RHS Licitações

ACÓRDÃO 2024/2025 – PLENÁRIO

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

1

GRUPO I – CLASSE III – Plenário TC 014.138/2025-5 Natureza: Consulta.

Órgão: Ministério da Fazenda.

Representação legal: não há.

SUMÁRIO:

CONSULTA.

SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. QUESTIONAMENTO SOBRE A POSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO (OSCIP) EM LICITAÇÃO PARA OPERACIONALIZAÇÃO DO PROGRAMA NACIONAL DE MICROCRÉDITO PRODUTIVO ORIENTADO (PNMPO).

JURISPRUDÊNCIA DO TCU PELA VEDAÇÃO GENÉRICA (ACÓRDÃO 746/2014-PLENÁRIO).

AUTORIZAÇÃO EXPRESSA NA LEI 13.636/2018 (LEI DO PNMPO).

APLICAÇÃO DA NORMA POSTERIOR E ESPECÍFICA.

CONHECIMENTO PARCIAL. RESPOSTA AFIRMATIVA À TESE JURÍDICA. NÃO CONHECIMENTO DO PEDIDO DE ORIENTAÇÃO SOBRE CLÁUSULAS EDITALÍCIAS POR EXTRAPOLAR A COMPETÊNCIA CONSULTIVA DA CORTE.

Relatório

Adoto como relatório a instrução elaborada pela Unidade de Auditoria Especializada em Contratações (peça 6), que contou com a anuência de seus dirigentes (peças 7 e 8):

“INTRODUÇÃO 1. Cuidam os autos de consulta formulada pelo Ministro da Fazenda em face de dúvida suscitada pelo Banco do Nordeste do Brasil S.A. (BNB), sociedade de economia mista vinculada ao Ministério da Fazenda, sobre a viabilidade da participação de OSCIPs em processos licitatórios, com base na Lei 13.303, de 30 de junho de 2016, e na Lei 13.636, de 20 de março de 2018.

2. Questiona-se, então, na presente consulta:

‘É juridicamente admissível, no caso específico da contratação de entidade para a operacionalização do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO) de que trata a Lei 13.636/2018, promovida por sociedade de economia mista federal regida pela Lei 13.303/2016, permitir a participação de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) em processos licitatórios? Caso afirmativa a resposta, solicita-se, ainda, que este Tribunal indique as eventuais condições ou salvaguardas que devam ser observadas na elaboração do instrumento convocatório, de modo a assegurar a observância aos princípios da isonomia, da competividade e da segurança jurídica, evitando-se riscos de ilegalidade na condução do certame.

Por outro lado, caso se entenda pela manutenção da vedação, solicita-se que este Tribunal oriente sobre as cautelas a serem adotadas pela estatal para que a escolha por um ou outro certame não gere uma restrição indevida da competição.’ EXAME DE ADMISSIBILIDADE 3. A matéria objeto da consulta é de competência desta Corte de Contas, nos termos do inciso XVII do art. 1º da Lei 8.443/1992 c/c o art. 264 do Regimento Interno do TCU (RITCU), registrando-se Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758357.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

2

ainda que há pertinência temática com a área de atuação do Ministério da Fazenda, ao qual o BNB, na qualidade de sociedade de economia mista federal, está vinculado e subordinado à supervisão e orientação, nos termos do art. 12, parágrafo único, da Lei 7.739, de 1989.

4. Conforme disposto no art. 264, § 1º, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União (RITCU), a presente consulta contém a indicação precisa do seu objeto, está formulada articuladamente e, ainda segue instruída com parecer da assistência jurídica do Ministério Consulente (peça 5).

5. A presente consulta deve ser conhecida, vez que formulada por autoridade que possui legitimidade para tanto, acerca da aplicabilidade, em tese, de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de competência deste Tribunal, de modo que se encontram satisfeitos os requisitos de admissibilidade previstos no art. 264, inciso VI, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno.

ALEGAÇÕES DO CONSULENTE 6. Segundo consta no citado ofício, a solicitação do Ministro se baseou em dúvida suscitada pelo Banco do Nordeste do Brasil S.A. (BNB), sociedade de economia mista vinculada ao Ministério da Fazenda, quanto à possibilidade jurídica de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) participarem de processos licitatórios para a operacionalização do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), à luz das Leis 13.636/2018 e 13.303/2016.

7. O consulente assevera que o artigo 3º da Lei 13.636/2018 autoriza, de forma expressa, a participação de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) no âmbito do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO). Tal previsão, segundo argumenta, contrasta com o entendimento consolidado do Tribunal de Contas da União (TCU), manifestado no Acórdão 746/2014-TCU-Plenário, de relatoria do Ministro Marcos Bemquerer, que, com base na Lei 8.666/1993, antiga lei de licitações e contratos, veda a participação dessas entidades em processos licitatórios.

