RHS Licitações

Licitação Dispensável em 4 partes (4)

 

Por: Simone Zanotello
 

Esta matéria vem tratar dos incisos XXIII a XXVIII, finalizando o art. 24 da Lei Federal n. 8.666/93, que trata das hipóteses de licitação dispensável:

    XXIII – na contratação realizada por empresa pública ou sociedade de economia mista com suas subsidiárias e controladas, para a aquisição ou alienação de bens, prestação ou obtenção de serviços, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;

Por meio desta hipótese, as empresas públicas ou as sociedades de economia mista contam com a possibilidade de contratar, sem licitação, as suas subsidiárias e controladas, para adquirir ou alienar bens e para prestar ou obter serviços, o que nos parece ser uma norma acertada, pois há que existir um relacionamento comercial livre entre elas. Segundo Carlos Pinto Coelho Motta:

    “A inserção do inciso XXIII no art. 24 da Lei de Licitações, pela Lei 9.648/98, consagrando a dispensa de licitação na contratação das controladas pelas estatais, veio como forma de atender a uma necessidade da realidade empresarial daquelas sociedades…. Portanto, o permissivo do art. 24, XXIII, da Lei 8.666/93 contribui para a integração dos recursos da entidade criadora, com sua controlada, e para o acesso aos benefícios decorrentes da contratação direta entre tais sociedades.” 

Ainda citando Carlos Pinto Coelho Motta, referindo-se a comentários dos professores Ivan Barbosa Rigolin e Marco Tullio Bottino:

    “Inc. XXIII – nada mais natural e de se esperar, conforme já declinado, que uma empresa estatal que criou uma subsidiária, ou que controla uma empresa, possa com ela contratar livremente, sem licitação. Não teria o menor sentido se assim não fosse, de modo que este inciso apenas preenche na lei o que todos aguardavam antes de sua inserção definitiva, pela Lei 9.648.” 

Diante disso, verificamos que a inserção do referido inciso, por meio da Lei 9.648/98, foi bem aceita pelos doutrinadores, pela lógica comercial e empresarial que ele proporciona.

No que tange à compatibilidade com os preços de mercado, reiteramos nosso entendimento exposto em incisos anteriores.

    XXIV – para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.

Trata-se da hipótese de dispensa de licitação que permite que a Administração Pública contrate organizações sociais, devidamente qualificadas perante a referida Administração, para prestar serviços contemplados no contrato de gestão.

Primeiramente, há que se conceituar o que são “organizações sociais”: referem-se a entidades privadas, sem fins lucrativos, criadas por iniciativa do poder público. Possuem gestão de certo patrimônio público, que lhe é cedido pelo Estado. É mais ou menos como se fôssemos viajar por algum tempo e deixássemos nossa casa para ser cuidada por um irmão. Ele terá a gestão da casa, mas o bem não é transferido para ele; não é para ser vendido, mas, sim, mantido.

Em seguida, temos que contratações com base neste inciso devem obedecer a alguns requisitos, conforme nos ensina Jorge Ulisses Jacoby Fernandes:

    “Esse cenário de transição não retira a força normativa da exceção que consta do art. 24, XXIV, da Lei n°. 8.666/93 e, por esse motivo, deve-se ter em mente:
    a) que o contrato de prestação de serviço há que guardar pertinência entre o objetivo da organização social e o objeto pretendido pela Administração e constante do contrato de gestão. Se o serviço não está nesse escopo, a contratação não é legítima;
    b) que a organização social seja efetivamente responsável pela execução do serviço. Deve ser considerada irregularidade grave a mera intermediação do serviço.” 

Embora o inciso não mencione, também entendemos que essa contratação só pode ser firmada se os preços forem compatíveis com os praticados no mercado, na esteira dos comentários já realizados neste trabalho.

    XXV – na contratação realizada por Instituição Científica e Tecnológica – ICT ou por agência de fomento para a transferência de tecnologia e para o licenciamento de direito de uso ou de exploração de criação protegida.

