Os reflexos da Lei de Responsabilidade Fiscal

A publicação da CONAM, antes referida, nos fornece a exata compreensão da expressão “aumento de despesa decorrente da criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental, a partir da análise do inciso I do § 1º, que determina que o gestor deve somar todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, o que deixa evidente que o aumento da despesa deve ser considerado não apenas no âmbito de cada crédito orçamentário, mas, sobretudo, dentro do respectivo projeto ou atividade. Assim os novos projetos, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental devem ser apreciados em relação aos projetos e atividades existentes”.

Daí concluir, a publicação, que “o parâmetro global, portanto, é a despesa fixada na Lei Orçamentária vigente, que congrega a totalidade dos projetos e atividades”. (p. 45)

Asseveram esses autores, por isso: “Somente quando houver uma aumento de despesa orçamentária fixada, decorrente da criação da ação governamental (nova) ou de expansão ou aperfeiçoamento das atividades existentes, é que os ordenadores de despesas precisarão cumprir o disposto no art. 16. Para as despesas contidas nos limites dos valores dos projetos e atividades não haverá necessidade de qualquer providência, vez que o impacto orçamentário
e a adequação à Lei de Diretrizes Orçamentárias e à Lei do Plano Plurianual já foram verificados na oportunidade da elaboração da Lei Orçamentária do exercício” (p. 46)

Finalmente, o art. 17 reza:

“Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios”.

A dúvida que aqui surgiu era se o referido artigo aplicar-se-ia aos denominados “serviços contínuos” previstos no inc. II do art. 57 da Lei n.º 8.666/93.

Salvo uma obra, nas demais, os autores têm entendido que aí não estão contemplados aqueles serviços.

A publicação “Lei de Responsabilidade Fiscal/Lei n.º 10.028, de 19.10.2000”, da Editora NDJ, coordenação de Cerdônio Quadros e Marcello Rodrigues Palmieri, em nota de rodapé, exemplifica as despesas previstas no art.. 17: “os aumentos salariais concedidos aos servidores públicos acima dos níveis inflacionários; a contratação de novos servidores ; a criação ou aumento do número de cargos já existentes; a prestação de novos tipos de assistência social; a instituição do programa de renda mínima e programas de bolsa-escola devidamente criados por lei”.(p. 21)

Também a publicação da CONAM tem o mesmo entendimento, ao comentar o art. 17:

“Por outro lado, para efeitos do art. 17, considera-se despesa obrigatória de caráter continuado aquela derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo. Não atinge o dispositivo, portanto, as despesas decorrentes de contratos administrativos, ainda que por eles obrigatórias por longos períodos, como os contratos de coleta de lixo, de limpeza, etc., que podem atingir 60 (sessenta) meses”.

4. Ainda, disposições que têm reflexos nas licitações e contratos são o art. 8º, o § 3º do art. 50 e os arts. 48 a 59.

O art. 8º dispõe que até 30 (trinta) dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na alínea c do inc. I do art. 4º, o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso”.

O § 3º do art. 50 reza que: “A Administração Pública manterá sistema de custos que permita a avaliação e o acompanhamento da gestão orçamentária financeira e patrimonial”.

Os arts. 48 a 59 dispõem sobre a Transparência, Controle e Fiscalização. Os arts. 48 e 49 tratam das regras de Transparência da Gestão Fiscal; os arts. 50/51 dispõem sobre a Escrituração e Consolidação das Contas.

Os arts. 52 a 55 tratam dos Relatórios obrigatórios e os arts. 56 a 58, das Prestações de Contas. Finalmente, o art. 59 trata da Fiscalização da Gestão Fiscal, mediante controle externo (Poder Legislativo com auxílio dos Tribunais de Contas).

 II – Quanto aos contratos. Aplicação intertemporal da L.R.F.

Vejamos agora os reflexos da L.R.F., em especial, sobre os contratos celebrados anteriormente a 04.05.2000, e a incidência ou não da L.R.F. aos contratos em curso de execução.

A propósito do tema, sabe-se que em todas as nossas Constituições (na atual, vem contemplada a regra no inciso XXXVI do art. 5º) sempre vigorou a máxima de que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Também é repetido esse dispositivo na nossa Lei de Introdução ao Código Civil (art. 6º – A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 1º – Reputa-se o ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”).

