Por: Simone Zanotello
O pregão é a mais nova modalidade de licitação existente em nosso ordenamento jurídico, embora possamos definir sua origem há alguns séculos. No Brasil, a prática do pregão como licitação pública já fazia parte das Ordenações Filipinas.
Na administração moderna, o pregão foi utilizado inicialmente pela Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, em 1998, já que as Agências possuem autonomia para efetuar suas regulamentações para o processamento de licitações, desde que, é claro, não firam princípios constitucionais. A utilização desta modalidade teve resultados significativos no que tange à redução de preços pagos, ao número ínfimo de recursos e à diminuição do tempo médio para a realização das aquisições, demonstrando sua eficiência e eficácia.
Motivado pelos resultados positivos obtidos pela ANATEL com os procedimentos de pregão, o Governo Federal, resolveu adotar essa prática, e a fez por meio da Medida Provisória 2.026, de 04 de maio de 2000.
Na época, esse fato foi criticado por legisladores, juristas, doutrinadores, especialistas em licitação e operadores do Direito, primeiramente por não restar caracterizada a situação de “urgência e relevância” que justificasse uma Medida Provisória, e também porque a sua aplicabilidade ficou adstrita somente ao âmbito do Governo Federal. Críticas a parte, a MP 2.026 foi reeditada por diversas vezes, e somente em 17 de julho de 2002, foi convertida na Lei n°. 10.520 (Lei do Pregão). É importante salientar que por ocasião dessa conversão, estenderam-se os efeitos da aplicabilidade do pregão também para os estados e municípios, embora alguns deles já estivessem utilizando o pregão antes mesmo da Lei n°. 10.520/02, por força de legislações próprias, como, por exemplo, os estados de Minas Gerais e do Mato Grosso do Sul.
No âmbito do Governo Federal, o pregão foi regulamentado pelo Decreto n°. 3.555, de 08 de agosto de 2000, que foi posteriormente alterado pelo Decreto n°. 3.693, de 20 de dezembro de 2000 e pelo Decreto n°. 3.784, de 06 de maio de 2001. Para fazer frente à nova realidade no que tange à utilização da tecnologia da informação no pregão, o Governo Federal expediu o Decreto n°. 3.697, de 21 de dezembro de 2000, dispondo todo o procedimento do pregão eletrônico, realizado via Internet, o qual foi revogado pelo Decreto n°. 5.450, de 31 de maio de 2005. Nota-se que a maioria da regulamentação do pregão foi efetivada antes mesmo de ser sancionada a Lei n°. 10.520/02, enquanto essa modalidade ainda era normatizada por medida provisória. No entanto, esses decretos não perderam seus efeitos, e continuam vigentes até hoje, visto que seus dispositivos estão em conformidade com a nova lei.
Mas, com relação a esses decretos, é importante se fazer uma ressalva, pois, como normais federais, e não nacionais, eles não têm abrangência nas esferas estaduais e municipais. Portanto, cabe aos estados e municípios a expedição de decretos regulamentadores próprios no momento de adoção do pregão.
Um outro fato relevante a ser considerado é que, embora o pregão seja regulado pela Lei n°. 10.520/02, de acordo com o art. 9º da referida Lei, aplicam-se subsidiariamente as normas da Lei n°. 8.666/93 para regular essa modalidade, visto que essa nova legislação não abrangeu os vários aspectos atinentes ao procedimento licitatório como um todo.
Após esse breve histórico sobre a legislação do pregão, surge a questão: afinal, no que consiste essa modalidade de licitação?
Segundo o art. 1º da Lei n°. 10.520/02, o pregão é a modalidade de licitação destinada à aquisição de bens e serviços comuns, que podem ser considerados aqueles cujos padrões desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado.
Diante dessa conceituação, o primeiro aspecto que se abstrai é que o critério de utilização desta modalidade de licitação está adstrito ao tipo de bem ou serviço a ser contratado, ou seja, a sua característica de “comum”, ao contrário das demais modalidades (convite, tomada de preços e concorrência) que são pautadas pelo valor.
Num segundo momento, há que se considerar que a lei não foi precisa e técnica ao designar um “bem ou serviço comum” como sendo “algo a ser objetivamente definido no edital”, haja vista que qualquer bem ou serviço a ser licitado deverá apresentar objetividade em sua descrição.
Sendo assim, pode-se ter uma visão de que os bens e serviços comuns são aqueles que não possuem exigências específicas, únicas, não sendo, portanto, fabricados somente para atender às necessidades da Administração. E nesse conceito, a padronização e a disponibilidade no mercado se constituem num caminho bastante eficiente para a definição desses bens e serviços.
