Rogério Santanna: Pretendemos que as pequenas empresas tenham algum mecanismo de proteção
Se fosse possível estabelecer um marco zero para a agenda positiva do governo, que pretende dinamizar a economia, colocando o país nos trilhos do crescimento, a pedra fundamental poderia muito bem ser lançada na Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação – SLTI, integrante do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Isto porque é dessa esfera do poder federal que poderão sair proposições estruturais para o setor de compras públicas, uma das peças vitais para a engrenagem de vários ciclos econômicos.
Sem muito alarde, de seu gabinete localizado em um dos blocos de prédios da Esplanada dos Ministérios, o secretário de logística e Tecnologia da Informação, Rogério Santanna, comanda exatamente algumas das estratégias que visam maior eficiência,racionalidade e simplificação dos processos que envolvem as licitações em todas as esferas governamentais.
“Nós caminhamos para uma simplificação dos procedimentos. Todos os nossos projetos caminham nessa direção”, afirma Santanna, referindo-se ao esforço empreendido neste momento no âmbito da Secretaria para a simplificação dos processos licitatórios, em especial o pregão. Reservada exclusivamente a bens e serviços comuns, a idéia, segundo Santanna, é utilizar o pregão para a maioria das compras que possam ser feitas por meios eletrônicos.
“Todas as nossas análises, inclusive relatórios do Banco Mundial, apontam que a lei brasileira cria muitas fases dentro do processo licitatório. Em vez de termos uma fase de recursos durante a abertura do envelope de habilitação, outra fase de recursos após a análise técnica, outra fase de recursos após a apresentação de preços, poderíamos concentrar tudo em uma única fase final; e introduzir o conceito de uma fase saneadora”, analisa o secretário.
Simplificar o processo significa, antes de tudo, reduzir custos. Hoje, a duração de um processo licitatório chega a consumir seis meses na preparação de um edital, gerando uma cadeia de custos, associados à burocracia envolvida.
A idéia de simplificação caminha lado a lado a de integração, ponto sensível da discussão, principalmente quando se analisa a questão das microempresas e pequenas empresas, peças capazes de produzir um movimento decisivo no jogo das relações produtivas e sociais do Brasil.
Acompanhe abaixo os principais trechos da entrevista feita pela equipe do site Licitação.
Licitação – Dentro da agenda positiva do governo pretende, de que forma as compras públicas se colocam como instrumento para incentivar o desenvolvimento?
Rogério Santanna – As compras públicas podem ser usadas para a diminuição das desigualdades sociais, de incentivo às micro e pequenas empresas. Nosso objetivo é tornar mais barato o custo da compra e mais barato o custo de vendas para o governo.Uma redução significativa de custo que é perdido em trabalhos burocráticos, seja no âmbito do governo, seja no âmbito das empresas, possa ser aplicado na compra de produto ou na minoria das deficiências das próprias empresas em seu processo produtivo particular.
A gestão da papelada da burocracia é onerosa para a sociedade de uma maneira geral. Esse é um dos objetivos do governo eletrônico. Utilizar os mecanismos para que se aumente a transparência, o controle da sociedade sobre os atos do governo, diminuindo fraudes, roubos, desvios de funcionários ou de empresas.
Licitação -No que diz respeito à implementação de plataformas eletrônicas, como isso afeta o status to da lei de licitação?
Rogério Santanna – Nossa previsão é que no futuro todas as modalidades possam ser feitas por meio eletrônico. Hoje não há mais empecilho legal para isso. A questão da certificação digital está regulamentada, o que é documento eletrônico está definido. Então é perfeitamente possível realizar uma grande compra, uma grande concorrência, com base em meios digitais, de modo que as empresas, dotadas de assinatura digital, possam ofertar seus produtos de uma maneira segura para o governo.
Licitação – Isso implicaria a criação de novas modalidades de compras?
Rogério Santanna – Não. A idéia é simplificar, eliminando convite, tomada de preço… Deixar apenas a modalidade concorrência para as coisas mais complexas e trabalhar várias alternativas de pregão eletrônico. A concorrência seria reservada para grandes obras, grandes projetos de serviço, iniciativas dessa ordem.
Licitação – O senhor acredita que essa estratégia poderia de alguma maneira beneficiar as microempresas e pequenas empresas?
Rogério Santanna – Nesse aspecto, uma das possibilidades que defendemos é que haja uma preferência de compras para pequenas empresas. Ou ainda, por porcentual das compras públicas que fosse destinado às microempresas. Existem várias alternativas. Estamos trabalhando com o Sebrae [Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas], no sentido de identificar quais seriam essas políticas possíveis de serem implementadas.
Licitação – Nesse sentido existiria a intenção de formalizar, via legislação, algum tipo de ação?
