Portanto, não podendo a Constituição Federal ser interpretada restritivamente, sob pena de frustração da garantia dos direitos garantidos pela mesma, constando do texto constitucional a obrigatoriedade de “igualdade de condições a todos os concorrentes”, tal igualdade engloba os concorrentes sediados em um estado federado face aos sediados em outro, pois ambos estão contidos no conjunto delimitado pela expressão “todos os concorrentes”, devendo então terem tratamento paritário.
Em atenção e estrito cumprimento do preceito constitucional determina o caput e o § 1º, inciso I, do artigo 3º da Lei 8.666/93 e alterações:
Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a administração (…)
§ 1º É vedado aos agentes públicos:
I – admitir, prever ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicilio dos licitantes ou qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato;
De sorte que o direito de igualdade de tratamento entre os licitantes não pode ser derrogado sob qualquer argumento.
Na hipótese “sub examine” temos claramente uma vantagem de alguns licitantes sobre outros decorrente de diferença na tributação a que se sujeitam “em razão da sede” destes licitantes, uma vez que nos preços apresentados pelos licitantes para a venda de seus produtos está incluso o valor do ICMS incidente sobre a operação, causando uma diferença percentual nestes preços que será decisiva no julgamento da proposta vencedora do certame, contrária ao regime de compras públicas atual:
“O inc. I [do art. 3º da Lei 8.666/93] reprimiu, ainda, a discriminação fundada exclusivamente na origem dos licitantes, em moldes já consagrados pelo Dec-Lei n.º 2.300/86. Retrata vedação derivada da Constituição, não apenas por força do princípio da isonomia mas por efeito da própria estrutura federativa do Brasil (CF, art. 19, inc. III).” Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, editora Dialética, 5ª edição, São Paulo, 1998, pág. 76.
Sendo certo que a vantagem usufruída por
alguns licitantes não decorre de condições subjetivas suas, mas tão somente da localidade da sede de sua empresa.
Neste sentido um licitante não pode receber vantagem que não tenha estreita relação com o objeto da licitação e que não vise igualar os licitantes, sob pena de ferimento ao princípio da isonomia, conforme aponta nossa doutrina:
“Então no que atina ao ponto central da matéria abordada procede afirmar: é agredida a igualdade quando o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guardar relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arredamento do gravame imposto (…)
Em outras palavras: a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que, se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia” (Celso Antônio Bandeira de Mello, O conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª ed., editora Malheiros, págs. 38 e 39)
“No plano específico das licitações, o princípio igualdade, sendo aplicado a rigor, impede que os concorrentes sejam ou favorecidos pelas cláusulas do edital, ou desfavorecidos” (J. Cretella Júnior, Licitações e Contratos do Estado, 1ª ed., editora Forense, pág. 42)
” Além da procura de condições mais vantajosas para a Administração Pública em seus contratos com particulares, a licitação se faz obrigatória por força do princípio da isonomia.
Por sua vez, o procedimento da licitação é informado por três princípios: igualdade entre os licitantes, publicidade e estrita observância das condições estabelecidas no instrumento de abertura.” [grifo nosso] Adilson Abreu Dallari, Aspectos Jurídicos da Licitação, editora Saraiva, São Paulo, 4ª edição, 1997, pág. 191.
E conseqüente afronta ao princípio da justa competição entre os licitantes:
“O Estatuto Federal sobre licitação e contratos administrativos estabelece que é vedado aos agentes públicos admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo da licitação ou que estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos proponentes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante ao objeto do contrato (art. 3º, § 1º, I). Aí está consubstanciado o princípio da competitividade. Nada, por esse princípio, deve comprometer, restringir ou frustrar a disputa entre os interessados em contratar com a entidade, em tese, obrigada a licitar, sob pena de inexistir licitação.” (Diogenes Gasparine, Direito Administrativo, ed. Saraiva, 4ª edição, 1995, pág. 293)
Em estreita consonância com o quanto disposto acima a Constituição do Estado de São Paulo determina:
“Artigo 117 – Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes…”
Seguida evidentemente pela Lei Paulista de licitações e contratos, Lei n.º 6.544/89:
Artigo 3º – A licitação destina-se a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, do interesse público e dos que lhe são correlatos.
§ 1º è vedado incluir, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que:
comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo do procedimento licitatório;
estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou do domicílio dos licitantes, ressalvado o disposto no § 3º [licitante estrangeiro]
Portanto o princípio da igualdade se aplica às licitações paulistas, não só por força da Constituição Federal, mas também por força da Constituição do Estado, até por que conforme nossa doutrina majoritária o princípio da igualdade é a base de onde derivam os outros princípios das licitações e a própria licitação, que visa garantir a igualdade dos administrados face à administração:
“Quais são estes princípios [da licitação]?
Parece-me que todos os elencados na doutrina se reduzem ao princípio da isonomia, expresso no artigo 153, § 1º, da CF [atual art. 37].
É verdade que esse entendimento de que todos são redutíveis à isonomia – eu afirmara isso há oito anos e hoje já não digo com tanta ênfase – demonstra-se cientificamente exato, e continua a me parecer exato; mas de um ponto de vista metodológico, a fim de que se possa conhecer melhor a realidade jurídica, penso que seria necessário elencar alguns princípios instrumentais da isonomia. Não apenas o princípio da isonomia, mas os princípios instrumentais, garantidores da isonomia, que visam, que objetivam a garantir tratamento isonômico.” Antônio Carlos Cintra do Amaral, Boa Fé nas Licitações, in Curso de Direito Administrativo, Coordenador Celso Antônio Bandeira de Mello, ed. RT, pág. 140.
“Quanto a nós, rejeitando, de logo, à força aberta, o último dos princípios enunciados – posto que não nos parece a adjudicação seja sempre obrigatória – consideramos suficientes os seguintes: a) isonomia, b) publicidade, c) respeito às condições prefixadas no edital, d) possibilidade do disputante fiscalizar o atendimento dos princípios anteriores. Sem embargo, julgamos que todos descendem do primeiro, pois são requisitos necessários à existência ou à fiscalização de sua real ocorrência” [grifos nossos] Celso Antônio Bandeira de Mello, Licitação, ed. RT, 1ª edição, pág. 2.
“A igualdade entre os licitantes é o princípio primordial da licitação – agora previsto na própria Constituição da República (art. 37, XXI) – pois não pode haver procedimento seletivo com discriminação entre participantes, ou com cláusulas do instrumento convocatório que afastem eventuais proponentes qualificados ou os desnivelem no julgamento (art. 3º, § 1º).” Hely Lopes Meireles, Licitação e Contrato Administrativo, 11ª Edição, Ed. Malheiros Editores, pág. 28.