O decreto federal que regulamenta o pregão, com o objetivo de auxiliar os trabalhos da Administração Federal, dispõe alguns bens e serviços comuns que poderão ser adquiridos por pregão. No entanto, salienta-se que essa lista não é exaustiva, e sim exemplificativa, servindo apenas como base para orientar as escolhas do órgão licitador. E, além disso, um outro aspecto a ser considerado com relação a esses itens, é que às vezes o bem está disposto na lista, mas em certas circunstâncias ele não poderá ser considerado como bem “comum”, pois exige certas peculiaridades que não são usuais de mercado. Como exemplo, podemos citar um microcomputador: se esse equipamento for utilizado para processar programas básicos como Word, Excel, Power Point, etc., ele não necessitará de especificações técnicas mais abrangentes. Mas, se o equipamento for utilizado para processar programas de alta tecnologia e resolutividade, como softwares de geoprocessamento e plano diretor, devendo apresentar qualidade e produtividade de desempenho, esse microcomputador eventualmente poderá necessitar de especificações técnicas mais complexas, que não serão encontradas com tanta facilidade no mercado. Portanto, nesse exemplo, estamos diante de um bem que poderá ser considerado “comum” em algumas circunstâncias, mas não em outras.
Portanto, para se definir bens e serviços “comuns”, não basta que ele esteja numa classificação já normatizada, e sim que ele realmente apresente características de bens e serviços “comuns”.
Ao se analisar o que são bens e serviços comuns, um outro aspecto a ser extraído é que as obras, as locações imobiliárias e as alienações em geral não podem ser processadas por pregão, e devem continuar contando com a utilização dos demais modelos tradicionais de licitação.
Com relação aos serviços de engenharia, a Lei Federal nº. 10.520/02 não faz qualquer vedação quanto ao seu processamento por pregão, caso esses serviços possam ser enquadrados como comuns. Na realidade, a vedação da utilização do pregão para serviços de engenharia se fez pelo Decreto Federal nº. 3.555/00, que possui aplicabilidade somente na esfera federal. Sendo assim, se os serviços de engenharia puderem ser descritos de forma objetiva no edital, por meio de exigências usuais de mercado para aquela atividade, sem complexidades, propiciando um julgamento pelo “menor preço”, enquadrando-se, port
anto, como serviço “comum”, entende-se não haver óbice à utilização da modalidade pregão para a sua contratação, exceto se houver vedação expressa na norma regulamentadora do órgão.
Sendo assim, toda essa exposição do que é e do que não é bem e serviço “comum”, tem como fundamento orientar o administrador para que ele utilize o pregão da maneira correta.
Uma outra peculiaridade trazida pela Lei n°. 10.520/02, em seu art. 11, foi que as compras e contratações de bens e serviços comuns, realizadas sob o sistema de registro de preços, que até então só podiam ser processadas por concorrência, agora podem ser efetivadas por meio do pregão, tornando esse sistema mais ágil e competitivo. Tanto na modalidade concorrência, como no pregão, esse sistema deverá ser adotado em circunstâncias em que haja consumo freqüente dos itens, em situações especiais de fornecimento.
Quanto à obrigatoriedade ou não de se utilizar o pregão em detrimento das demais modalidades, verifica-se que a Lei n°. 10.520/02 dispõe que para a aquisição de bens e serviços comuns a Administração “poderá” adotar a licitação na modalidade de pregão. Num primeiro momento, denota-se que a escolha da modalidade de pregão seria uma faculdade do administrador, como parte de seu poder discricionário. No entanto, pelas vantagens que o procedimento proporciona, esse “poder” se converte num “dever”, como sinônimo de uma administração eficiente.
De fato, o pregão, como uma nova modalidade de licitação, surgiu quase que conjuntamente com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que exigiu que os administradores mantivessem suas finanças em ordem, obrigando-os a adotar novos caminhos para uma administração eficiente.
Ademais, é de suma importância o conhecimento do conteúdo da Portaria Interministerial n°. 217, de 31 de julho de 2006, que regulamentou o Decreto Federal n°. 5.504, de 5 de agosto de 2005, o qual estabelece a obrigatoriedade de utilização do pregão, preferencialmente na forma eletrônica, para entes públicos ou privados, nas contratações de bens e serviços comuns, realizados em decorrência de transferências voluntárias de recursos públicos da União, oriundos de convênios ou instrumentos congêneres.
Em suma, embora a adoção da modalidade pregão seja uma faculdade do administrador, certamente deverá haver a opção por utilizá-la onde for possível, em virtude da agilidade e da redução de valores que ela proporciona.
Na próxima publicação, exporemos mais algumas peculiaridades sobre o pregão, no que diz respeito ao processamento de suas fases interna e externa.
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