Sobre o ato jurídico perfeito, a salvo da aplicação da lei nova, Maria Helena Diniz (“Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretado”, Ed. Saraiva, S. Paulo, p. 180) leciona que é aquele “consumado, segundo a norma vigente, ao tempo em que se efetuou, produzindo seus efeitos jurídicos, uma vez que o direito gerado foi exercido. É o que já se tornou apto para produzir os seus efeitos. A segurança do ato jurídico perfeito é um modo de garantir o direito adquirido pela proteção que se concede ao seu elemento gerador, pois se a nova norma considerasse como inexistente, ou inadequado, ato já consumado sob o amparo da norma precedente, o direito adquirido dele decorrente desapareceria por falta de fundamento”.

Mais adiante, assevera a ilustre Professora: “Se o contrato estiver em curso de formação, por ocasião da entrada em vigor da nova lei, esta se aplicará na fase pré-contratual, por ter efeito imediato. Se o contrato foi legitimamente celebrado, os contratantes têm o direito de vê-lo cumprido, nos termos da lei contemporânea a seu nascimento, que regulará inclusive seus efeitos. Deveras, os efeitos do contrato ficarão condicionados à lei vigente no momento em que foi firmado pelas partes. Aí não há que se invocar o efeito imediato da lei nova (RT, 660:109 e 547:215; RTJ, 90/296 e 86:296). Daí a advertência de Carlos Maximiliano: Não se confundam contratos em curso e contratos em curso de constituição; só estes a norma hodierna alcança, não aqueles, pois são atos jurídicos perfeitos”. (p. 181).

E adianta Maria Helena Diniz: “A Lei de Introdução adotou o critério de Roubier ao prescrever que a lei em vigor terá efeito imediato geral atingindo os fatos futuros (facta futura), não abrangendo os fatos pretéritos (facta praeterita). Em relação aos facta pendentia, nas partes anteriores à data da mudança da lei não haveria retroatividade, nas posteriores à lei nova, se aplicável, terá efeito imediato.

Os contratos em curso, como os de execução continuada, apanhados por uma lei nova, são regidos pela lei sob cuja vigência foram estabelecidos (tempus regit actum), embora tenham havido julgados entendendo constitucionais normas de emergência, em matéria de locação, atingindo contratos feitos anteriormente”. (p. 181 – grifamos).

Mas, observa a ilustre autora: “Teoricamente, como já dissemos alhures, a lei não poderá alcançar o contrato efetivado sob o comando da norma anterior, mas nossos juízes e tribunais têm admitido que se deve aplicar a lei nova se esta for de ordem pública, como, por exemplo a lei sobre reajustamento do valor locativo ou sobre a atualização de contribuições e benefícios da previdência privada, etc. Já se decidiu que “as leis tidas como de ordem pública são aplicáveis aos atos e fatos que encontram, sem ofensa ao ato jurídico perfeito”. (RTJ, v. 17, 1991)” (p. 181)

R. Limongi França (“A irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido, 4ª ed., Rev. Tribs., 1994), a propósito das leis de Direito Público ou de Ordem Pública, diz que, para serem retroativas, devem igualmente ser expressas e que “as leis dessa natureza têm, em princípio, efeito imediato, mesmo em relação às conseqüências de lei ou fato pretérito, dos quais só não atinge as partes anteriores” (p. 284).

A L.C. 101/2000, a L.R.F., além de ser de Direito Público é de Ordem Pública, e, por essa razão, seu efeito é imediato sobre os “facta pendentia” dos contratos celebrados antes da entrada em vigor da L.R.F.

Entretanto, a questão é polêmica, como nos mostra Carlos Pinto Coelho Motta (“Aplicação Temporal da L.R.F.”, in “Responsabilidade Fiscal – estudos e orientações”, Ed. NDJ – 2001 – pp. 13/14).

Em primeiro lugar, o autor cita decisão do STJ, no sentido da aplicação imediata da Lei:

“O Superior Tribunal de Justiça, em linha de compatibilidade com a doutrina, desenvolveu consistente linha de suporte jurisprudencial à aplicação imediata, ainda que analítica, de “normas de direito econômico, que se revestem de atributos de normas públicas”, que poderiam atingir contratos em curso (Rev. STJ, ano 3, n.º 21, pp. 223-517).

Mais à frente, o emérito autor cita entendimentos contrários do S.T.F.: a) – “Tratando-se de contrato legitimamente celebrado, as partes têm o direito de vê-lo cumprindo, nos termos da lei contemporânea ao seu nascimento, a regular, inclusive, os seus efeitos. Os efeitos do contrato ficam condicionados à lei vigente no momento em que foi firmado pelas partes. Aí, não há que invocar o efeito imediato da lei nova” (RTJ 106/317); b) – “Se a Lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ele, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que é um fato ocorrido no passado. O disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do STF (RTJ 143/24, Rel. Min. Moreira Alves – Pleno)”.

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