Os Municípios (e os Estados e D.F.) podem criar a modalidade de licitação pregão

 

Por: Toshio Mukai
 

1. Quando o Sr. Presidente da República editou a M.P. n.º 2.026, criando, ao nível e somente para a União, a modalidade pregão, verberamos tal atitude, entendendo que o diploma legal era ilegal, posto que, modalidade de licitação era norma geral e que, o pregão, como não constava do rol das modalidades de licitação previstas no art. 22 da Lei n.º 8.666/93, não poderia ser validamente criado apenas para um ente federativo, especificamente, para a União e que tal modalidade violava o § 8º do mesmo artigo, que dispõe, peremptoriamente:

“É vedada a criação de outras modalidades de licitação ou a combinação das referidas neste artigo”.

Além, disso, dizíamos, modalidade de licitação constitui norma geral, em face do art. 22, inc. XXVII, da Constituição Federal (na redação dada pela E.C. n.º 19/98 – Reforma Administrativa), que reza competir à União baixar “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades…”.

Portanto, com esse raciocínio, a M.P. 2.026 (hoje, de n.º 2.108), seria absolutamente ilegal.

2. Entretanto, Marçal Justen Filho entende que a M.P. 2.026, não obstante tenha se circunscrito apenas à União, teria veiculado norma geral.

É dele a seguinte assertiva: “A Lei n.º 8.666/93 não foi revogada pela edição da Medida Provisória. Verificou-se, tãosomente, a redução do âmbito da vigência da Lei n.º 8.666…” (artigo, “Pregão: nova modalidade licitatória”, in RDA n.º 221, jul./set., 2000, p. 9).Mais à frente: “sob esse ângulo, a MP veicula normas gerais acerca de licitação, o que não importa qualquer espécie de vício de competência. Sendo a União competente para editar normas gerais nesse campo, não há obrigatoriedade de circunscrever sua competência apenas ao conteúdo da Lei n.º 8.666”. (p. 9).

E, finalmente: “A MP 2.026 é uma lei especial em relação à Lei n.º 8.666 porque disciplina uma matéria específica e delimitada no âmbito das licitações: o pregão. No entanto, as normas contidas nessa Lei especial são gerais porque destinam-se a reger amplamente todas as relações jurídicas e todas as hipóteses nascidas a propósito de licitações”. (p. 9)

E, mais à frente (p. 10) o autor entende ser inconstitucional o art. 1º da MP 2.026, que restringe a utilização do pregão à União, devendo ser admitida a sistemática do pregão também por outros entes federados.

A conclusão no sentido de que os Município e os Estados (assim como o D.F.) possam criar a nova modalidade, depois de muito refletir sobre o tema, hoje, nos parece ser válida, assim como, ao contrário do que diz o autor, nos parece ser válida a restrição que a M.P. faz, de sua aplicação somente à União. Tal conclusão é semelhante à de Marçal Justen Filho, salvo no que toca à questão de a M.P. ter veiculado norma geral.

É que as premissas do raciocínio jurídico efetuado pelo ilustre autor encontram barreira intransponível (no sentido de que a M.P. 2.026 teria veiculado normas gerais sobre licitações) no art. 246 da C.F. que dispõe: “É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada a partir de 1.995”.

Ora, o art. 22, XXVII da C.F. tem a sua atual redação em virtude da E.C. n.º 19, de 1998. Portanto, se se entender que a M.P. tenha veiculado normas gerais sobre licitações ela será inconstitucional, por ofensa ao referido art. 246.

3. Como dissemos, refletindo melhor sobre o tema, chegamos à conclusão no sentido de que modalidade de licitação (embora a Lei n.º 8.666/93 pretenda que todas as suas normas sejam gerais, isto não é possível, pois como já afirmamos alhures, com essa estratégia legislativa, o legislador da Lei referida invadiu competências específicas dos Municípios e Estados, em matéria de licitações e contratos) não é e não pode ser norma geral.

Em primeiro lugar, quando o inciso XXVII do art. 22 da C.F. fala em “normas gerais sobre licitações e contratos, em todas as modalidades”, não está a dizer que as modalidades sejam normas gerais, mas sim que a União tem competência para instituir normas gerais sobre licitações e contratos que incidam sobre todas as modalidades de licitações; mas estas, segundo o texto, não se constituem, necessariamente, em normas gerais.

Ora, se não são normas gerais, só podem se constituir em normas específicas, procedimentais.

E, realmente, se formos verificar o íter de cada uma das modalidades de licitação (concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão), constataremos que cada uma delas tem um desenrolar diferente um do outro. Portanto, quando estamos a tratar das modalidades de licitação, não estamos frente a um “processo de licitação”, mas sim, frente a um “procedimento licitatório”.

E, em assim sendo, não estamos perante uma norma geral. Ou seja, as modalidades de licitação, sendo procedimentos licitatórios, são de competência específica e especial de cada um dos entes federativos.

Nesse sentido, veja-se a lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, ao tratar do tema das normas gerais sobre licitações e contratos ao tempo do Dec. lei n.º 2.300:

“Ora, o que o art. 22, XXVII, estabeleceu, como exceção a esse princípio (da autonomia político-administrativa dos entes federados) foi o tratamento das licitações, enquanto processo administrativo, e não dos procedimentos, pois, deve tratar do geral (finalístico) e não do particular (instrumental).

O procedimento é constituído de normas específicas, de minudência operativa, que devem, necessariamente, ser definidos conforme as possibilidades de cada ente político, ao passo que o processo, este sim, comporta normas gerais de aplicação uniforme em toda a federação”.

E, mais à frente: “Em suma, toda norma procedimental do Dec. Lei n.º 2.300/86, não é, por ser incompatível com o conceito adotado, uma norma geral de licitação” (artigo, “Normas Gerais sobre Licitações e Contratos Administrativos – Natureza e Identificação no Estatuto Jurídico Federal Vigente – Perspectiva de novos projetos modernizadores”, in RDA n.º 189/47).

Portanto, como modalidade de licitação que é, o pregão se constitui num novo procedimento licitatório, norma não geral, mas específica.

Daí se conclui que a União, ao criar somente para ela, essa nova modalidade procedimental de licitação, e tendo fulcrado a edição da M.P. 2.026, no art. 37, inciso XXI da C.F., e não no art. 22, XXVII da mesma Constituição, o fez bem e legalmente.

Trata-se de uma norma específica e que a União poderia ter produzido, “a latere” da Lei n.º 8.666/93, posto que modalidade de licitação não é norma processual (portanto não é norma geral), mas sim, norma procedimental licitatória, sendo assunto específico que ela poderia veicular somente para si.

Outrossim, tais considerações nos levam a considerar inconstitucional a Lei n.º 8.666/93, quando pretendeu, no Parágrafo único do art. 1º, que todas as suas normas sejam gerais (o que viola o princípio da autonomia dos demais entes federativos) e o § 8º do art. 22, que veda a criação de outras modalidades de licitação, além daqueles elencados no art. 22 da referida Lei.

4. Conclusão: A modalidade de licitação denominada pregão, criada pela União (M.P. 2.018, atual) é legal, por se constituir num procedimento licitatório e, portanto, numa normatividade específica e não geral.

Consequentemente, também os Municípios (assim como os Estados e o D.F.) podem criar, mediante leis específicas, com fulcro no art. 37, XXI da Constituição, a modalidade licitatória pregão, nos âmbitos de suas administrações.

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