Estamos vivenciando situações nos pregões presenciais em que um item na cota de disputa ampla arrematada por alguma LTDA e nós como Pequena Empresa arrematamos o mesmo item da cota reservada para EPP. Nesse momento, caso a cota reservada com valor superior ao da cota ampla, ganho pela LTDA, o pregoeiro exige, sob pena de fracassar o item, que façamos exatamente o mesmo preço ofertado pela empresa LTDA que ganhou na cota ampla. E a alegação dele no momento é de que “o tribunal de contas concorda com a prefeitura e não existe o porquê pagar mais caro, se tem outra empresa com o mesmo produto e valor menor”. A dúvida que nos aflige é essa posição do pregoeiro tem embasamento e suporte legal? Se não, podemos manifestar intenção de recurso em casos assim? De que forma poderíamos nos posicionar diante desse recurso?
O Decreto (federal) nº 8538/15 estabeleceu:
Art. 8º Nas licitações para a aquisição de bens de natureza divisível, e desde que não haja prejuízo para o conjunto ou o complexo do objeto, os órgãos e as entidades contratantes deverão reservar cota de até vinte e cinco por cento do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte.
§ 1º O disposto neste artigo não impede a contratação das microempresas ou das empresas de pequeno porte na totalidade do objeto.
§ 2º O instrumento convocatório deverá prever que, na hipótese de não haver vencedor para a cota reservada, esta poderá ser adjudicada ao vencedor da cota principal ou, diante de sua recusa, aos licitantes remanescentes, desde que pratiquem o preço do primeiro colocado da cota principal.
Como se vê, o caput do artigo 8º prevê a cota de 25%. Logo no § 2º, há menção sobre a possibilidade de não acudirem interessados/classificados para a cota reservada às MPEs, permitindo-se que outro licitante no certame fique com a cota, desde que aceite o preço do primeiro colocado na cota principal. Portanto, esta é a primeira menção à tentativa de equiparação do preço oferecido na cota reservada, com o preço ofertado na cota principal.
Na sequência, o artigo 10 do mesmo Decreto, dispõe:
Art. 10. Não se aplica o disposto nos art. 6º ao art. 8º quando:
(…)
II – o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e as empresas de pequeno porte não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou ao complexo do objeto a ser contratado, justificadamente;
Portanto, é possível que os Pregoeiros, conforme preconiza o artigo 10, inciso II, do Decreto 8538/15, entendam que o “preço maior” oferecido na cota reservada NÃO É VANTAJOSO se comparado àquele ofertado na cota principal, por isso, é feita a exigência de que o licitante MPE reduza seu preço para equipará-lo ao menor valor apresentado na licitação.
Mas é possível que esta não seja a melhor interpretação da norma. O parágrafo único do mesmo artigo 10 explica o que deve ser considerado “não vantajoso”:
Parágrafo único. Para o disposto no inciso II do caput, considera-se não vantajosa a contratação quando:
I – resultar em preço superior ao valor estabelecido como referência; ou II – a natureza do bem, serviço ou obra for incompatível com a aplicação dos benefícios.
Sendo assim, o preço só se mostrará desvantajoso se estiver acima do “preço de referência”. Em nenhum momento a norma fala que o preço desvantajoso é aquele que estiver acima do preço da cota principal.
Como exemplo, o Decreto Municipal de São Paulo nº 56.475/15, informa que o preço vantajoso da cota reservada é aquele que se situa dentro do limite de 10% acima do preço da cota principal, conforme segue:
§ 2º Considera-se não vantajosa a contratação quando:
I – o preço ofertado para a cota reservada, nos casos do artigo 11, inciso I e inciso II, alínea “a”, deste decreto, for mais de 10% (dez por cento) superior ao menor preço apurado para a cota de ampla concorrência; Portanto, na interpretação do Decreto Paulistano (nº 56.475/15), quando a proposta da cota reservada estiver dentro do limite de 10% acima do valor ofertado na cota principal, aquela poderá ser contratada, não sendo obrigatória a redução do preço oferecido pela MPE.
Conclui-se, por conseguinte, que nenhuma das normas analisadas proíbe que as empresas participantes da cota reservada ofertem preços diferentes (e superiores) àqueles praticados pelas empresas participantes da cota principal (ou denominada “cota de ampla concorrência”). A vedação refere-se exclusivamente à oferta de valores superiores ao “preço de referência” (aquele que a Administração Pública estabelece como “valor médio” obtido na pesquisa de mercado que instruiu o processo de licitação). Assim, é possível que, para o mesmo objeto, coexistam dois preços diferentes: um deles ofertado na cota reservada e o outro apresentado para a cota principal.
(Colaborou Prof. Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações públicas, Contratos Administrativos no Setor Privado e Consultor Jurídico da RHS LICITAÇÕES).