8. A restrição, segundo consta do acórdão, fundamenta-se na quebra do princípio da isonomia, visto que as OSCIPs usufruem de benefícios fiscais que lhes conferem vantagens frente a outros licitantes. Ademais, a decisão considera que essas entidades já dispõem de um instrumento jurídico próprio — o Termo de Parceria — para formalizar vínculos de cooperação com a Administração Pública.

9. O consulente aponta, contudo, que o referido julgado não examinou a questão sob a ótica da Lei 13.303/2016, que disciplina as contratações realizadas por empresas estatais e estabelece um regime jurídico próprio, distinto daquele anteriormente previsto na revogada Lei 8.666/1993, posteriormente substituída pela Lei 14.133/2021.

10. Ademais, ressalta que o TCU, por meio do Acórdão 1.406/2017-TCU-Plenário, admitiu a participação de Organizações Sociais (OSs) em processos licitatórios, relativizando os efeitos das vantagens fiscais.

11. Nesse sentido, o consulente defende que a participação das OSCIPs em certames licitatórios deve ser objeto de nova interpretação, em face da evolução legislativa e da crescente aproximação entre os regimes jurídicos aplicáveis às OSCIPs e às OSs. Argumenta, ainda, que a autorização legal expressa para que essas entidades atuem no PNMPO as legitima como operadoras do programa, em condições equivalentes às de entidades com perfil empresarial.

EXAME TÉCNICO Aplicação da regra geral de vedação à participação de OSCIPs, firmada no Acórdão 746/2014-TCU-Plenário, às licitações promovidas por empresas públicas e sociedades de economia mista regidas pela Lei 13.303/2016 12. A análise da presente consulta deve tomar como ponto de partida o entendimento já consolidado por este Tribunal de Contas da União, adotado no Acórdão 746/2014-TCU-Plenário, no sentido de que é vedada a participação de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) em licitações públicas, conforme se extrai da ementa abaixo transcrita do julgado Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758357.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

3

(grifou-se):

‘REPRESENTAÇÃO. GRUPO DE TRABALHO CRIADO PARA AVALIAR A LEGALIDADE DA PARTICIPAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO – OSCIP EM CERTAMES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL.

DESVIRTUAMENTO DA FORMA DE RELACIONAMENTO COM PODER PÚBLICO PREVISTA NA LEI N. 9.790/1999. QUEBRA DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA.

IMPOSSIBILIDADE. CIÊNCIA AOS ÓRGÃOS E ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO.

1. Às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, atuando nessa condição, é vedado participar de certames da Administração Pública Federal, porquanto tal agir implica ofensa à Lei n. 9.790/1999, que dispõe ser o Termo de Parceria o meio adequado de relacionamento entre elas e o Poder Público.

2. A participação de OSCIP em torneios licitatórios da Administração Pública consubstancia quebra do princípio da isonomia, eis que tais entidades possuem benesses fiscais, a elas concedidas para atuarem mediante o estabelecimento de Termo de Parceria.’ 13. Da leitura da ementa, verifica-se que o dispositivo do acórdão indicou, de forma expressa, dois fundamentos principais para a vedação:

a) Violação ao princípio da isonomia – O TCU entendeu que a participação de OSCIPs em licitações poderia comprometer a igualdade entre os concorrentes, dado que tais entidades gozam de isenções tributárias e benefícios fiscais que poderiam conferir-lhes vantagem indevida em relação aos demais participantes. Tais vantagens incluem isenção de Imposto de Renda (art. 150, inciso VI, alínea ‘c’, da CF/88), imunidade a tributos sobre patrimônio, renda e serviços (art. 195, § 7º, da CF/88), bem como incentivos fiscais ligados a doações por parte de pessoas jurídicas (Lei 9.249/1995 e Regulamento do Imposto de Renda – RIR/99), entre outros.

b) Inadequação do instrumento jurídico para formalização do vínculo com a Administração Pública – A Lei 9.790/1999, que disciplina o regime jurídico das OSCIPs, prevê, como instrumento de parceria com o poder público, o Termo de Parceria, de natureza jurídica distinta do contrato administrativo. Trata-se de ajuste voltado à cooperação para o fomento e execução de atividades de interesse público, cuja celebração deve observar processo próprio, especialmente por meio de concurso de projetos, e não a licitação regida pela Lei de Licitações.

