Por: José Goldemberg e Sílvia Helena N. Nascimento
Existe uma percepção generalizada de que a Lei n 8.666/93, que fixa as normas gerais para as licitações e contratos firmados com recursos públicos, impõe, obrigatoriamente, o menor custo para a administração sem que se leve em conta qualquer outro requisito. A aplicação cega dessa lei pode e tem levado os órgãos públicos a comprar produtos de baixa qualidade, contratar serviços ou realizar obras que contribuem muitas vezes para a criação de problemas ambientais.
Esse comportamento reflete uma leitura apressada do que determina a Constituição. Ao tratar dos princípios gerais que regem a atividade econômica, ela estabelece, entre outros, a defesa do meio ambiente – além da redução das desigualdades regionais e sociais. Esse princípio foi detalhado na lei que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente.
A proteção ao meio ambiente decorre não apenas de ações repressivas por parte do poder público, mas especialmente, e de forma muito eficaz, de ações de caráter preventivo, como o licenciamento, os incentivos fiscais e de crédito e as próprias contratações.
Cabe à administração pública indicar o objeto a ser contratado, definindo-o de forma clara e objetiva, com as características necessárias ao atendimento do interesse público, nele incluído, de forma obrigatória, segundo a Constituição, o respeito ao meio ambiente.
Em outras palavras, as contratações da administração pública, sejam decorrentes de licitação ou efetivadas de forma direta, mediante dispensa de licitação ou de sua inexigibilidade, devem ser voltadas ao consumo sustentável, isto é, um consumo que não seja predatório aos recursos naturais e ao meio ambiente.
É vedada, pela lei, a previsão de condições que comprometam ou restrinjam o caráter competitivo da licitação ou, ainda, que estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou do domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato. Por conseqüência, ainda que eventualmente restritiva, se pertinente, relevante e motivada, a própria lei admite que se façam distinções, tanto que, para obras e serviços, contempla a obrigatoriedade de se levar em conta o impacto ambiental e faculta o emprego de mão-de-obra, materiais, tecnologia e matérias-primas existentes no local. É a lei fixando restrições consideradas pertinentes e relevantes sob os aspectos ambiental e social.
Um estudo recente, divulgado pela Secretaria da Casa Civil do Estado de São Paulo, aponta o valor médio anual de gastos da administração direta, da ordem de R$ 2,4 bilhões em materiais e de R$ 2,3 bilhões em serviços.
Se levarmos em conta as despesas efetivadas pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, chegamos a um valor astronômico de recursos públicos gastos em contratações de bens, serviços e obras. Isso sem computar os gastos da administração indireta.
Apesar da influência do poder público sobre o mercado e dos reclamos sociais, sua atuação como consumidor atento ao consumo sustentável é ainda bastante tímida e merece ser incrementada o mais rapidamente possível a fim de que sejam cumpridos os princípios constitucionais e as normas legais vigentes.
Os exemplos de ações que podem ser adotadas pelo estado para promover esse consumo sustentável são muitos. Cerca de 40 mil itens são objeto de compras pela administração, desde detergentes até automóveis. Nada mais natural, portanto, que exigir que os detergentes sejam biodegradáveis ou que os automóveis usem um combustível renovável como o álcool. Especificar essas características nas licitações e concorrências pode até aumentar o custo imediato do produto, mas certamente refletirá em economia futura no tratamento de efluentes ou na redução da poluição ambiental que a gasolina provoca.
Outro exemplo é a exigência de inclusão de algum tipo de coleta seletiva em certos serviços de recolhimento de lixo ou limpeza, o que gera empregos e outras atividades econômicas como reciclagem e reaproveitamento de produtos.
Em conclusão, o que se pode dizer é que, em relação às compras, deve-se atentar para o fato de que a licitação do tipo menor preço não significa o menor custo para a administração, ou seja, a menor quantia em dinheiro que deverá sair dos cofres públicos. Tal interpretação levaria ao desrespeito às normas constitucionais e legais, eis que o princípio da impessoalidade significa o atendimento do interesse público, que se apresenta muito mais amplo e não se confunde com o interesse da própria administração ou dos particulares.
É chegada a hora de o poder público executar, de forma efetiva, o papel de consumidor sustentável, dando cumprimento aos comandos constitucionais e legais a que se encontra submetido. Por essas razões, o governo do Estado de São Paulo acaba de criar um grupo de trabalho envolvendo várias secretarias para identificar medidas concretas que tornem seu poder de compra um instrumento para promoção do desenvolvimento sustentável.
José Goldemberg é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo
Sílvia Helena N. Nascimento é procuradora do estado e chefe da Consultoria Jurídica da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.