“Igualdade entre os licitantes – O Princípio da igualdade entre os licitantes impõe que o procedimento licitatório, desde a convocação até o ato final, não se despoje do seu caráter competitivo, para transformar-se em instrumento de privilégio ou desfavores a participantes. Daí a sua importância para a seriedade da licitação, reconhecida pela grande maioria dos doutrinadores, havendo quem, com muita razão, considere a isonomia entre os participantes a matriz dos demais princípios.” Antônio Marcello da Silva, O princípio e os princípios da licitação, RDP 136/34.
“Além de normas procedimentais necessárias, o sistema jurídico da licitação atende fundamentalmente a princípios gerais que se vinculam à sua finalidade.
O primeiro deles é o da igualdade entre os licitantes, ou seja, como outra face do postulado, a proibição de discriminar. O princípio vigora tanto em relação aos preceitos específicos, que integram os editais, e marcam as características das propostas, como também informam os critérios de ajuizamento e julgamento destas.” Caio Tácito, RDP 84/140
Sendo incontroverso que a igualdade é o princípio primário das licitações, temos que todos os concorrentes tenham igualdade de chances de vitória no certame, devendo em alguns casos o edital de licitação não só tratar igualmente os licitantes, como em algun
s casos tratar desigualmente os licitantes que sejam desiguais na exata proporção desta desigualdade, visando elidir eventuais vantagens que uns tenham sobre os outros que não decorram de suas condições subjetivas face ao objeto licitado, a fim de que realmente haja concorrência em igualdade de condições entre os licitantes:
“A igualdade de tratamento entre os possíveis interessados é a espinha dorsal da licitação. É condição indispensável da existência de competição real, efetiva, concreta. Só existe disputa entre iguais, a luta entre desiguais é farsa (ou, na hipótese melhor: utopia). (…)
A competitividade real, concreta, efetiva, é condição essencial do sucesso da licitação. Quando a competição entre diversos sujeitos for impossível, não se fará licitação (art. 25), pois ela não existe sem confronto, sem disputa, sem oposição, sem conflito de interesses entre pessoas.” Carlos Ari Sundfeld, Licitação e Contrato Administrativo, 2ª ed., ed. Malheiros Editores, págs. 20/22
“A licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia.
A licitação, assim, há de ser concebida como uma imposição do interesse público. Pressuposto dela é a competição.
“Competição” é no entanto, termo que assume mais de uma significação.
Há competição, pressuposto da licitação, quando o universo dos possíveis licitantes não estiver previamente circunscrito, de sorte que dele não se exclua algum ou alguns licitantes potenciais.
Por isso, impõe-se que a competição, de que ora se trata, pressuposto da licitação, seja desenrolada de modo que reste assegurada a igualdade (isonomia) de todos quantos pretendam acesso às contratações com a administração.” Eros Roberto Grau, Licitação e Contrato Administrativo Estudo Sobre a Interpretação da Lei, Malheiros Editores, págs. 14/15.
Havendo-se que aplicar, com igual influencia no certame, o princípio da proposta mais vantajosa e da isonomia, redundando portanto que a vencerá a melhor proposta auferida em um critério igualitário:
“A licitação, que ao tempo do artigo 3º do Decreto lei n.º 2.300/86 já visava a obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração, passou, no texto da nova lei, a Ter uma finalidade conjugada com a garantia da observância do princípio da isonomia tratado nos artigos 5º e 37, XXL da Constituição federal.
Vê-se que legislador tratou de igual forma o fim colimado pela licitação e o meio pelo qual o mesmo se realiza, evidenciando-se que os proponentes concorrerão em condições de igualdade, sem o que o ato poderá ser considerado viciado” Antônio Roque Citadini, Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas, ed. Max Limonad, 2ª ed., pág. 31/32.
Concluindo-se portanto que o princípio da isonomia constitui-se como uma limitação à buscada proposta mais vantajosa pelo órgão público, distintamente do que ocorre com as pessoas privadas:
“PROPOSTA MAIS VANTAJOSA LIMITES
Num primeiro momento o intérprete pode ser levado a imaginar que a seleção da proposta mais vantajosa possa induzir a aceitar condições que extrapolam os limites estabelecidos pelo edital, resultando, assim, uma contratação economicamente mais vantajosa para o Poder Público, ou seja “mais vantajosa”.
