A Lei de Licitações em vigor desde junho de 1993 corre o risco de sair de cena nas contratações feitas pela administração pública, se for aprovada proposta apresentada pela senadora e ex-ministra da Casa Civil Gleisi Hoffmann (PT-PR). Nesta terça-feira, será colocado em comissão mista do Congresso o parecer da senadora sobre a Medida Provisória (MP) 630, que estende o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para a construção de presídios.
Gleisi vai mais além e propôs ampliar o instrumento para todas as contratações públicas, em substituição à Lei de Licitações.
“Quando conseguimos acertar em resultados positivos quanto a um procedimento, não tem por que não estender o seu benefício de forma mais ampla”, justificou a parlamentar, em entrevista exclusiva ao DCI.
Quando apresentou a proposta, na semana passada, recebeu críticas da oposição de que o RDC, originalmente proposto para obras e serviços da Copa do Mundo, facilitaria conluio e corrupção.
Mulher do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, a senadora deixou a pasta da Casa Civil no mês passado para disputar o governo do Paraná.
Empenhada na defesa do segmento desde que retornou ao Senado, Gleisi Hofmann também acompanha nesta terça-feira, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) a votação do PLS 323/2010, que trata do uso da substituição tributária.
O relator é o senador Armando Monteiro (PTB-PE), que informou a intenção de preparar uma norma capaz de impor limites a este mecanismo de arrecadação utilizado no recolhimento de ICMS e do IPI.
O assunto foi debatido no último dia 11, quando Monteiro e a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) reclamaram de estados que abusam do instrumento, comprometendo os benefícios fiscais oferecidos pelo regime Simples a pequenas e microempresas (Lei Complementar 123/2006).
A substituição tributária é um método de arrecadação que atribui ao contribuinte a responsabilidade pelo pagamento do imposto devido por seus clientes ao longo da cadeia de comercialização. Assim, fica mais fácil a fiscalização dos chamados impostos plurifásicos, como é o caso do ICMS, que incide mais de uma vez na cadeia de circulação de uma determinada mercadoria ou serviço.
Confira principais trechos da entrevista:
DCI – Com o seu parecer, a senadora pretende fazer criar uma nova Lei de Licitações?
Gleisi Hoffmann – De maneira nenhuma. O RDC trata especificamente de contratações. A Lei de Licitações, a Lei 8.666 [Lei 8.666, de 21 de junho de 1993], que é objeto de um parecer já exarado por uma comissão especial [do Senado] trata também dos contratos e da administração posterior às compras.
DCI – O que levou a senhora a pedir a ampliação do RDC para todas as contratações?
GF – Porque ele [o RDC] tem tido resultados positivos em economia de tempo e nas aquisições, especialmente das obras. Hoje, nós temos o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. Então os governos utilizam o RDC para fazer as licitações com recursos do PAC, se beneficiam disso e quando precisam fazer licitações, utilizando seus recursos, têm que utilizar a Lei 8.666, ou seja, outro instrumento legal. E acabam sentindo as diferenças, tanto os estados quanto os municípios, que têm um marco legal e outro. Por isso, é preciso estender o RDC a contratação feita por qualquer órgão de estados ou municípios. Quando conseguimos acertar em resultados positivos quanto a um procedimento, não tem porquê não estender o seu benefício de forma mais ampla.
DCI – A sua proposta à MP coincide ou colide ou se superpõe às propostas sobre mudanças na Lei de Licitações em andamento na Câmara e no Senado?
GF – Não. Muito pelo contrário. A minha proposta está muito adequada ao que já foi previsto no relatório da senadora Kátia Abreu [PMDB-TO] sobre a utilização do RDC, que foi incorporado e ampliado, porque ele vem das melhores práticas de contratação na Europa, nos Estados Unidos e outros países desenvolvidos.
DCI – Na apresentação do seu relatório foi apresentado um levantamento dando conta de que houve apenas uma pequena economia – na ordem de 5% – em licitações realizadas sob as regras do RDC. A margem de economia do RDC é então pequena?
GF – Você está falando do RDC para contratação integrada. Porque na contratação por preço global ou unitário a economia sentida é de 10% a 13%. Na integrada, é menos. Mas a grande vantagem da administração é transferir todo o risco para o contratante, ou seja, nós não temos aditivos nem correção de valores, o que pode ocorrer nas outras modalidades. O grande ganho nesse sentido, na contratação integrada, é o ganho do tempo. A gente tem conseguido reduzir consideravelmente, em alguns casos, em 50% a 60% do tempo de contratação. Esse também é um ganho muito expressivo para a administração pública.
DCI – Como a senhora rebate as afirmações feitas pela oposição de que o RDC estimula o conluio e a corrupção?
