O diretor-geral do Departamento da Imprensa Nacional, Fernando Tolentino de Sousa Vieira, expediu a Portaria nº 188, que proíbe a divulgação de atos do Diário Oficial da União ou do Diário da Justiça, de forma total ou parcial, se houver fins lucrativos. Como se sabe, esse procedimento é tradicional das editoras do País e tem a finalidade de integrar a comunidade nacional ao contexto da informação.
O tributarista Ives Gandra Martins, em entrevista exclusiva, classificou a restrição como um ato ilegal, porque fere o dispositivo de que se pode ter divulgação. E enfatizou: “A Portaria é de densa ilegalidade, de densa inconstitucionalidade reflexa.”
A seguir, publicamos a íntegra da entrevista.
Sem Fronteiras – Qual a sua opinião sobre as restrições à divulgação de atos do Dißrio Oficial da UniÒo e do Dißrio da Justiþa, com fins comerciais?
Ives Gandra Martins – A portaria introduz curiosos dispositivos. Todos os livros de Direito, existentes no Brasil, representam uma divulgação total ou parcial dos dispositivos legais. Quando eu comento os textos da Constituição ou de uma lei ou decreto, o faþo diante da publicação no Diário Oficial da União ou no Diário da Justiça. Então, a editora não poderá vender meus comentários, pois estarão acompanhados de atos que saíram publicados naqueles periódicos. E a proibição não será por força de uma lei, ou por força da Constituição, mas por força de uma portaria, que é inferior a um decreto. A proibição é por força de uma portaria, que é o mais frágil dos textos normativos.
Estou absolutamente convencido de que ela é inconstitucional, senão reflexamente. Ela é ilegal, porque fere o dispositivo de que se pode ter divulgação. E essa divulgação, se representa ônus, evidentemente poderá ter fins lucrativos. Todos os livros jurídicos do Brasil representam comentários a textos de lei, extraídos do Diário Oficial, parcial ou totalmente, o que vale dizer, a portaria fere o direito de autor. Fere a cultura jurídica nacional, porque não mais poderemos ter autores remunerados; não mais poderemos ter livros publicados com base em dados do Diário Oficial, porque os livros custam e, custando, e tendo as editoras fins lucrativos, elas estariam proibidas, por essa portaria – de densa ilegalidade; de densa inconstitucionalidade reflexa.
SF – Por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, que foi extraído do Diário Oficial da União, não poderia ser editado e comercializado pelas editoras, segundo essa portaria?
Gandra Martins – Exatamente. + igual ao texto reproduzido do Diário Oficial, com comentários jurídicos, ou seja, com valor agregado, pois terá fins lucrativos. Na verdade, a portaria representa uma tentativa de estatizar, de socializar e tomar – na minha opinião – em caráter até marxista, em que todos os meios de divulgação pertencem ao Estado e o setor privado não pode deter o direito de divulgar. É uma manifesta ilegalidade e manifesta inconstitucionalidade reflexa.
SF – Vai ser derrubada essa portaria?
Gandra Martins – A forma de se derrubar é por meio de um mandado de segurança.
Portaria nº 188/03
Disciplina a Utilização das Informações Contidas na Base de Dados do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça, Publicados pela Imprensa Nacional.
O Diretor-Geral da Imprensa Nacional, no uso das atribuições que lhe confere o inciso II do artigo 5¦ do Regimento Interno, aprovado pela Portaria n¦ 43, de 08 de novembro de 2002, do Chefe da Casa Civil da Presidência da República, resolve:
Art. 1º – é livre e gratuito, de acordo com o Artigo 3º do Decreto nº 4.521, de 16 de dezembro de 2002, o acesso aos atos oficiais publicados no Diário Oficial da União, Seções 1, 2 e 3, e do Diário da Justiça, Seções 1, 2 e 3, editados pela Imprensa Nacional da Casa Civil da Presidência da República, constantes do site www.in.gov.br.
Art.2º – Fica autorizada a divulgação, sem fins lucrativos, parcial ou total, do conteúdo da base de dados utilizado para a publicação dos jornais oficiais mencionados no artigo 1º, ressalvado o disposto nos parágrafos deste artigo.
º 1º – A divulgação do conteúdo da base de dados em sítio diverso somente pode ser efetuada sem fins lucrativos.
º 2º – Considera-se divulgação com fins lucrativos a reprodução e distribuição da referida base de dados como objeto de comércio.
Art. 3º – A utilização e divulgação da base de dados com fins lucrativos será considerada violação de direito autoral, nos termos do artigo 87 e art 102 e seguintes da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, e 184 do Decreto-Lei n¦ 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
Art. 4º – Constatada a violação ao disposto nesta Portaria, será comunicada a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República, para adotarem, respectivamente, as medidas cíveis e penais cabíveis.
Art. 5º – Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
Em 29 de agosto de 2003.
DOU de 01/09/03.
(Fonte: Aduaneiras)