As certificações exigidas pelos órgãos licitantes são exageradas
O país começa a debater a proposta da nova Lei de Licitações, que se aplicará às aquisições de bens e serviços pelo governo. Por isso, é importante destacar alguns aspectos da atual legislação que podem, e devem, ser reavaliados. Um desses aspectos, entre tantos outros passíveis de revisão, envolve as exigências do governo para classificar propostas técnicas em licitações para aquisição de bens e serviços de informática. Ao contrário do que a lei estabelece, as licitações nesse setor são pautadas, muitas vezes, por requisitos técnicos inadequados, desproporcionais e sem fundamento em relação ao objetivo pretendido pelo governo.
O governo delimitou expressamente os requisitos exigíveis dos licitantes para fim de pontuação, julgamento e classificação de proposta técnica. Da leitura do Decreto n° 1.070/94, fica claro que o órgão licitador, ao estabelecer requisitos pontuáveis e julgamento das ofertas técnicas, deverá considerar apenas os seguintes fatores: prazo de entrega, suporte de serviços, qualidade, padronização, compatibilidade e desempenho (explícita a capacidade e velocidade esperadas).
O anteprojeto do Executivo reduz a publicidade dos atos do Estado, diminuindo a possibilidade de controle social
Esses requisitos devem, obviamente, constar da proposta técnica formulada pelo licitante, previamente habilitado, e a fase de julgamento das propostas técnicas não deve, em hipótese alguma, se transformar em nova habilitação disfarçada, com exigências sem nenhum limite legal. Esse posicionamento tem prevalecido em nossa doutrina e jurisprudência.
O TCU chega mesmo a questionar a validade das propostas técnicas para aquelas licitações, cujos objetos são bem especificados: “De mais a mais, é de se ver que, do ponto de vista prático, todas essas demonstrações teóricas exigidas pouco ou nada podem assegurar sobre a efetiva qualidade técnica do objeto que virá a ser entregue pela futura contratada, até porque é comum nessas licitações verificar-se que o objeto da licitação terá que ser cumprido com as mesmas especificações previstas no edital/projeto executivo pertinente, qualquer que seja o licitante vencedor do certame, isso independentemente da eventual qualidade de sua “proposta técnica”.
Freqüentemente, porém, os órgãos licitadores extrapolam os limites dados por nossa legislação e consagrados pela doutrina e jurisprudência. Para fim de pontuação, julgamento e classificação de propostas técnicas, esses órgãos exigem certificações exageradas, inúmeros atestados de capacitação técnica (em quantidades desproporcionais ao objeto licitado), recursos humanos igualmente desproporcionais à necessidade contratual, filial no local de execução dos serviços e certificação ISO 9000 há um dado tempo, etc. Algumas dessas exigências, ao ferirem os mais elementares princípios licitatórios, como já afirmamos, afastam das contratações públicas, ilegalmente, eventuais interessados, frustrando, consequentemente, a competição.
Os mais afoitos alegam que tais requisitos não são eliminatórios, mas tão-somente classificatórios, o que é, convenhamos, de um cinismo singular. Como vimos, no que diz respeito ao julgamento e à classificação das propostas técnicas, não cabe o exame de requisitos relativos à pessoa do licitante – objeto de fase anterior do procedimento licitatório, a habilitação. Na etapa de julgamento e classificação de propostas técnicas, caberá somente o exame da exequibilidade da oferta.
Em relação às propostas técnicas, ao exigir o atendimento de condições pertencentes à etapa de qualificação das licitantes, como capacitação técnico-operacional, por exemplo, o órgão licitador reintroduz no certame e na etapa de julgamento das propostas requisitos relativos à pessoa da licitante e, portanto, extemporâneos e ilegais.
No momento em que o Executivo, por meio do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, submete à consulta pública seu anteprojeto de lei geral de contratações administrativas, vale recordar essas distorções, que têm afastado tantos interessados das licitações. O objetivo é corrigi-las, por meio do Congresso, em processo legislativo democrático. Deve-se tirar do órgão licitador o poder discricionário de determinar, no ato convocatório, os aspectos técnicos a serem apreciados nas propostas técnicas, como pretende o mencionado anteprojeto. Aliás, marcado pelo desejo da celeridade, o anteprojeto apresentado reduz a publicidade dos atos do Estado, ao presumir que a internet pode substituir, integralmente, outros meios de divulgação. Também diminui a possibilidade de controle social, caracteriza-se por atos discricionários, inibe o recurso, privilegia o menor preço e apenas inverte as fases da contratação, viciando a habilitação pela aparente vantagem de uma oferta, dentre outros problemas. Mas isso é tema para outro artigo.