Por: Benedicto de Tolosa Filho
O Município de São Paulo, passou a partir de 07 de janeiro de 2002, a contar com novo regulamento para a realização de licitações, pois nessa data foi promulgada a Lei nº 13.278, oriunda do Projeto de Lei nº 564/01, enviado pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo.
O novo regramento vem substituir a Lei nº 10.544, de 31 de maio de 1988 que, em síntese, era uma repetição da legislação federal então vigente sobre a matéria (Decreto-Lei nº 2.300/86).
A lei em exame é aparentemente enxuta, na medida em que possui apenas 34 artigos.
Aparentemente enxuta, pois, na verdade disciplina que as licitações e os contratos administrativos sujeitar-se-ão à legislação federal, ou seja, à Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
A Lei Paulistana prevê, portanto, submissão à legislação federal sobre a matéria, no entanto, introduz, diga-se de passagem, alterações procedimentais importantes, com reflexos práticos positivos.
Essas modificações alteram de forma acentuada a legislação federal sobre a matéria, restando indagações a respeito de sua constitucionalidade, na medida em que se trata de matéria, cuja regulamentação constitucional, gravita na esfera de competência privativa da União, consoante dispõe o inciso XXVII do art. 22 da Constituição de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, assim grafado:
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(….)
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1o , III;”
Evidentemente que a Lei nº 8.666/93, com suas alterações, não pode ser considerada “in totum” como pertencente à vertente de “normas gerais”.
Com efeito, o inciso XXVII, malgrado a posição respeitável de outros doutrinadores, restringe o conceito de “normas gerais” à instituição de modalidades e aos tipos de licitação, bem como à observância dos princípios que regem a Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) fixados pelo inciso XXI do art. 37 da Carta Maior.
Portanto, temos como indispensáveis, para elaboração de leis que disciplinem a matéria a nível estadual, distrital e municipal, a preservação das modalidades e dos tipos de licitação, os valores máximos fixados para a definição de modalidades e a submissão aos princípios que regem a Administração Pública.
Entender como típico do conceito de “normas gerais” os demais dispositivos é desconsiderar os interesses e peculiaridades locais, sendo cediço, pois, aos Estados, Distrito Federal e Municípios, exercer o direito de legislar suplementarmente sobre a matéria, respeitando as “normas gerais”.
Assim é que, a Lei Paulistana, complementa o art. 6o da Lei de Licitações e Contratos Administrativos federal, ao destacar da definição de obra oferecida pelo inciso I do artigo em comento, o de demolição, para conceitua-lo, com propriedade, como:
“espécie de obra que consiste em modificação de área edificada, estrutura, compartimentação vertical, volumetria, restauro ou modificação em edificação preexistente, ainda que não utilizada ou finalizada, com ou sem alteração de uso.”
Ainda no art. 6o da LLCA, preenche um vácuo existente e que gera grande controvérsia, ao definir o que constitui serviço de engenharia, cujo valor para fixação da modalidade de licitação é muito superior se comparado com a definição de serviço comum, além de exigir maior capacidade técnica e econômico financeira do licitante, utilizando o seguinte conceito:
“toda atividade técnica relacionada a obra, em que predominem serviços profissionais sobre o fornecimento de materiais, como consertos, pequenos, pequenos reparos, serviços de limpeza ou manutenção de obras, além de trabalhos técnico-científicos, a exemplo de projetos, laudos, pareceres, cuja execução exija atuação ou acompanhamento de profissional sujeito à fiscalização do sistema CONFEA/CREA.”
A Lei Municipal em exame regulamenta, também, as aquisições através do sistema de registro de preços previsto no art. 15 da LLCA.
Ao lado de dispositivos que se harmonizam com o Estatuto Federal, o texto apresenta algumas inovações que, se considerada toda a LLCA como sendo de “normas gerais”, estariam maculados pela inconstitucionalidade.
No entanto, pelo entendimento esposado se encaixam no sistema jurídico.
O art. 13 da Lei Paulistana estabelece que o prazo de vigência da ata de registro de preços é de um ano, prorrogável por igual período, enquanto a Lei nº 8.666/93, em seu art. 15, § 3o, III, dispõe que a validade do registro de preços (expressado pela respectiva ata) não será superior a um ano, inviabilizando, portanto, a previsão de prorrogação.
O parágrafo único do art. 13, em exame, estabelece que “a expiração do prazo de vigência da ata de registro de preços não implica a extinção dos contratos dela decorrentes, ainda em execução.”
Alguns doutrinadores posicionaram-se contra esse dispositivo, sob a alegação de que uma vez expirado o prazo de validade da ata de registro de preços (que na verdade em um contrato em sentido amplo), os ajustes dele decorrentes estariam também encerrados.