14. O consulente questiona se o entendimento consagrado no Acórdão 746/2014-TCU-Plenário, por ter se baseado na Lei 8.666/1993, se aplicaria também às licitações promovidas por empresas estatais, regidas pela Lei 13.303/2016, cujo regime jurídico é distinto.

15. Não obstante essa diferença normativa, observa-se que a Lei das Estatais, embora possua regras próprias, adota um modelo licitatório que, em essência, guarda semelhança com aquele previsto na Lei 14.133/2021, que sucedeu a Lei 8.666/1993. Em ambos os diplomas, a licitação tem por objetivo garantir, por meio da mais ampla competição possível entre agentes econômicos capacitados, a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, com base em critérios de eficiência, legalidade e interesse público. Não por acaso, os princípios da igualdade e da competitividade estão expressamente consagrados simultaneamente no art. 5º da Lei 14.133/2021 e no art. 31, § 1º, da Lei 13.303/2016.

16. Ademais, é essencial reconhecer que as empresas estatais se submetem a um regime jurídico híbrido, que combina elementos do direito privado com obrigações inerentes ao direito público.

Entre estas, destaca-se a exigência de realizar licitações — característica típica do espectro público —, além do provimento de empregos públicos por concurso e da sujeição à fiscalização administrativa, financeira e finalística pelos órgãos competentes.

17. Nesse contexto, a exigência de licitação — seja para suas atividades-meio, seja para atividades relacionadas ao seu objeto social, quando realizadas de forma indireta — integra o núcleo de obrigações públicas impostas às estatais.

18. Outro fator que reforça a aplicação do entendimento consolidado pelo TCU no Acórdão 746/2014-TCU-Plenário às licitações promovidas por sociedades de economia mista regidas pela Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758357.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

4

Lei 13.303/2016 é a existência de instrumento jurídico específico para o estabelecimento de vínculo entre as OSCIPs e o Poder Público. Conforme previsto na Lei 9.790/1999, essas entidades celebram Termos de Parceria, ajustes voltados à cooperação para fins públicos específicos, firmados com base em critérios de qualificação institucional e mérito da proposta, normalmente por meio de concursos de projetos (art. 23 do Decreto 3.100/1999). Trata-se de um modelo colaborativo, concebido para fomentar iniciativas sociais e inovadoras, desburocratizadas e orientadas ao interesse coletivo, interesse social, dentro de um regime de colaboração e não de competição mercadológica próprio das licitações.

19. A inclusão das OSCIPs em certames licitatórios é, portanto, incompatível com sua natureza jurídica. Submetê-las à dinâmica do mercado, centrada na disputa de preços e na obtenção da proposta mais vantajosa, desvirtua os objetivos para os quais foram criadas, enfraquecendo o regime jurídico específico que estrutura o terceiro setor.

20. Ademais, a qualificação como OSCIP, o regime tributário diferenciado e o instrumento específico de parceria não se alteram conforme a entidade contratante. Seja o procedimento conduzido por uma estatal, autarquia ou órgão da Administração Direta, as características institucionais e os riscos decorrentes de sua participação em licitações permanecem inalterados.

21. Além disso, cabe reforçar que o Acórdão 746/2014-TCU-Plenário não se limitou a uma análise estritamente jurídica da Lei 8.666/1993. Ele resultou de um estudo técnico aprofundado conduzido por um grupo de trabalho coordenado pela Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas (Selog), com a participação da SecexPrevidência e da Secex-PR — esta última com larga experiência em fiscalizações envolvendo recursos públicos geridos por OSCIPs desde 2006.

22. A análise, pautada por uma visão sistêmica e pragmática da atuação das OSCIPs, identificou diversos riscos e fragilidades associados à sua participação em licitações públicas, sintetizados a seguir:

a) Inadequação do instrumento jurídico: a legislação prevê o Termo de Parceria como o único instrumento legítimo para vinculação das OSCIPs com o Poder Público, o qual deve ser precedido de concurso de projetos, e não de processo licitatório nos moldes da Lei 8.666/1993.

b) Desvio da finalidade legal: a participação das OSCIPs em licitações desvirtua o modelo normativo da Lei 9.790/1999, que foi concebido para fomentar ações colaborativas e inovadoras na área social, e não para competir em lógica de mercado.

c) Crescente mercantilização da atuação: muitas dessas entidades, que passaram a operar com viés comercial, priorizando contratações públicas em detrimento da finalidade social originalmente prevista, priorizando contratações públicas em lugar da celebração de Termos de Parceria.

d) Dificuldade na fiscalização e responsabilização das OSCIPs: há limitações normativas e operacionais que dificultam o controle efetivo sobre a aplicação dos recursos públicos por essas entidades, comprometendo a transparência e a accountability.

e) Ineficácia das penalidades administrativas: as penalidades previstas na legislação, como inidoneidade, suspensão de licitar e multas, revelam-se pouco eficazes no contexto das OSCIPs, por estas não atuarem em ambiente concorrencial nem dependerem de reputação mercadológica.

