RHS Licitações

Valor dos Pagamentos em Contratos Nulos

 

Por: Marcos Juruena Villela Souto
 


A Administração tem o dever de observar em seus atos e contratos os princípios da segurança jurídica, da boa-fé objetiva, da moralidade, da economicidade. Mesmo no caso de contrato nulo, a indenização pelo que foi executado de boa-fé e recebido sem ressalvas deve envolver a integralidade da prestação ajustada e não apenas o custo (que não inclui a margem de lucro, justamente esperada pelo contratado de boa-fé). Isso não afasta o dever de sindicar se houve culpa ou dolo do agente que deu causa à nulidade. Aqui, há, por outro lado, o risco de o contratado pleitear a diferença em juízo, com os acréscimos inerentes às condenações judiciais.

I
É freqüente a situação que resulta na contratação de bens e serviços sem que se tenha a liberação da despesa para atendimento da necessidade de prévio empenho, o que, não raro, decorre do fato de que o projeto em execução se encontra inserido nas prioridades definidas pela Chefia do Poder Executivo.

O entendimento dominante 1  é no sentido de que, mesmo diante dos vícios formais, há obrigação de se ressarcir o que foi efetivamente recebido. A hipótese seria calcada no art. 59, parágrafo único da Lei nº 8.666/93, sendo o “Termo de Ajuste de Contas” o instrumento hábil para tanto.

A polêmica diz respeito à definição do valor a ser ressarcido, nos termos do citado art. 59, parágrafo único da Lei nº 8.666/93, que poderia ensejar limitação do ressarcimento ao custo do serviço 2.

II

Tal orientação, data venia, não coloca a Administração a salvo de uma demanda judicial para cobrança da diferença de valores que o particular pretende receber e o que a Administração se dispõe a pagar. No caso de a Administração vir a ser condenada a pagar tal diferença, além dela e dos juros de mora, serão acrescidos honorários de advogado e custas processuais. Sem falar no risco de futuros contratos terem os custos elevados em função dessa praxe administrativa.

Cabe, pois, à autoridade a escolha do risco que deseja assumir. Tanto mais se houver orientação anterior num sentido ou no outro.

Afinal, como é sabido, custo e preço são conceitos distintos; assim, ao impor o ressarcimento pelo custo, pretende se subtrair do contratado a margem de lucro esperada com o negócio, sem falar nas oportunidades perdidas – pela vinculação à Administração e não a terceiros.

A mim, cumpre ressalvar o entendimento pessoal no sentido contrário ao ressarcimento pelo custo.

Em outras palavras, o não pagamento integral do serviço recebido sem ressalvas configura enriquecimento sem causa e violação do princípio da boa-fé objetiva e da solidariedade, os quais devem reger as relações entre as partes. Estas devem buscar agir de forma cooperativa e não antagônica.

Assim, a boa-fé objetiva obriga as partes a empreenderem seus melhores esforços para que ambas consigam cumprir o acordado, de modo a concluí-lo a bom termo.

É certo que sem haver contrato formal (em razão de um vício que lhe cause a nulidade, já que uma das etapas não chegou a ser cumprida, qual seja, o empenho como documento autorizador da despesa), tem-se matéria a ser apurada em apartado, para saber quem deu causa à nulidade do contrato. O fato é que a prestação do serviço foi recebida sem ressalvas.

Assim, invocar a nulidade contratual para não pagar pelo que recebeu é incidir em abuso de direito, o que, na lição de HELOÍSA CARPENA 3, com base no direito suíço, “O abuso de direito não é protegido pela lei”, citando, ainda, a legislação alemã sobre o dever de boa-fé.

Remarque-se ser a autora integrante do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, afirmando ainda 4:

“O elemento moral das obrigações é dado principalmente pela boa-fé objetiva, cuja incidência, ao reduzir o campo de aplicação do princípio da autonomia privada, vem legitimar o vínculo contratual em contemplação dos efeitos sociais que ele produz e não apenas em atenção aos interesses egoísticos das partes contraentes.”

Também ORLANDO GOMES 5 destaca o dever de boa-fé:

“O princípio da boa-fé entende mais com a interpretação do contrato do que com a estrutura. Por ele se significa que o literal da linguagem não deve prevalecer sobre a intenção manifestada na declaração de vontade, ou nela inferível.

Ao princípio da boa-fé empresta-se ainda outro significado. Para traduzir o interesse social de segurança das relações jurídicas diz-se, como está expresso no Código Civil alemão, que as partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas. Numa palavra, devem proceder com boa-fé. Indo mais adiante, aventa-se a idéia de que entre o credor e o devedor é necessário a colaboração, um ajudando o outro na execução do contrato. A tanto, evidentemente, não se pode chegar, dada a contraposição de interesses, mas é certo que a conduta, tanto de um como de outro, subordina-se a regras que visam a impedir dificulte uma parte a ação da outra.” (n/ grifo).

Daí decorrem os deveres de lealdade e confiança, correção, lisura e honestidade entre os parceiros, que, por vício meramente formal, deixaram de concretizar o termo – mas não o negócio em si.

Daí se falar num dever de solidariedade para o atingimento do interesse comum, como leciona CLÁUDIA LIMA MARQUES 6:

“(…)atuação refletida, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes.” (n/grifo).

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