A Lei nº. 10.973/04, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica  e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação e ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento industrial do País, objetivando a geração de produtos e processos inovadores, foi editada para regulamentar os arts. 218 e 219 da Constituição Federal. Ela introduziu este inciso para que seja dispensada a licitação nas contratações realizadas por Instituição Científica e Tecnológica – ICT (definida na legislação como órgão ou entidade da administração pública que tenha por missão institucional, dentre outras, executar atividades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico) ou por agência de fomento (que representa órgão ou instituição de natureza pública ou privada que tenha entre os seus objetivos o financiamento de ações que visem a estimular e promover o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da inovação), com pessoas jurídicas de direito privado, para a transferência de tecnologia e para o licenciamento de direito de uso ou de exploração de criação protegida.

A referida contratação deve apresentar como finalidade o incremento da interação entre essas Instituições Científicas e Tecnológicas, com o objetivo de fazer com que os produtos nacionais se tornem mais competitivos, tanto no mercado interno, quanto no externo, em face da incorporação de tecnologia, além de estimular a participação das entidades públicas de pesquisa no processo de inovação, por meio da transferência e do licenciamento de tecnologia desses institutos para todo o setor produtivo do Brasil.  

    XXVI – na celebração de contrato de programa com ente da Federação ou com entidade de sua administração indireta, para a prestação de serviços públicos de forma associada nos termos do autorizado em contrato de consórcio público ou em convênio de cooperação.

Este inciso foi introduzido por força da Lei n°. 11.107/05, que dispõe sobre normas gerais para que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios contratem consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum.

Portanto, para que haja o enquadramento nessa hipótese, é preciso que haja um consórcio ou um convênio de cooperação, que autorize essa espécie de contratação para fim de cumprimento de suas finalidades, em termos previamente fixados, sendo que o ajuste deve ser firmado por meio de um contrato de programa. A contratação deve ser efetivada com ente da Federação ou entidade de sua administração pública indireta interessada, o que pressupõe a impossibilidade de contratação com uma empresa, mesmo que ela seja integrante de uma entidade da administração indireta.

Em suma, essas são as hipóteses de licitação dispensável previstas na Lei n°. 8.666/93. No entanto, um aspecto importante há de ser salientado: dispensar a licitação não significa se desvencilhar de todos os preceitos da Lei de Licitações, em especial dos princípios, que devem estar presentes em todas as contratações. É o entendimento do professor Benedicto de Tolosa Filho, com o qual comungamos:

    “Muito embora a lei autorize a dispensa de licitação, os princípios que norteiam os atos administrativos elencados no art. 3o. devem estar presentes na formalização do ato, inclusive colhendo-se orçamentos de outras empresas para
demonstrar a compatibilidade de preços.”

    XXVII – na contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública.

Este inciso foi trazido pelo art. 57 da Lei n. 11.445/07, a qual estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e sua política federal. O conceito de saneamento básico, estabelecido pela lei, refere-se a um conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais para a realização de várias atividades, dentre elas a limpeza urbana e o manejo de resíduos sólidos, o que inclui a coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo orgânico de varrição e limpeza de logradouros públicos. E nessa esteira, a limpeza urbana vem com ações de triagem para fins de reuso ou reciclagem, de tratamento, inclusive por compostagem, e de disposição final adequada.

E para concretizar esses objetivos, a legislação dispôs a possibilidade de contratação dos serviços de coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis em áreas onde haja sistema de coleta seletiva de lixo, por meio de dispensa de licitação, quando essa for efetivada com associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda (excluindo-se, portanto, o caráter industrial dessa atividade), reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis.
 