As multas, por sua vez, tendem a ser inócuas, pois recaem sobre patrimônios majoritariamente compostos por recursos públicos ou doações privadas, esvaziando o caráter sancionatório da medida.

f) Incompatibilidade com a contratação de serviços da área-meio: a atuação das OSCIPs não deve abranger atividades como limpeza, vigilância, segurança, manutenção predial ou similares, por estarem fora das finalidades sociais típicas dispostas no art. 3º da Lei 9.790/1999.

g) Incompatibilidade com fornecimento de bens em escala comercial: a produção de bens por OSCIPs, quando existente, é de pequena escala e artesanal, voltada ao fomento da atividade assistencial, e não à lógica de fornecimento mercantil previsto em processos licitatórios.

i) Risco de proliferação de entidades de fachada: há o perigo concreto de criação de OSCIPs Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758357.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

5

fictícias com o único objetivo de participar de licitações, sem capacidade técnica, experiência prévia ou compromisso com finalidades públicas.

j) Risco à ordem econômica: participação de OSCIPs com vantagens fiscais enfraquece a concorrência e desestimula a atuação de empresas do setor produtivo.

23. Portanto, compreender que, à luz da Lei 13.303/2016, é permitida a participação irrestrita de OSCIPs em licitações equivale a desconsiderar os riscos e fragilidades apontados no Acórdão 746/2014-TCU-Plenário. Os problemas associados à participação dessas entidades em certames que seguem a lógica da disputa comercial — tais como a desigualdade competitiva decorrente de benefícios fiscais, a dificuldade de responsabilização e o desvirtuamento de sua finalidade social — não se restringem à Administração direta, autárquica ou fundacional, mas se aplicam igualmente às contratações realizadas por empresas estatais. Uma leitura permissiva nesse sentido enfraqueceria os mecanismos de controle e poderia reabrir espaço para práticas já rechaçadas, como a atuação de entidades fictícias com fins meramente mercantis e o desvio de finalidade na aplicação de recursos públicos.

24. Assim, a vedação à participação de OSCIPs em licitações deve ser preservada como regra geral, abrangendo a Administração Direta, autárquica, fundacional e as empresas estatais regidas pela Lei 13.303/2016.

25. Quanto à alegação do consulente no sentido de que a jurisprudência do TCU teria evoluído para admitir a participação de Organizações Sociais (OSs) em processos licitatórios — conforme decidido no Acórdão 1.406/2017-TCU-Plenário —, e que isso deveria ensejar uma nova interpretação também quanto à participação das OSCIPs, esta se revela simplista e superficial.

26. Isto porque a conclusão pela viabilidade de contratação de OSs se baseou, entre outros fatores, na previsão inserta do art. 24, inciso XXIV, da Lei 8.666/1993, que expressamente admitia a dispensa de licitação para sua contratação. Partindo do princípio de que ‘quem pode o mais pode o menos’, entendeu-se que, se a contratação direta era possível, com maior razão seria válida a sua seleção por processo competitivo. Contudo, essa hipótese de dispensa não foi reproduzida na nova Lei 14.133/2021 tampouco na Lei 13.303/2016. Diante desse novo marco legal, a coerência interpretativa exige não a ampliação da autorização para possibilitar a participação de OSCIPs em certames licitatórios — cujas vedações seguem respaldadas por fundamentos válidos —, mas sim uma reavaliação crítica da própria possibilidade de contratação de OSs por meio de licitação, à luz da ausência de base legal específica no ordenamento atual.

27. Além disso, conforme já mencionado, a tentativa de autorizar a participação irrestrita de OSCIPs em licitações, ignora a robustez técnica do Acórdão 746/2014-TCU-Plenário, fruto de estudo aprofundado, que envolveu uma análise minuciosa da legislação, do contexto histórico de sua criação, da finalidade institucional das OSCIPs, dos riscos identificados em experiências concretas e dos princípios que regem a contratação pública. Diante desse panorama, uma autorização genérica para que OSCIPs participem livremente de licitações públicas conduzidas por empresas estatais, violaria os fundamentos teleológicos, normativos e práticos que motivaram a restrição imposta pelo TCU.

