E objetivamente responde:
“Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem conceber e praticar modalidades de licitação não previstas na legislação, porque disto proibidos por norma legal federal geral, com evidenciado amparo constitucional. Mas, uma vez criada a modalidade por norma federal, os demais entres da Federação não resultam impedidos de acolhe-la. A norma federal criadora do pregão delimita o “âmbito da União” como o campo de aplicação obrigatória da nova modalidade, contudo não a veda para os demais entes da Federação.
Aceito que seja o caráter geral das normas federais sobre modalidades de licitação, a MP nº 2.026/00, ao dirigir-se exclusivamente à União, apenas não pretendeu impor o pregão às Administrações estaduais, distrital e municipais. O pregão passa a ser modalidade de uso obrigatório na Administração federal. Nada obsta o seu uso também no âmbito das demais Administrações. Esta será a melhor leitura da Medida.
Há ilação a extrair-se. Se, de um lado, as modalidades de licitação somente podem ser objeto de norma legal federal geral, vero é, de outro, que haveria aspectos procedimentais que poderiam ser objeto de normas legais locais, desde que conciliáveis com as normas gerais. Assim, o inteiro teor da MP nº 2.026/00 é de observância compulsória, verbum ad verbum, no âmbito de todos os órgãos e entidades integrantes da Administração federal. A modalidade criada esten
de-se ao uso das Administrações dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que poderão, mediante normas próprias, configurar pormenores procedimentais específicos ou suprir lacunas deixadas pela MP, desde que harmonizáveis com o tratamento que esta dispensou à matéria”.
Marçal Justen Filho, em “Pregão: Nova Modalidade Licitatória” [6], de certo hoje o monografista de licitações e contratos administrativos de maior envergadura nacional, de seu turno vai mais além, asseverando a inconstitucionalidade do preceito da Medida Provisória no que restringe o uso do pregão à União, esclarecendo, de forma concisa :
“A opção de circunscrever a aplicação do pregão a contratações promovidas no âmbito federal é extremamente questionável. E inviável a União valer-se da competência privativa para editar normas gerais acerca de licitação cuja aplicação seja restrita à própria órbita federal. Isso importa uma espécie de discriminação entre os diversos entes federais. Essa alternativa é incompatível com o princípio da Federação, do qual deriva o postulado do tratamento uniforme interfederativo. Essa determinação consta do art. 19, inc. III, da CF/88. Por isso, deve reputar-se inconstitucional a ressalva contida no art. 1º, admitindo-se a adoção da sistemática do pregão também por outros entes federativos”.
Os posicionamentos desses dois últimos autores, na forma por eles externada, parecem-nos mais adequados à solução da indagação proposta. Sob o ponto de vista eminentemente técnico devemos dizer que parece-nos mais acertada a visão adotada pelo Professor Marçal Justen Filho, asseverando haver inconstitucionalidade na ressalva da Medida Provisória que restringe o uso do pregão à União, cabendo, por conseqüência, a sua adoção por Estados, Distrito Federal e Municípios.
Sob ótica mais pragmática, contudo, não se pode deixar de dizer ser mais consentânea com nossa realidade juridico-fática o entendimento de Jessé Torres Pereira Júnior, segundo o qual, o campo de aplicação obrigatório do pregão, o âmbito da União, pode ser ampliado com o seu acolhimento pelos demais entes federados. Isso porque a modalidade licitatória restou criada pela Medida Provisória, inexistindo impedimento a que, face a essa prévia criação, Estados, Distrito Federal e Municípios editem normas para discipliná-la perante sua órbita de atuação, fato, aliás, recomendado para, como diz o autor, “configurar pormenores procedimentais específicos ou suprir lacunas…”.
Como se vê, é possível nesta primeira fase deste trabalho, asseverar que podem os Municípios, tanto quanto Estados e o Distrito Federal, adotar a modalidade licitatória pregão, reputando-se inconstitucional a ressalva da Medida Provisória que restringe à União a sua utilização, devendo, contudo, normatizar no seu âmbito legislativo a matéria, editando lei e regulamentando-a por decreto.