Rogério Santanna – Reside nessa questão problemas apontados por diversos juristas: da mesma forma que a Constituição Federal identifica as pequenas empresas como parte de um patrimônio nacional que precisa ser preservado, a mesma lei também diz da necessidade de se garantir a isonomia. Trata-se de uma questão de interpretação que precisa ser equacionada por meio de amplos debates a respeito.
Mas é preciso reconhecer que esse debate não é exclusividade do Brasil, tão pouco é recente. A lei de compras governamentais dos Estados Unidos adotou desde 1930 o buy american act, que reserva um percentual das compras do governo daquele país para as pequenas empresas. É fundamental que a lei de compras do governo brasileiro tenha mecanismos desta ordem. Essa questão deve ser encarada até no âmbito dos acordos de blocos econômicos, como a ALCA [Área de Livre Comércio das Américas] e o Mercosul. Os outros países têm mecanismos de proteção de suas pequenas empresas. O Brasil não pode entrar de forma descoberta quando fechar acordos de compras governamentais, abrindo nosso mercado para as empresas signatárias do acordo.
Um caso claro ocorreu no hemisfério norte aconteceu com o México e com o Canadá, na ocasião do acordo Nafta [Acordo de Livre Comércio da América do Norte]. Uma redefinição do governo dos Estados Unidos sobre o porte de pequenas empresas permitiu a organizações daquele país aos entraram no mercado do México e do Canadá e restringiu a participação destes dois países no mercado dos Estados Unidos.
Licitação – Fora do campo jurídico, que ações poderiam ser tomadas para tornar efetiva a integração e defesa das MPEs?
Rogério Santanna – As ações principais são basicamente duas: estabelecer uma preferência manifesta, ou seja, por cotas ou por algum mecanismo de modo que a pequena empresa consiga vender para o governo. Entretanto, acredito que o beneficio para a pequena empresa seria a simplificação dos procedimentos para fornecer para o governo, uma vez que, hoje, a burocracia ainda é muito grande. Uma pequena empresa não tem estrutura para se manter em dia com as certidões, porque são emitidas por órgãos diferentes, com prazos de validade diferentes, elas vão vencendo em épocas diferentes. Significa que fornecer para o governo é necessário um sistema de acompanhamento administrativo complexo, para não perder o prazo nas certidões e perder uma licitação por um detalhe burocrático. Evidentemente esse é um ônus para a pequena empresa. E, naturalmente, que um dos grandes desafios nossos vai ser garantir por nossos novos mecanismos, o pagamento em dia. Isso, seguramente, faz que o preço baixe.
Licitação – Em fevereiro deste ano a imprensa noticiou que o governo pretendia reduzir os gastos com custeio, através de uma Central Única de Compras.
Rogério Santanna – O que a imprensa chamou de Central de Compras não é exatamente assim. Cabe à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação coordenar os sistemas de controle. Existem áreas que estão centralizadas aqui e outras não. A idéia que nós estamos trabalhando aqui é a de estudar em profundidade cada uma dessas famílias, para poder ter estratégias e descobrir coisas. Além disso, tem casos que nós temos um mercado de concorrência perfeito e para esse a compra eletrônica é uma solução muito de baixo custo, permitindo o controle de gasto e diminuição dos gastos com o processo de compras.
No entanto, há mercados imperfeitos, nos quais existem vários fornecedores, mas alguns são sócios de outros, ou têm participação em mais de um negócio. Esses são os chamados mercados imperfeitos, para os quais a concorrência eletrônica não ajuda muito. Os fornecedores são todos controlados por um único dono, ou que participa em vários ramos do negócio. Necessitamos dessa forma de compor estratégias. Mas a lei trata todo o mercado todo o mercado como se fosse perfeito. Por exemplo: na área de medicação, não é assim.
Licitação – Do ponto de vista pragmático a defesa das MPEs não poderia ser decidida na forma de um decreto?
Rogério Santanna -Um decreto não pode resolver problemas que não estão previstos na Legislação. Decreto regulamenta coisas que estão previstas. O que nós vamos fazer, enquanto a legislação não muda é, dentro de limites, estender a utilização dos mecanismos de compras eletrônicas e simplificar o processo para a participação dentro dos marcos legais que já existem.
Licitação – Mas a modalidade Pregão foi instituída por meio de um decreto. Não se pensa em fazer isso em relação à situação de pequenas empresas?
Rogério Santanna – O pregão foi instituído por meio de uma medida provisória, que depois foi aprovada e virou lei na forma de uma modalidade nova de compras públicas.Não pretendemos fazer correções assim pontuais. Trabalhamos sempre com a perspectiva de agir no âmbito da infranorma, encaminhar as mudanças que tenham mais fôlego.
Licitação – Existe alguma visão de quando uma agenda efetiva será implementada no que tange as várias estratégias da Secretaria?
Rogério Santanna – Acredito que ao longo desse ano nós vamos ter uma série de passos mais decisivos. No segundo semestre de 2004 esperamos, por exemplo, ter pelo menos uma proposta formalizada para a discussão interna ao governo.