Possibilidade excepcional de participação de OSCIPs nas licitações para a operacionalização do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO) promovida por sociedade de economia mista federal regida pela Lei 13.303/2016, em razão da autorização legislativa expressa contida no art. 3º, inciso X, da Lei 13.636/2018 28. Embora, como demonstrado no tópico anterior, a regra geral deva continuar sendo a vedação à participação de OSCIPs em licitações públicas — conforme entendimento consolidado no Acórdão 746/2014-TCU-Plenário —, no caso específico do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), instituído pela Lei 13.636/2018, verifica-se uma autorização normativa específica que justifica o afastamento dessa vedação. O referido diploma legal reconhece expressamente, em seu art. 3º, a possibilidade de atuação de OSCIPs como entidades operadoras do programa, conforme transcrição a seguir:

‘Art. 3º São entidades autorizadas a operar ou participar do PNMPO, respeitadas as operações Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758357.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

6

a elas permitidas, nos termos da legislação e da regulamentação em vigor:

I – Caixa Econômica Federal; II – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; III – bancos comerciais; IV – bancos múltiplos com carteira comercial; V – bancos de desenvolvimento; VI – cooperativas centrais de crédito; VII – cooperativas singulares de crédito; VIII – agências de fomento; IX – sociedades de crédito ao microempreendedor e à empresa de pequeno porte; X – organizações da sociedade civil de interesse público; XI – agentes de crédito; XII – instituições financeiras que realizem, nos termos da regulamentação do Conselho Monetário Nacional, operações exclusivamente por meio de sítio eletrônico ou de aplicativo; XIII – pessoas jurídicas especializadas no apoio, no fomento ou na orientação às atividades produtivas mencionadas no art. 1º desta Lei; XIV – correspondentes no País; XV – Empresas Simples de Crédito (ESCs), de que trata a Lei Complementar nº 167, de 24 de abril de 2019.’ 29. Além disso, os §§ 5º e 6º do mesmo artigo definem os serviços que tais entidades poderão prestar:

‘§ 5º As entidades a que se referem os incisos V a XV do caput deste artigo poderão prestar os seguintes serviços, sob responsabilidade das demais entidades referidas no caput deste artigo:

I – a recepção e o encaminhamento de propostas de abertura de contas de depósitos à vista e de conta de poupança, de microsseguros e de serviços de adquirência; II – a recepção e o encaminhamento de propostas de emissão de instrumento de pagamento para movimentação de moeda eletrônica aportada em conta de pagamento do tipo pré-paga; III – a elaboração e a análise de propostas de crédito e o preenchimento de ficha cadastral e de instrumentos de crédito, com a conferência da exatidão das informações prestadas pelo proponente, à vista de documentação competente; IV – a cobrança não judicial; V – a realização de visitas de acompanhamento, de orientação e de qualificação, e a elaboração de laudos e relatórios; e VI – a digitalização e a guarda de documentos, na qualidade de fiel depositário.

§ 6º Todas as instituições listadas no caput deste artigo poderão, ainda, prestar os seguintes serviços com vistas à ampliação do alcance do PNMPO:

I – a promoção e divulgação do PNMPO em áreas habitadas e frequentadas por população de baixa renda; II – a busca ativa de público-alvo para adesão ao PNMPO; III – outros serviços e produtos desenvolvidos e precificados para o desenvolvimento da atividade produtiva dos microempreendedores, conforme o art. 1º desta Lei.’ 30. A aplicação da regra geral estabelecida no Acórdão 746/2014-TCU-Plenário, no contexto Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758357.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

7

específico do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), instituído pela Lei 13.636/2018, acabaria por gerar um impasse relevante à gestão pública.

31. Conforme já mencionado, o referido acórdão fundamentou-se, entre outros aspectos, na possível violação aos princípios da isonomia e da competitividade, considerando que as OSCIPs, por gozarem de benefícios fiscais, poderiam participar das licitações em condições mais vantajosas que os demais concorrentes.

32. No entanto, a Lei 13.636/2018, ao autorizar expressamente, em seu art. 3º, inciso X, a atuação das OSCIPs como operadoras do PNMPO, impõe um dilema interpretativo: seguir de forma literal a orientação do TCU e excluir essas entidades do certame significaria contrariar norma legal que as reconhece como agentes legítimos do programa; por outro lado, restringir a seleção apenas às OSCIPs, por meio de concurso de projetos, implicaria afastar, sem respaldo legal, outras entidades igualmente autorizadas a atuar no âmbito do PNMPO. Ambas as soluções resultariam em afronta aos mesmos princípios de isonomia e competitividade que o Acórdão 746/2014-TCU-Plenário visa proteger.