FREIO ISONÔMICO
No entanto, o freio a essa acertiva está no comando da necessidade de ser observado o princípio da isonomia, ou seja, a igualdade entre os licitantes …” Benedicto de Tolosa Filho, Licitações, 1ª ed., editora Forense, pág. 11.
Sendo certo que o princípio da isonomia embora não derrogue o interesse público, no caso específico de adquirir o objeto da licitação da forma menos onerosa, deve ser aplicado em conjunto com este uma vez que o Estado não é uma empresa privada e tem que respeitar uma série de direitos constitucionais de seus Administrados, no caso o da igualdade de tratamento, devendo garantir um disputa paritária entre os licitantes.
Assim, o princípio da isonomia atua como freio à busca pelo administrador da proposta mais vantajosa para a entidade licitante, uma vez que esta proposta mais vantajosa, diferentemente do que ocorre com as empresas privadas, não poderá decorrer de desigualdade entre os licitantes, pois como já frisado o poder estatal deve respeitar princípios que lhe são peculiares, até porque o licitante e tão cidadão e merece tanto a proteção estatal quanto o destinatário das atividades da entidade licitante.
Neste caso específico de diferenças na tributação, nossas cortes já se manifestaram inúmeras vezes coibindo o protecionismo por certos estados a favor de licitantes sediados nos mesmos, conforme relaciona o Prof. Caio Tácito:
Assim, p. ex., o STF declarou inconstitucionais várias leis que pretendiam beneficiar determinados licitantes potenciais.
Em diversos julgamentos, pela via de representação, foram repelidas leis que exigiam a existência de filial no próprio estado (Repr. 1.258 sobre a Lei 5.317/84, do Rio Grande do Norte), asseguravam preferencia, em igualdade de condições, à firma com sede no Estado, ou a ela concedia dedução do valor do ICM (Repr. 1.103), concediam dedução, no valor das propostas, da parcela do ICM ou ofereciam dedução especial do ICM sobre fornecimento de mercadoria quando o produto fosse industrializado no Estado (Repr. 1.147); concedia preferência ao licitante sujeito ao pagamento de ICM ou ISS no próprio Estado (Repr. 1.185)”
E outras que colhemos:
Supremo Tribunal Federal – CLASSE : RP DESCRIÇÃO : REPRESENTAÇÃO . NÚMERO : 1201 JULGAMENTO : 10/04/1986
EMENTA :
LICITAÇÃO. DEDUÇÃO, PARA EFEITO DE CLASSIFICAÇÃO NO JULGAMENTO, EM FAVOR APENAS DE FORNECEDORES ESTABELECIDOS NO DISTRITO FEDERAL. -OCORRÊNCIA DE DISCRIMINAÇÃO VEDADA PELA PARTE INICIAL DO INCISO I DO ARTIGO 9. DA CONSTITUIÇÃO, O QUAL DIZ RESPEITO TANTO A PESSOAS FÍSICAS QUANTO A PESSOAS JURÍDICAS. REPRESENTAÇÃO QUE SE JULGA PROCEDENTE, DECLARANDO-SE A INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO 6824, DE 22 DE JUNHO DE 1982, DO EXMO. SR. GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL. INDEXAÇÃO : GOVERNO, (DF), REALIZAÇÃO, LICITAÇÃO, SERVIÇO PUBLICO, OBRA PUBLICA, CONCESSÃO, VANTAGENS, EMPRESA, LOCALIZAÇÃO, (DF), OCORRÊNCIA, DISCRIMINAÇÃO, PREFERENCIA, EMPRESA, DIVERSIDADE, LOCALIDADE. ALEGAÇÕES, FIXAÇÃO, PERCENTAGEM, ABATIMENTO, FORNECEDOR, BENS,(DF), JUSTIFICAÇÃO, DIFERENÇA, ALIQUOTA, (ICM), COMERCIO INTERNO, PLURALIDADE, ESTADOS MEMBROS. PROCEDÊNCIA, REPRESENTAÇÃO, INCONSTITUCIONALIDADE, DECRETO ESTADUAL, (DF).