Entendemos, modestamente, de forma divergente. A ata de registro de preços, muito embora com valor obrigacional, depende, para gerar a obrigação entre as partes, de um instrumento de contrato de fornecimento, ou, de outro documento hábil que o substitua (na forma do caput do art. 62, da LLCA).
Portanto, a lavratura do contrato na vigência da ata de registro de preços gera a obrigação do cumprimento de seu objeto independentemente da vigência da referida ata, pois são dois instrumentos distintos, embora convergentes.
Não vislumbramos nenhuma ilegalidade na lavratura de um contrato de fornecimento no último dia de vigência da ata de registro de preços, cuja obrigação e prazo de fornecimento venham a ser cumpridos posteriormente na forma estabelecida no respectivo edital.
A legislação paulistana ousa ainda mais, ao dispor sobre os veículos de publicidade e aos prazos de recebimento das propostas ou da realização do evento, disciplinados pelo art. 21 da LLCA.
O art. 21, através dos incisos I, II e III, da LLCA, determina, a nível municipal, a publicação dos avisos contendo os resumos dos editais de concorrência, de tomada de preços, de concurso e de leilão, no Diário Oficial da União (quando se tratar de obras financiadas parcial ou totalmente com recursos federais ou garantidas por instituições federais), no Diário Oficial do Estado, em jornal diário de grande circulação no Estado e também, se houver em jornal de circulação local ou regional.
Indiscutivelmente esse comando interfere na autonomia municipal, na medida em que determina a publicação do aviso da licitação em Diário Oficial do Estado, principalmente quando o município possui órgão oficial próprio, este entendido como órgão direto ou contratado mediante procedimento licitatório, de dispensa ou de inexigibilidade, conforme o caso.
Nessa esteira, a Lei Paulistana, face ao contido nos incisos I e II do art. 17, determina a publicidade através do Diário Oficial do Município e em jornal de grande circulação local, no caso de licitação na modalidade de concorrência, e somente através do Diário Oficial do Município, no caso de licitação na modalidade de tomada de preços e de leilão,
silenciando quanto à modalidade de concurso.
Por outro lado, o § 3o do mesmo artigo, determina a disponibilização dos atos convocatórios, sem distinção de modalidade, através da internet e mediante consulta nos órgãos promotores do certame.
A publicidade da convocação através de meios eletrônicos democratiza e torna atual o procedimento, na medida em que os usuários da rede mundial de computadores são muito superiores à dos leitores dos diários oficiais.
Outra inovação trazida pela regra paulistana de licitações, se relaciona ao prazo de divulgação até o recebimento das propostas ou da realização do evento.
Em contraponto à Lei Federal de Licitações e Contratos Administrativos, reduz os prazos sem levar em consideração o tipo de licitação utilizado, ou seja, estabelece para concorrência e concurso o prazo de 30 dias entre a primeira convocação e a data do recebimento da proposta e de 15 dias para a modalidade de tomada de preços.
Com relação à modalidade de convite a alteração é mais acentuada, pois estabelece como prazo entre a entrega do instrumento convocatório e a realização do evento 3 dias úteis.
Por outro lado, a lei prevê a convocação de pelo menos 3 potenciais interessados, cadastrados ou não, ensejando o entendimento de que a concretização do certame independe da presença efetiva de pelo menos 3 propostas válidas (circunstância já reconhecida pelos Tribunais de Contas).
Muito embora não se manifeste de forma expressa, o convite deverá ser estendido aos demais interessados desde que cadastrados, face ao disposto no § 2o do art. 17, que independentemente da modalidade de licitação determina a disponibilização dos atos convocatórios, independentemente da modalidade, através de comunicados afixados nas unidades administrativas e pela rede mundial de computadores.
A Lei Paulistana inova, ainda, com relação à republicação do aviso da licitação quando da ocorrência de modificações no instrumento convocatório.
A exemplo do § 4o do art. 21 da LLCA, o art. 18 do Estatuto Paulistano, exige a divulgação do novo aviso pela mesma forma dada ao texto original, com a devolução do prazo original.
No entanto, quando, face ao entendimento da Comissão de Licitação, a alteração não afetar de forma substancial o texto original, o prazo de divulgação poderá ser reaberto pela metade, ou ainda, quando não implicar em alterações, ou reformulações da proposta ou o cumprimento de novas exigências, dispensa a reabertura do prazo.
A previsão albergada pela Lei Paulistana se nos mostra, neste aspecto, contrária ao interesse público na medida em que afronta o princípio da impessoalidade, por proporcionar à Comissão de Licitação a faculdade de decidir o que efetivamente afeta de forma substancial a formulação da proposta, ensejando uma decisão calcada em dados extremamente subjetivos.
Por outro lado, os instrumentos convocatórios em sua essência são despidos de exigências ou condições de somenos importância.