33. Diante desse cenário, impõe-se uma interpretação sistemática e teleológica, que busque harmonizar os dispositivos legais e jurisprudência com os princípios constitucionais da administração pública. A solução que melhor atende aos princípios da isonomia e da competitividade, e que também respeita o princípio da proporcionalidade — segundo o qual as medidas adotadas pelo poder público devem ser adequadas, necessárias e proporcionais ao fim almejado —, é justamente admitir, neste contexto específico, a participação das OSCIPs em processos licitatórios ao lado das demais entidades elencadas na Lei 13.636/2018.

34. Importante frisar que essa autorização possui caráter excepcional e restringe-se aos serviços expressamente previstos nos §§ 5º e 6º do art. 3º da Lei 13.636/2018. Por sua delimitação normativa, ela não gera os mesmos riscos apontados no Acórdão 746/2014-TCU-Plenário. Com efeito:

A possibilidade de mercantilização da atuação das OSCIPs é menor, dado que sua atuação estará limitada a um objeto específico e regulado.

A incompatibilidade com a contratação de serviços da área-meio não se aplica, pois os serviços prestados integram a execução indireta da atividade-fim do programa.

O risco à ordem econômica é reduzido, já que se trata de um mercado socialmente orientado e restrito, sem efeitos significativos sobre a livre concorrência em setores amplos da economia.

35. Assim, conclui-se que, excepcionalmente e exclusivamente no que se refere às licitações voltadas à operacionalização dos serviços definidos nos §§ 5º e 6º do art. 3º da Lei 13.636/2018, promovidas por empresas estatais regidas pela Lei 13.303/2016, admite-se a participação de OSCIPs, sem afronta ao entendimento consolidado no Acórdão 746/2014-TCU-Plenário. Trata-se de hipótese específica e devidamente amparada por autorização legal expressa, que visa dar efetividade ao Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado.

36. Desse modo, excluir as OSCIPs de tais certames afrontaria norma legal que as reconhece como agentes legítimos do programa, enquanto restringir a seleção apenas a elas, por meio de concurso de projetos, excluiria indevidamente outras entidades autorizadas, violando os princípios da legalidade, impessoalidade, isonomia e competitividade.

Avaliação da viabilidade de adoção do credenciamento 37. Para assegurar isonomia nas licitações do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), a sociedade de economia mista contratante deve avaliar, em estudo técnico preliminar, a viabilidade de realização de chamamento público para credenciamento de entidades elencadas no art. 3º da Lei 13.636/2018.

38. O credenciamento, previsto nos artigos 6º, inciso XLIII, e 79 da Lei 14.133/2021, aplica-se quando, na fase de planejamento, verifica-se que é vantajoso permitir a habilitação simultânea de múltiplos interessados, em razão da inviabilidade ou da ineficácia de selecionar apenas um Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758357.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

8

fornecedor.

39. Nesse modelo, todos os interessados que preencherem os requisitos estabelecidos no edital são devidamente credenciados. No contexto do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), é possível, ao menos em termos conceituais, que o credenciamento dê origem às seguintes modalidades de contratação:

Contratações paralelas e simultâneas: quando for viável e vantajoso para a Administração Pública celebrar contratos, em condições padronizadas, com todas as entidades previstas no artigo 3º da Lei 13.636/2018 que se credenciarem; Contratações com seleção por terceiro: quando a escolha da entidade executora for delegada ao próprio beneficiário do microcrédito, que optará, entre os credenciados, por aquele que melhor atenda às suas necessidades.

40. Vale destacar que o caput do artigo 3º da Lei 13.636/2018 emprega a expressão ‘entidades autorizadas’ a operar ou participar do PNMPO, o que indica que o legislador não teve a intenção de estabelecer uma lógica de exclusão entre as entidades. Ao contrário, a redação sugere a possibilidade de participação conjunta de todas as entidades que se enquadrem nos termos do referido artigo e que atendam às exigências fixadas no edital.

41. Adicionalmente, a adoção do credenciamento mitiga um dos problemas apontados no Acórdão 746/2014-TCU-Plenário, relacionado à participação de OSCIPs em licitações: a quebra da isonomia decorrente das vantagens fiscais de que essas entidades usufruem. Como o credenciamento não estabelece competição nem uma relação de exclusão entre os credenciados, tais benefícios fiscais deixam de representar um fator de desequilíbrio.

42. Esse modelo também se coaduna com os serviços previstos no artigo 3º, § 6º, da Lei 13.636/2018, tais como:

Promover e divulgar o programa em áreas frequentadas pela população de baixa renda (inciso I); Realizar busca ativa do público-alvo para adesão ao programa (inciso II).

