriam classificáveis como “comuns”. Alienações, porque, a teor do disposto no art. 4º, XI, da MP o critério de julgamento no pregão será sempre o do menor preço, o que incompatibiliza a novel modalidade com as situações em que a Administração é a alienante, em busca, necessariamente, do maior lance ou oferta, próprio da modalidade leilão, que, ademais, não prescinde da avaliação prévia dos bens a serem alienados (Lei nº 8.666/93, art. 17).
A MP considera bens e serviços comuns “aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado” (art. 1º, § 1º). O § 2º remete para regulamento o tratamento desses bens e serviços. Tomara que o regulamento logre dissipar as dúvidas que advirão da definição dada, no § 1º, para bens e serviços “comuns”.
Por ora, é possível entreverem-se como comuns, para os fins de aplicação do pregão, compras e serviços que apresentem três notas distintivas básicas: a) aquisição habitual e corriqueira no dia-a-dia administrativo; (b) refiram-se a objeto cujas características encontrem no mercado padrões usuais de especificação; (c) os fatores e critérios de julgamento das propostas sejam rigorosamente objetivos, centrados no menor preço.
Tais atributos não defluem apenas da definição lançada no § 1º do art. 1º. São decorrência lógica dos procedimentos fixados nos arts. 3º e 4º da MP. Com efeito, não se imagina como se viabilizaria, idoneamente, uma competição licitatória, mediante pregão, para a contratação de compra ou serviço singular, com características especiais, de execução complexa ou dependente de domínio técnico especializado, se:
(a) o prazo entre a publicação do aviso de edital e a data de apresentação de propostas pode ser de oito dias úteis (art. 4º, V), pressupondo, para a elaboração das propostas, simplicidade e rapidez somente compatíveis com objeto de pronta especificação e apuração no ramo de sua produção ou comercialização;
(b) o julgador das propostas e dos documentos de habilitação é um servidor isolado (art. 3º, IV), dispensada a existência de uma comissão, o que faz presumir tal simplicidade de especificações e de exigências que torna o exame do objeto e das propostas acessível ao conhecimento médio dos agentes da Administração;
(c) prevalece sempre o critério do menor preço, ressalvados “parâmetros mínimos de desempenho e qualidade” (art. 4º, XI), que primam, portanto, pela simplicidade e objetividade.
É evidente que, nessas circunstâncias, o objeto da compra ou do serviço a ser licitado tem de ser de trânsito habitual na praça, em razão de portar especificações simples, passíveis de aferição objetiva e de unívoca compreensão pelos licitantes e pela Administração. De certo que uma infinidade de materiais, produtos e serviços preenche tal perfil na rotina das aquisições da Administração Pública, ao qual, porém, não se amoldam obras e serviços de engenharia, nem compras e serviços cuja especificação demande maior complexidade técnica, projetando-se em maior apuro para
a formulação, a análise e o julgamento das propostas.
Será imprescindível a elaboração de projeto básico quando o objeto do pregão for serviço? Justifica-se a indagação. É que tal exigência figura, expressa, como condição para a instauração válida de licitação, no art. 7º, § 2º, da Lei nº 8.666/93, que não distingue entre serviços de engenharia e serviços em geral. Conquanto a doutrina ponderasse, desde a edição daquela lei, que a exigência haveria de ser interpretada como dirigida apenas aos serviços de engenharia, o fato é que o texto legal não os extrema e as Cortes de Controle Externo, em especial o Tribunal de Contas da União, entendem que o projeto básico é de rigor para a instauração da licitação qualquer que seja a natureza do serviço.
No caso do pregão para licitar-se a contratação de serviço, haverá incompatibilidade lógica entre as características da nova modalidade e o conteúdo do projeto básico, tal como enunciado no art. 6º, IX, da Lei nº 8.666/93. Se o serviço, em função de suas características técnicas, houver de ser especificado mediante projeto básico, com as minudências do mencionado inciso do art. 6º, não pode ser classificado como “comum”, descabendo licitá-lo na modalidade pregão.
Em resumo, nos casos de licitação para compras e serviços, a opção da Administração em favor da modalidade pregão se fará em atenção ao fato de tratar-se de bem ou serviço “comum”, qualquer que seja o seu valor estimado. Não se cuidando de bem ou serviço “comum”, a modalidade de licitação adequada será a concorrência, a tomada de preços ou o convite, de acordo com o valor estimado do objeto.