Consulta:
Temos um contrato, onde o principal insumo que corresponde à cerca de 75% dos custos envolvidos no fornecimento, é baseado em dólar.
Neste sentido, perguntamos como a Lei e a Jurisprudência tratam deste tema:
- É possível pleitear a Repactuação de Valores? Existe um procedimento pré-estabelecido neste sentido?
- Qual o percentual de variação cambial que extrapola qualquer consideração de risco empresarial cambial que possa ensejar um pedido de repactuação?
Resposta:
É de todos sabido que após a declaração da pandemia, houve uma espetacular variação cambial. Assim, se um contrato foi pactuado no final do ano passado e a proposta considerou um determinado valor para o dólar, é possível afirmar que ele possa ter ficado oneroso para as partes, especialmente para a contratada, já que, em princípio, teria que suportar integralmente o ônus da variação cambial.
Caso evidenciado o desequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato, a contratada deve demonstrar que está configurada uma “álea econômica extraordinária e extracontratual” que impeça ou retarde a execução do contrato, segundo a alínea “d” do inciso II do artigo 65 da Lei nº 8.666/93Geral de Licitações, conduzindo as seguintes situações: (i) fatos imprevisíveis; (ii) fatos previsíveis, porém de consequências incalculáveis; (iii) caso fortuito; (iv) força maior; ou (v) fato do príncipe.
A variação cambial no equilíbrio econômico-financeiro de um contrato administrativo pode ser enquadrada como um fato imprevisível (teoria da imprevisão) ou previsível, porém de consequências incalculáveis.
Manifestações do TCU sobre o tema:
a) Acórdão nº 2.837/2010: a corriqueira variação cambial, do dia a dia, não impacta no equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, pois é previsível e traduz-se em risco do negócio. Além disso, não se demonstrou o seu impacto nos custos dos equipamentos de informática que seriam fornecidos no caso concreto objeto de análise pelo Tribunal.
b) Acórdão nº 1.431/2017: a variação cambial que impacta no equilíbrio econômico-financeiro deve ser inesperada, abrupta e afetar a execução do contrato. Além disso, afirmou que a recomposição deve ser fundamentada, com documentação que ateste tal situação “de forma incontestável” em todo o custo global do contrato, e não somente em determinados itens. Em síntese, concluiu em três pontos os fundamentos para a concessão do reequilíbrio econômico-financeiro: “a) constituir-se em um fato com consequências incalculáveis, ou seja, cujas consequências não sejam passíveis de previsão pelo gestor médio quando da vinculação contratual; b) ocasionar um rompimento severo na equação econômico-financeira impondo onerosidade excessiva a uma das partes. Para tanto, a variação cambial deve fugir à flutuação cambial típica do regime de câmbio flutuante; e c) não basta que o contrato se torne oneroso, a elevação nos custos deve retardar ou impedir a execução do ajustado, como prevê o art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/1993.”
c) Acórdão nº 4.125/2019: a variação cambial deve ser imprevisível ou de consequências incalculáveis para que seja concedido o reequilíbrio econômico-financeiro. No caso analisado, contudo, tal situação não ficou demonstrada, na medida em que a variação do dólar foi ordinária, “seguindo a tendência do que estava ocorrendo nas semanas anteriores à assinatura do contrato e ao pagamento dos serviços”.
Em resumo, pode-se concluir que:
- A variação cambial normal, ordinária e previsível não autoriza o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos;
- Somente será concedido o reequilíbrio no caso de variação cambial imprevisível ou previsível, porém de consequências incalculáveis;
- É importante analisar a variação cambial à luz do contexto fático e econômico para confirmar a sua (im)previsibilidade e seus efeitos;
- A elevação nos custos do particular imposta pela variação cambial deve impedir ou retardar a execução contratual;
- A variação cambial deve repercutir em todo o custo global do contrato, e não sob determinado item objeto do contrato;
- A recomposição deve ser fundamentada, com documentação que ateste todos estes fatores.
O pedido de reequilíbrio, devidamente motivado, deve ser feito o mais rapidamente possível, pela contratada, levando em consideração os aspectos acima narrados.
(Colaborou Dra. Christianne Stroppa, advogada especializada em licitações Públicas, Contratos Administrativos e Consultor(a) da RHS LICITAÇÕES).