43. Ao ampliar a rede de entidades operadoras, o credenciamento aumenta a capilaridade do microcrédito e estende o alcance do programa a regiões tradicionalmente desassistidas, contribuindo para os objetivos sociais dessa política pública. Além disso, a diversificação dos recursos disponíveis no PNMPO entre diversos operadores credenciados mitiga os riscos de centralizar em apenas uma entidade (a vencedora da licitação) toda a operacionalização de uma política de crédito tão importante para o cumprimento da missão institucional do BNB.

44. Embora a Lei 13.303/2016 não mencione expressamente o credenciamento como uma das formas de contratação, sua adoção pelas sociedades de economia mista encontra amparo jurídico no caput do artigo 30, que dispõe que a inexigibilidade de licitação se configura nos casos de inviabilidade de competição. Essa condição se verifica precisamente no credenciamento, em que a inviabilidade decorre da ausência de interesse da Administração Pública em limitar a contratação a um único fornecedor. Pelo contrário, todos os interessados que atenderem previamente aos requisitos estabelecidos serão credenciados e estarão aptos a contratar, o que afasta a competição e legitima a adoção desse procedimento.

45. Além disso, a jurisprudência do TCU já reconheceu a possibilidade de utilização do credenciamento pelas sociedades de economia mista, mediante aplicação analógica dos arts. 6º, inciso XLIII, e 79 da Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), conforme julgados abaixo transcritos:

Acórdão 533/2022-Tcu-Plenário, Rel. Ministro Antonio Anastasia:

Enunciado ‘Embora não previsto na Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais), admite-se a utilização do credenciamento pelas sociedades de economia mista, mediante aplicação analógica dos arts. 6º, inciso XLIII, e 79 da Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), uma Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758357.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

9

vez que tais entidades, sujeitas ao mercado concorrencial, exigem instrumentos mais flexíveis e eficientes de contratação.’

Acórdão 1008/2025-Tcu-Plenário, Rel. Ministro Benjamin Zymler:

‘9.5. dar ciência à ABGF [empresa estatal] de que a aplicação direta da Lei 14.133/2021 em suas contratações viola o art. 1º, § 1º, da Lei 14.133/2021, sendo recomendável a disciplina do uso do credenciamento em regulamento próprio, com fulcro no art. 40, inciso IV, da Lei 13.303/2016, caso a empresa estatal queira se valer do procedimento em contratações futuras;’ 46. Em face de todo o exposto, é necessário que o gestor responsável, ao elaborar o Estudo Técnico Preliminar (ETP), avalie a possibilidade de adoção do credenciamento para a operacionalização do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), preferencialmente com a inclusão prévia do instituto no regulamento de licitações e contratos da entidade. Essa avaliação deve levar em conta tanto as vantagens jurídicas e estratégicas do modelo quanto sua contribuição efetiva para a expansão, capilaridade e alcance dos objetivos sociais dessa política pública.

Salvaguardas para assegurar isonomia, competitividade e segurança jurídica nas licitações voltadas à operacionalização do PNMPO 47. Diante da confirmação da possibilidade de participação das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) nos processos licitatórios voltados à contratação da entidade executora do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), previsto na Lei 13.636/2018, o consulente requer que este Tribunal indique quais condições ou salvaguardas específicas deveriam ser incluídas no instrumento convocatório para assegurar o cumprimento dos princípios da isonomia, da competitividade e da segurança jurídica, mitigando riscos de ilegalidades na condução do certame.

48. Nesse sentido, esta Unidade Técnica elenca as seguintes cautelas mínimas que podem ser adotadas, sem prejuízo de outras exigências técnicas que o gestor responsável, à luz das especificidades do objeto licitado, entenda necessárias para garantir a regularidade e a efetividade da contratação:

Salvaguardas de habilitação e controle institucional para OSCIPs 49. Considerando os riscos apontados pelo Tribunal de Contas da União no Acórdão 746/2014- TCU-Plenário — especialmente aqueles relacionados à regularidade jurídica e à manutenção da qualificação como OSCIP — recomenda-se que o edital de licitação e o contrato administrativo contenham, de forma expressa, as seguintes cláusulas:

Exigência de que, na fase de habilitação, a OSCIP participante apresente cópia de seus atos constitutivos, com o objetivo de demonstrar que os seus objetivos sociais incluem, de forma clara, as atividades previstas no edital (prestação de serviços voltados à contratação e ao acompanhamento de operações de microcrédito produtivo orientado).