2. Considerações gerais sobre o procedimento do Pregão
Visto ser possível aos Municípios a adoção da modalidade licitatória do pregão, o que se fará por lei própria, oportuno agora tecer breves considerações a respeito do instituto, com especial destaque para as diferenças em relação às demais modalidades licitatórias.
As duas grandes diferenças que se verificam com a adoção do pregão são, primeiro, a inversão das fases, vez que inicialmente julgam-se as propostas comerciais (preços), para somente após se apreciar a habilitação, restrita apenas à análise da documentação do licitante vencedor. Contudo, previamente à apreciação das propostas de preço analisa-se documento de declaração do próprio licitante pelo qual afirma, sob as penas da lei, preencher as condições de habilitação, o que não pressupõe estar habilitado a fornecer o bem ou serviço pretendido, fato que somente ao depois será apreciado.
A referida inversão das fases é entendida por muitos como a grande garantidora da celeridade imprimida ao procedimento, marca inconteste do pregão, posto que se eliminará a apreciação de muitos documentos, exatamente os daqueles que de início poucas chances têm de serem contratados, por não terem ofertado o menor preço.
A segunda grande diferença existente, diz respeito ao procedimento da definição do vencedor do certame. Até então, nas demais modalidades, as propostas eram previamente definidas pelos licitantes, entregues em envelopes lacrados, para julgamento.
No pregão, há essa fase de entrega das propostas de preços, as quais, contudo, não contém os valores definitivos. São apenas valores que podem – ou não – pré-qualificar os licitantes para a fase de lances, onde os preços serão novamente apresentados, porém mediante manifestações verbais, em sessão pública.
Desse modo, após abertos os envelopes de preços, o detentor do menor valor, bem como todos aqueles que estejam até 10% (dez por cento) acima desse montante, serão instados a participar da fase de lances verbais, ao final da qual vencerá aquele que terminar como a proposta de melhor preço, desde que, posteriormente, seja considerado habilitado.
Destarte, o julgamento se dá em duas etapas. Numa primeira, pré-qualifica-se aqueles que irão ofertar lances verbais; e, na segunda, o verdadeiro pregão, define-se o vencedor como sendo aquele que, ao término dos lances, ofereceu o menor preço para o objeto licitado.
Visto isto, temos que o pregão é uma modalidade de licitação, cujo uso, diversamente das clássicas concorrência, tomada de preços e convite, não se define em face do valor que se pretende despender com a compra ou serviço a ser no futuro contratado. Pelo contrário, trata-se de modalidade apta a substituir qualquer uma das três anteriormente citadas, desde que se faça com o propósito de adquirir bens e serviços considerados comuns.
É a isso que se presta o pregão, à aquisição de bens e serviços declarados pela administração como comuns, assim considerados aqueles de uso e necessidades corriqueiras, contínuos, disponíveis no mercado, não personalizados.
Nos termos preconizados pela Medida Provisória hoje em vigor, divide-se o pregão, como de resto as demais modalidades licitatórias, em fase preparatória (também denominada interna) e fase externa, consistindo a primeira etapa naquela em que se promove a definição do objeto, e suas características, fazendo-o de forma justificada, bem como se estabelece as regras do edital e das cláusulas do futuro contrato, tendo se esquecido, contudo, a norma legal, de expressamente falar da imperiosa e necessária verificação da existência de recursos orçamentários, etapa a nosso ver indispensável, destinada a indicar as dotações aptas a fazer face às futuras contratações (artigos 7º e 14 da Lei 8.666/93), devendo, ainda, nessa fase, a autoridade competente designar o pregoeiro.
Ao pregoeiro cabe conduzir os trabalhos do certame, recebendo as propostas escritas e depois os lances verbais, analisando-os e desde logo promovendo julgamento, inclusive quanto à habilitação. Sua atuação difere consideravelmente da atuação da comissão de licitações, pois além de atuar isoladamente, a celeridade do procedimento do pregão impõe-lhe a necessidade de maiores conhecimentos e preparo, pois será obrigado a decidir em sessão a respeito de todas as pendências surgidas. A escolha do pregoeiro deve recair necessariamente sobre servidor do órgão administrativo que esteja promovendo a licitação, ocupante de cargo efetivo ou em comissão.