Com essas exigências, verifica-se nitidamente o intuito de se concretizar políticas públicas voltadas ao desenvolvimento social e econômico das forças de trabalho menos favorecidas, e que cada vez mais fazem parte de nossa realidade. Ao lado desse objetivo, também se verifica a busca do desenvolvimento ecologicamente sustentável, visto que essas ações também visam à preservação do meio ambiente.

Por fim, salientamos que a legislação também se preocupou em preservar a idoneidade dos trabalhadores envolvidos nessa atividade, ao exigir o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas ambientais e de saúde pública, fato esse que deverá ser fiscalizado pelo poder público, por ocasião da execução do contrato, como forma de proteção a essas pessoas.

    XXVIII – para o fornecimento de bens e serviços, produzidos ou prestados no País, que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional, mediante parecer de comissão especialmente designada pela autoridade máxima do órgão.

Por força do art. 62 da Lei n. 11.484, editada em 31 de maio de 2007, houve a inclusão do inciso XXVIII no art. 24 da Lei n. 8.666/93, ampliando as hipóteses de dispensa de licitação. Essa lei dispõe sobre os incentivos às indústrias de equipamentos para TV Digital e de componentes eletrônicos semicondutores, bem como sobre a proteção à propriedade intelectual das topografias de circuitos integrados, e, além disso, institui o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores – PADIS e o Programa de Apoio do Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Equipamentos para a TV Digital – PATDV. Tais incentivos estão basicamente voltados aos investimentos que as empresas dessas áreas de atuação devem efetivar em pesquisas e desenvolvimento.

Mas, a dispensa de licitação está pautada na hipótese de fornecimento de bens e serviços, que sejam produzidos ou prestados no país, impondo, assim, um válido caráter de preferência nacional, desde que esse fornecimento envolva, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional, o que deverá ser demonstrado por meio de parecer emitido por comissão especialmente designada pela autoridade máxima do órgão.

Por ser uma disposição bastante recente, sem muitos exemplos práticos, o que nos parece, num primeiro momento, é que sua aplicabilidade estará restrita à esfera federal, em razão do fornecimento apresentar, inclusive, exigência cumulativa de defesa nacional. A par disso, também é nítido que uma das diretrizes estabelecidas para o inciso se apresenta de forma bastante vaga e predominantemente técnica, ao eleger a expressão “alta complexidade tecnológica”.

Sendo assim, caberá às comissões, por meio de seus pareceres, a tarefa árdua de demonstrar a efetividade e a aplicabilidade do inciso, pela cumulatividade das ocorrências, como forma de se justificar a dispensa de licitação.

Com isso encerramos o estudo das hipóteses de licitação dispensável previstas no rol taxativo do art. 24 da Lei n. 8.666/93, e, na seqüência, analisaremos os casos em que a licitação é inexigível.

Referências Bibliográficas

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação direta sem licitação: modalidades, dispensa e inexigibilidade de licitação. 5. ed. Brasília : Editora Brasília Jurídica, 2000., p. 522.

MARTINS, Paulo Haus. Qual a diferença entre organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público? Disponível em: http://www.rits.org.br. Acesso em: 05/01/2005.

MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações e contratos: estudos e comentários sobre as leis 8.666/93 e 8.987/95, a nova modalidade do pregão e o pregão eletrônico; impactos da lei de responsabilidade fiscal, legislação, doutrina e jurisprudência. 9. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 237-238.

RIGOLIN, Ivan Barbosa; BOTTINO, Marco Tulio. apud MOTTA, Carlos Pinto Coelho Motta. Eficácia nas licitações e contratos: estudos e comentários sobre as leis 8.666/93 e 8.987/95, a nova modalidade do pregão e o pregão eletrônico; impactos da lei de responsabilidade fiscal, legislação, doutrina e jurisprudência. 9. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte : Del Rey, 2002, p. 237.
 
TOLOSA FILHO, Benedicto de. Licitações: comentários, teoria e prática: Lei n°. 8.666/93. Rio de Janeiro : Forense, 1998, p. 72

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