GF – Não é verdade. O RDC é utilizado nos países mais avançados, na Comunidade Europeia, nos Estados Unidos. Enfim, tem grande publicidade o tempo inteiro. Inclusive a maior parte de seus contratos é feita mediante o instrumento de leilão, de publicação na internet, há acompanhamento. Ou seja, o RDC não foge em nenhum momento de todos os processos de fiscalização e de todas as instituições que cuidam disso, como o Tribunal de Contas. [A acusação da oposição] é uma tentativa de desqualificar um instrumento que pode ser utilizado para agilizar a contratação pela administração pública e que já é utilizado nos países desenvolvidos.
DCI – Porque a senhora incluiu em seu relatório a possibilidade de a empresa contratada também ser responsável, por até cinco anos a partir da entrega da obra, por serviços de manutenção ou operação? Isso não encarece o preço final dos serviços e obras licitados?
GF – Qualquer obra que você faz você tem que dar conta da manutenção. Você não pode fazer uma obra, seja de uma sede, de escola, sem prever a manutenção. A importância de fazer uma contratação com manutenção junto é que quem construir a obra vai ser muito mais cuidadoso, vai ter muito mais capricho com essa obra porque sabe que será responsável por mantê-la. Então, se ele fizer uma obra relaxada, mal feita, a manutenção ficará mais cara para. Além disso, isso reduz o custo porque você já vai prever na contratação as despesas com manutenção. Quando você faz de forma diferente, geralmente quem vai fazer a manutenção, por não ser da mesma empresa que contratou, embute no preço um risco maior. Então, nós avaliamos que isso pode ajudar a reduzir custos e melhorar a qualidade da obra, além de facilitar e agilizar o processo para a administração pública. E não ter solução de continuidade. Por exemplo, uma estrada é construída, você sabe que vai ter pelo menos cinco anos de manutenção contratada. Não precisa mais se preocupar com aquela estrada.
DCI – Qual o argumento que a senhora usa para justificar ter incluído em seu relatório que a empresa vencedora não precisará mais apresentar planilhas com indicação dos quantitativos e dos custos unitários e do detalhamento das Bonificações e Despesas Indiretas (BDI) e dos Encargos Sociais (ES)?
GF – É que a responsabilidade pelo custo é da empresa. É ela que vai ser responsável pela precificação. Não unitariamente. É uma contratação integrada. Ou seja, ela é responsável por fazer toda a obra e pelo preço que ela está dando. Então, não tem sentido eu pedir que ela apresente preço unitário porque o risco é dela, inclusive.
DCI – Desburocratiza a licitação?
GF – Com certeza, desburocratiza, agiliza o processo e melhora muito a qualidade.
DCI – Em relação a técnica e preço, qual é a novidade que a senhora apresenta em seu relatório?
GF – Nós não estamos colocando como obrigatoriedade a técnica e preço porque, na realidade, nos últimos tempos, a técnica tem se consubstanciado única e exclusivamente na apresentação dos acervos das empresas e não necessariamente uma avaliação subjetiva técnica. Os órgãos de contas não permitem mais uma avaliação subjetiva. Então acaba até restringindo a contratação. Eu conversei com o senador Francisco Dornelles [PP-RJ] é que a gente pode exigir, de uma forma mais aprimorada, é documento de habilitação, capacidade financeira, capacidade técnica. Que esses documentos sejam apresentados na habilitação da empresa, porque as empresas estão sendo habilitadas sem capacitação técnica e sem condições financeiras para arcar com a obra.
DCI – Será votado o parecer na terça-feira?
GF – Acho que sim. Isso é importante para o País, para os estados, para os municípios.
DCI – Se a senhora vencer como candidata a governadora do Paraná e assumir o cargo, seria decretado o fim da substituição tributária que onera o ICMS para as micro e pequenas empresas com alíquotas maiores
GF – Eu vou rever o decreto da substituição tributária. Tem alguns produtos, que nós chamamos da cadeia homogênea, como cigarro, bebidas, que são próprios para substituição tributária e não têm impacto considerável nos negócios das micro e pequenas empresas. Agora, quando você pega papelaria, alimentação e outros produtos, isso tem um impacto muito grande. Então esses são os produtos que a gente tem que rever. Temos que dar condições para as micro e pequenas empresas prosperarem e respeitar o tratamento diferenciado que a Constituição lhe dá direito.
DCI – Como ex-ministra, acha que o governo federal tem condições efetivas de assegurar o acesso ao Supersimples a todas as micro e pequenas empresas por faturamento?
GF – Essa é uma discussão que está na Câmara e que a gente tem que fazer com cuidado também. Não é só faturamento, muitas vezes, que caracteriza uma micro e pequena empresa. A atividade também tem que ser considerada. Mas a gente tem sempre condições de avançar para melhorar o quadro que existe hoje.
DCI – Para encerrar, senadora, como a senhora está vendo o atual quadro de crise com o PMDB?
GF – Crise é uma palavra muito forte. O PMDB e o PT têm responsabilidades e têm uma história conjunta.
(Fonte: DCI)