A fase externa do pregão, a segunda fase a que mencionamos, por sua vez, inicia-se com a convocação dos interessados por intermédio de publicação do aviso do edital, devend
o, esta, no caso dos Municípios, seguir a forma prevista no artigo 21 da Lei 8.666/93 (publicação no D.O.E., jornal de grande circulação no Estado e jornal local ou oficial do Município). Interessante questão a respeito da divulgação do edital é a expressa admissão da utilização dos meios eletrônicos, em clara demonstração de que o poder público caminha para a incorporação desses recursos nos seus procedimentos licitatórios de forma definitiva.
Sob esse aspecto, nesse momento é oportuno lembrar a redação do parágrafo único do artigo 2º da Medida Próvisoria 2018-14, já reproduzido, para a qual provavelmente o leitor já atentou, admitindo a realização do pregão por intermédio da utilização de recursos de tecnologia da informação, em clara alusão de que o regulamento da matéria poderá disciplinar a execução do certame com o uso da internet, via “on line”, a exemplo do que já vem realizando o Governo do Estado do Mato Grosso do Sul. Assim, em definitivo, a propalada revolução da internet alcançou o sistema de compras e contratações públicas, hoje sendo uma grata realidade, à qual os Municípios fatalmente terão que se integrar.
Prosseguindo no que pertine à fase externa do pregão, feita a publicação do edital, o prazo mínimo para oferecimento de proposta, contados dessa data, é de 08 (oito) dias úteis, findos os quais, no local e hora aprazados, serão recebidas em sessão pública.
Oportuno anotar que a presença dos licitantes e seus representantes na referida sessão, como de praxe, não é obrigatória, mas o mecanismo do pregão praticamente a torna imprescindível. Sim, porque entregues as propostas, verificar-se-à a habilitação do licitante pela análise de declaração por ele subscrita, de sua regularidade, passando-se à análise das propostas comerciais (de preços), momento em que se verificará a conformidade das mesmas com os requisitos estabelecidos no instrumento convocatório, chamando-se o autor da proposta de menor preço e os das ofertas com preços até 10% (dez por cento) superiores para apresentação de lances verbais. Para que esses lances possam ser promovidos é crucial a presença do licitante, ou seu representante, imbuído de poderes para assim formular propostas, e praticar os demais atos inerentes ao pregão. Ver-se-á, mais adiante, que a importância dessa presença é redobrada quando falarmos do recurso administrativo, de cujo direito decaíra o licitante que não manifeste em sessão seu desejo de interpô-lo.
Retomando, temos que os licitantes pré-qualificados passam à fase de lances verbais, a qual se finda encontrando-se o vencedor, o ofertante do menor preço dentre aqueles que tenham satisfeito as exigências e requisitos estabelecidos no instrumento convocatório. Apurado quem detém essa condição, o pregoeiro decidirá motivadamente quanto à aceitabilidade de sua proposta, procedendo-se a análise do envelope de habilitação tão-somente do detentor da melhor oferta. Habilitado, o licitante será declarado vencedor.
No que pertine à fase de habilitação, vale dizer, os documentos que se pode exigir são em quantidade inferior que aqueles admitidos pela Lei 8.666/93 para igual desiderato, nos termos de seus artigos 27 a 31. Admite-se, aqui, exigências de ordem de habilitação jurídica, qualificação técnica e econômico- financeira, cujos parâmetros são os preceitos dos artigos 28, 30 e 31 da Lei 8.666/93, restringindo-se as exigências da ordem fiscal à regularidade perante a Fazenda Nacional, à Seguridade Social e ao F.G.T.S.