AD1029, LICITAÇÃO PUBLICA, CONCORRÊNCIA, ICM, – DEDUÇÃO
AD0796, LICITAÇÃO PUBLICA – PRINCIPIO DA ISONOMIA
CT0191, REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE- DECRETO ESTADUAL
LEGISLAÇÃO : LEG-FED EMC-000001 ANO-1969 ART-00008 INC-00017 LET-C ART-00009
INC-00001 ART-00153 PAR-00001 ***** CF-69 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LEG-FED LEI-005721 ANO-1971 – LEG-FED DEL-000200 ANO-1967 ART-00125 ART-00133 ART-00144
LEG-FED RSF-000129 ANO-1979 – LEG-FED RSF-000364 ANO-1983 LEG-EST DEC-002508 ANO-1973 (DF),
LEG-EST DEC-004507 ANO-1978 ART-00040 PAR-UNICO (DF)
LEG-EST DEC-006824 ANO-1982 (DF), INCONSTITUCIONALIDADE.
OBSERVAÇÃO : VOTAÇÃO: UNANIME. RESULTADO: PROCEDENTE.
VEJA: RP-1107, RTJ-115/18, RP–1147. ANO: 86 AUD: 22-08-86
ORIGEM : DF – DISTRITO FEDERAL
PUBLICAÇÃO : DJ DATA-22-08-86 PG-14519 EMENT VOL-01429-02 PG-00205
RELATOR : MOREIRA ALVES
SESSÃO : TP – TRIBUNAL PLENO
Supremo Tribunal Federal – CLASSE : RP DESCRIÇÃO : REPRESENTAÇÃO . NÚMERO : 1177 JULGAMENTO : 10/04/1986
EMENTA :
REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. LEGISLAÇÃO ESTADUAL
DISCRIMINATÓRIA EM MATÉRIA DE LICITAÇÕES. SÃO INCONSTITUCIONAIS, POR AFRONTA AO ARTIGO 9.-I DA CARTA, AS NORMAS QUE, NO RIO GRANDE DO SUL, ARROLAM COMO CRITÉRIO DE JULGAMENTO DAS LICITAÇÕES O VALOR DO ICM QUE DEVA SER GERADO NO PRÓPRIO ESTADO. PRECEDENTES ANÁLOGOS NA JURISPRUDÊNCIA DO S. T. F. INDEXAÇÃO : CONCORRÊNCIA PUBLICA, AUTORIZAÇÃO, ABATIMENTO, (ICM), CRITÉRIOS, JULGAMENTO, LICITAÇÃO, FAVORECIMENTO, EMPRESA, SEDE, ESTADO MEMBRO. LEI ESTADUAL, DISCRIMINAÇÃO, EMPRESA, ESTADOS MEMBROS, DIVERSIDADE, OFENSA, ISONOMIA CONSTITUCIONAL. PROCEDÊNCIA, REPRESENTAÇÃO, INCONSTITUCIONALIDADE, LEI ESTADUAL, (RS).
AD1029, LICITAÇÃO PUBLICA CONCORRÊNCIA , ICM, – DEDUÇÃO AD0796, LICITAÇÃO PUBLICA PRINCIPIO DA ISONOMIA CT0197, REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE LEI ESTADUAL CT0248, REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PORTARIA DE SECRETARIA DA FAZENDA ESTADUAL LEGISLAÇÃO : LEG-FED EMC-000001 ANO-1969 ART-00008 INC-00017 LET-C ART-00009 INC-00001 ART-00013 ART-00015 ART-00153 PAR-00001
***** CF-69 CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEG-FED LEI-005456 ANO-1968 ART-00001 ART-00002 ART-00003
LEG-FED DEL-000200 ANO-1967 ART-00125 ART-00133 ART-00144 LEG-EST DEC-030147 ANO-1981 ART-00001 PAR-UNICO (SP), INCONSTITUCIONALIDADE.
LEG-EST PRT-003172 ANO-1983 ART-00001 ART-00002 SECRETARIO DA FAZENDA ESTADUAL,(SP), INCONSTITUCIONALIDADE. LEG-EST PRT-001555 ANO-1981
SECRETARIO DA FAZENDA ESTADUAL,(SP) LEG-EST PRT-000167 ANO-1984 ART-00001
SECRETARIO DA FAZENDA ESTADUAL,(SP).
LEG-FED RSF-000129 ANO-1979 ART-00001 INC-00001
LEG-FED RSF-000364 ANO-1983
OBSERVAÇÃO : VOTAÇÃO: UNANIME. RESULTADO: PROCEDENTE.