Outra questão importante abordada pela Lei “in comento” se refere ao fracionamento da licitação, ou seja, a utilização de modalidades de menor valor em detrimento da licitação economicamente correta, com a utilização de meios de publicidade de menor potencial convocatório, prejudicando a escolha da proposta mais vantajosa para a Administração e com ofensa aos princípios de impessoalidade, moralidade e publicidade.
Para disciplinar a questão o art. 21 está assim grafado:
“Art. 21. É vedada a utilização de modalidade de limite inferior para parcelas de um mesmo fornecimento, serviço ou obra, que possam ser enquadradas em modalidade de limite superior, configurando fracionamento.”
Por outro lado, incorre em equívoco grave o disposto no parágrafo único do artigo em foco, ao estabelecer que:
“Parágrafo único. Para efeito da aplicação do “caput” deste artigo, caracterizar-se-á fracionamento, no âmbito de uma mesma unidade de orçamentária, a realização de licitações ou contratações de parcelas do mesmo fornecimento, serviço ou obra, cujo somatório, no prazo de 30 (trinta) dias contados da formalização do ajuste, exigisse modalidade de limite superior ao daqueles utilizados.”
O fracionamento da licitação, no caso de várias unidades orçamentárias, deve ser tomado em relação a cada uma delas de forma independente, no entanto, o equívoco reside no lapso temporal de trinta dias entre a formalização do contrato e a realização de nova licitação ou do ato autorizativo da dispensa de licitação.
O que deve ser tomado como parâmetro é a Lei Orçamentária Anual – LOA, que vige de 1o de janeiro a 31 de dezembro de cada ano e representa a autorização legislativa para a realização da receita e da despesa.
Portanto, o lapso temporal que deve ser considerado é o da vigência do orçamento anual e não o aleatório de trinta dias.
Outro ponto polêmico agasalhado pela Lei Paulistana, se refere ao lapso temporal do contrato administrativo e a modalidade de licitação eleita originariamente.
Viceja grande discrepância jurisprudencial e doutrinária quanto à modalidade de licitação a ser eleita em função do valor originário da licitação e o eventual cômputo dos valores agregados em razão das prorrogações legalmente permitidas.
O inciso II do art. 57 da LLCA, permite que os contratos que tenham como objeto os serviços de natureza contínua, sejam prorrogados por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a Administração, limitada a sessenta meses.
A discrepância jurisprudencial e doutrinária volta seu foco no sentido de fixar como valor para a eleição da modalidade o momento da licitação (também da dispensa ou inexigibilidade), ou seja valor mensal vezes o número de meses, independentemente das eventuais prorrogações ou o valor inicial deve levar em consideração também o período de eventual prorrogação?
O art. 22 da Lei em exame define de forma inequívoca a questão: a modalidade de licitação será eleita em função do valor originário do ajuste, não sendo computadas as prorrogações de contrato legalmente permitidas.
A questão é polêmica e gera grande divergência.
A corrente doutrinária que agasalha a tese de que a eleição da modalidade se esvai no momento da licitação é, no nosso ponto de vista, a correta, como ensina o administrativista Ivan Barbosa Rigolin, em sua obra “Comentando as Licitações Públicas” – Série Grandes Nomes, Temas & Idéias Editora, RJ, 2001, pág. 35, ao afirmar:
“é juridicamente regular e possível que no curso da execução do contrato, sobretudo no caso das prorrogações e extensões autorizadas em lei, o valor final pago ultrapasse o limite de valor estabelecido na lei, e nas tabelas periodicamente editadas pelo Governo para atualizá-los.”
Prossegue o mestre:
“O valor estimado para a contratação apenas serviu para a escolha da modalidade. Uma vez licitado o objeto, a contratação originária não pode ultrapassar o limite da modalidade, é lógico e o razoável que se depreende da leitura do art. 23, da lei de licitações, e não terá sido para outro efeito que a lei instituiu as modalidades, separando-as por limites máximos de valor, os quais funcionam, naturalmente, apenas no momento da contratação originária.”
Prosseguindo a análise da Lei Paulistana, exemplo de outros Estados e Municípios, foi instituído o pregão como modalidade de licitação, tendo como parâmetro a legislação federal e regulamentação mediante decreto.
Outra novidade em relação à legislação federal, é possibilidade de parcelamento da restituição da garantia contratual, em valores perc
entualmente compatíveis com a parcela do contrato já efetivamente executada. Essa previsão, além de não interferir na garantia de execução do objeto, pois a parcela ainda não executada está garantida, tende a reduzir o custo do objeto, na medida em que imobiliza menos capital da contratada.
Benedicto de Tolosa Filho é advogado especialista em direito público, consultor, professor e autor de diversas obras jurídicas.