No caso dos Municípios, pensamos que deverá a norma local estabelecer a necessidade de prova da regularidade perante sua própria fazenda pública, o que na Medida Provisória não é contemplado tendo em conta a restritividade do âmbito de utilização do pregão à União.
É importante anotar, que na apreciação de sua documentação o licitante poderá ser inabilitado. Se isso ocorrer, caberá ao pregoeiro examinar os documentos de qualificação dos demais licitantes, seguindo-se a ordem de classificação, até apuração de alguém apto ao contrato, o qual será declarado vencedor.
Nesse caso, é de se comentar que o agora reputado vencedor terá seu preço superior ao daquele que inicialmente assim foi indicado, cuja proposta, no entanto, restou inabilitada. Diante dessa realidade, impõe-se ao pregoeiro negociar diretamente com o proponente para a obtenção do melhor preço.
Declarado, ao final, o vencedor, devidamente habilitado, narradas todas as ocorrências em ata, abre-se a possibilidade, única em todo o procedimento, de interposição de recurso, devendo, para tanto, o licitante que desejar fazê-lo manifestar-se em sessão imediata e motivadamente, sendo-lhe concedido prazo para ofertar as razões fundamentadas do recurso em 03 (três) dias, nos quais terá oportunidade de minudenciar e justificar apenas as questões que de antemão indicou como sendo os motivos de sua discordância. Findo esse prazo, inicia-se, sem qualquer nova convocação, o interregno de mais três dias para os demais licitantes oferecerem contra-razões de recurso, asegurado o direito de vistas ao processo, em especial para conhecer as razões que deverá responder.
Como se disse, o recurso é uno, e a intenção de apresentá-lo deve ser declinada em sessão, sob pena do licitante decair do direito, de modo a reforçar a importância da sua presença ou de seu representante.
Sendo uno o direito de recurso, é o momento adequado para insurgir-se contra quaisquer das etapas do certame licitatório, quer no tocante às propostas de preços, quer no atinente à habilitação. Essa unicidade recursal, vale dizer, ademais, auxilia a imprimir celeridade ao procedimento, assim como a já comentada inversão das fases, posto que elimina-se a dupla possibilidade de recurso, quanto à habilitação e ao julgamento, existente nas clássicas modalidades licitatórias, e a conseqüente demora concernente à sua análise.
Apresentados os eventuais recursos, como de praxe, a sua apreciação se dará pela autoridade superior, ante a natureza hierárquica do instituto, sendo esta autoridade exatamente aquela competente para adjudicar e homologar o pregão.
Se procedente o recurso, diz a Medida Provisória, invalidam-se apenas aqueles atos insuscetíveis de aproveitamento, tendo a norma legal incorporado de forma expressa a teoria do aproveitamento dos atos não viciados, o que é louvável.
Decididos os recursos, ou na sua ausência, a autoridade competente promoverá a adjudicação do objeto ao vendedor, e após a homologação também de sua competência, convoca-lo-á para assinatura do contrato, concluindo o certame.
Extrai-se de forma evidente de todo o exposto que a intenção primordial da introdução da modalidade no ordenamento jurídico sem dúvidas foi a de imprimir maior celeridade à contratação nas compras e serviços corriqueiros, comuns, de que necessite o poder público.
Desse modo, promoveu-se sensíveis mudanças nas clássicas sistemáticas das modalidades licitatórias usuais, dando-lhes dinamismo, eliminando formalismos e etapas totalmente prescindíveis.
Se essa foi a preocupação primeira e mais evidente do legislador, não se pode, ao concluir este trabalho, deixar de anotar que também não descurou de estabelecer regras aptas a permitir a mais ampla participação dos interessados, vedando de forma expressa a exigência de garantia das propostas (admitida pela Lei 8.666/93 em seu artigo 31, III, e muito criticada); de aquisição do edital pelos licitantes, como condição para participar do pregão (o que já se extraí da interpretação do artigo 32, § 5º da Lei 8.666/93); e de pagamento de taxas e emolumentos exceto quanto ao fornecimento do edital, não superiores ao custo de sua reprodução gráfica.