VEJA: RP-1103, RP-1147, RP-1185, RTJ-111/930, RP-1107, RTJ-115/18,
RP-1201, RP-1187.
ANO: 86 AUD: 22-08-86 ORIGEM : RS – RIO GRANDE DO SUL
PUBLICAÇÃO : DJ DATA-22-08-86 PG-14519 EMENT VOL-01429-01 PG-00184
RELATOR : FRANCISCO REZEK SESSÃO : TP – TRIBUNAL PLENO
No Estado de São Paulo não temos qualquer destas concessões inconstitucionais de vantagens a licitantes sediados no Estado, entretanto temos situação peculiar na qual, por omissão, temos a concessão de vantagem a concorrentes de outros Estados, pois nas concorrências públicas patrocinadas por entidades do Estado de São Paulo temos nos preços ofertados pelos concorrentes a incorporação dos valores pagos pelos mesmos a título de ICMS e sendo as operações interestaduais tributadas pelo ICMS com aliquota menos gravosa, os concorrentes de outros Estados concorrerão com preços “brutos” mais baixos pois recolhem menos impostos.
Portanto temos a ausência de necessária desigualdade entre licitantes de outros Estados e Licitantes paulistas, uma vez que os mesmos são desiguais do ponto de vista tributário, pois os primeiros recolhem menos tributos para as operações em questão que os outros, valendo ressaltar que tal desigualdade é patrocinada pelo próprio Estado, que permite, por omissão, a existência desta benesse inaceitável:
“a igualdade entre os licitantes é princípio impeditivo da discriminação entre os participantes do certame, quer através de cláusulas que, no edital ou convite favoreçam uns em detrimento de outros, quer mediante julgamento faccioso, que desiguale os iguais ou iguale os desiguais” [grifo nosso] Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1990, pág. 243
Desta feita, sendo imperativo o respeito ao princípio da igualdade e estando o mesmo maculado por omissão, entendemos que a melhor forma de solucionar o problema é a exclusão do valor do ICMS pago por todos os concorrentes dos preços apresentados nas licitações à exemplo do que já vem sendo realizado em outros estados federados como Pernambuco que editou o Decreto 19.690 determinando o desconto dos valores de ICMS para todos os licitantes, em atenção ao princípio da igualdade entre os licitantes, conforme apontado em sua exposição de motivos.
Por fim cumpre-nos salientar que as considerações aqui tecidas estão cingidas a relação jurídica de direito administrativo existente entre o proponente e o Estado-comprador, não se confundindo com a relação jurídica tributária existente entre o vencedor do certame e o estado-arrecadador.
Isto posto, não se discute a possibilidade da tributação diferenciada para operações interestaduais, tampouco se pretende interferir na determinação da alíquota do tributo incidente na operação de venda que realizará o adjudicatário do contrato administrativo, tão somente se discute os efeitos desta diferenciação para o procedimento licitatório.
Frise-se então que a desigualdade existente no direito tributário é premissa menor do raciocínio empreendido nesta peça, decorrendo portanto que sua existência é que fundamenta a necessidade de dispositivo nos editais de licitação, especificamente no tocante à análise das propostas ofertadas, para a equalização dos licitantes, de onde sua inexistência implicaria na invalidade deste raciocínio, como ocorre com as vendas realizadas aos entes da administração pública não-contribuintes cuja alíquota de recolhimento de ICMS não difere nas compras intra ou interestaduais.
Por todo o exposto, é obrigatória a instituição, no edital convocatório, de mecanismo hábil a promover a compensação da desigualdade existente entre licitantes situados fora do estado de São Paulo, causada pela vantagem que tem no tocante a menor alíquota de ICMS, e os licitantes paulistas, nas licitações realizadas por órgãos sediados no Estado de São Paulo, sugerindo-se a desconsideração do valor a ser recolhido pelo ICMS das propostas ofertadas, colocando então todos os licitantes em condições de igualdade para competir, sem embargo dos recolhimentos deste tributo que o vencedor terá de fazer normalmente.
Finalmente salientamos que as considerações expendidas aqui tomaram como exemplo o estado de São Paulo, mas são plenamente aplicáveis para qualquer estado que tenha alíquota de ICMS superior à dos estados dos proponentes em certame licitatório.