Exigência de manutenção da titulação de OSCIP ao longo de toda a vigência do contrato, vinculada à regular prestação dos serviços sociais para os quais a entidade foi constituída.

Exigência de apresentação, pela OSCIP, de certidão de regularidade do Ministério da Justiça, conforme previsto na Portaria – SNJ 6/2012, expedida pelo Secretário Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e que altera a Portaria – SNJ 24/2007 e regulamenta a Prestação de Contas das Entidades de Utilidade Pública Federal, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e Organizações Estrangeiras.

Exigência de que a OSCIP apresente, como condição de habilitação, as certidões negativas mencionadas no art. 4º, inciso VII, alínea ‘b’, da Lei 9.790/1999, em consonância com o disposto no art. 195, § 3º, da Constituição Federal, e conforme entendimento firmado pelo TCU no Acórdão 1.777/2005-TCU-Plenário, de relatoria do Ministro Marcos Vinicios Vilaça.

Salvaguardas sobre garantias e penalidades em relação a OSCIP 50. Considerando os riscos identificados pelo Tribunal de Contas da União no Acórdão 746/2014- Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758357.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

10

TCU-Plenário, relacionados à fragilidade dos mecanismos de controle, à dificuldade de responsabilização efetiva e à ineficácia de penalidades aplicadas às OSCIPs, recomenda-se ainda que o edital de licitação e o contrato administrativo contenham, de forma expressa, as seguintes cláusulas:

Previsão de que, quando exigida a prestação de garantia contratual, esta somente será aceita se for demonstrado pela OSCIP que os recursos utilizados são de origem exclusivamente privada, sem qualquer vínculo com recursos descentralizados pela Administração Pública.

Previsão de que eventuais multas por inadimplemento contratual incidirão diretamente sobre o capital social da OSCIP, vedando expressamente sua quitação com recursos públicos. Essa cláusula visa garantir a efetividade da sanção, assegurando que o ônus recaia sobre recursos próprios da entidade.

Previsão da possibilidade de responsabilização patrimonial subsidiária dos dirigentes da OSCIP nos casos de dolo, fraude ou má gestão, nos termos da legislação aplicável. Também deve ser admitida, quando cabível, a desconsideração da personalidade jurídica da entidade, como medida excepcional de proteção ao erário.

Conclusão

51. Diante do exposto, conclui-se ser juridicamente admissível, no caso específico da contratação de entidade para a operacionalização do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), promovida por sociedade de economia mista federal regida pela Lei 13.303/2016, permitir a participação de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) em processos licitatórios.

52. Essa possibilidade decorre de autorização legal expressa contida no art. 3º, inciso X, da Lei 13.636/2018, que reconhece as OSCIPs como agentes legítimos para atuar no âmbito do PNMPO.

Trata-se de hipótese excepcional, que não contraria a regra geral fixada no Acórdão 746/2014- TCU-Plenário, segundo a qual as OSCIPs não devem participar de licitações.

53. A exclusão das OSCIPs nessas contratações afrontaria a norma que as autoriza expressamente a participar do programa, ao passo que restringir a seleção apenas a elas, por meio de concurso de projetos, afastaria, sem respaldo legal, outras entidades igualmente habilitadas pela Lei 13.636/2018, violando os princípios da legalidade, impessoalidade, isonomia e competitividade.

54. Entre essas medidas, destaca-se a necessidade de incluir, no estudo técnico preliminar, uma análise sobre a viabilidade de utilizar o credenciamento, observado o disposto nos Acórdãos 533/2022-TCU-Plenário e 1008/2025-TCU-Plenário, como forma de selecionar as entidades aptas a atuar no âmbito do PNMPO, ampliando, assim, a abrangência do programa e assegurando maior isonomia entre os participantes.

55. Por fim, no contexto das licitações vinculadas ao Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), a fim de garantir a regularidade nas contratações e minimizar riscos de ilegalidades, é recomendável incorporar, no instrumento convocatório, um conjunto mínimo de salvaguardas.

56. Nesse sentido, recomenda-se estabelecer critérios específicos de habilitação e mecanismos de controle institucional voltados às OSCIPs, com o objetivo de verificar a regularidade jurídica dessas organizações, sua qualificação legal como OSCIP e a conformidade de seus estatutos com os objetivos do programa.

57. Por fim, recomenda-se adotar garantias e penalidades adequadas, considerando que sanções tradicionais, como multas ou declarações de inidoneidade, podem não surtir efeito diante da natureza jurídica e da estrutura patrimonial das OSCIPs, frequentemente composta por recursos públicos ou doações privadas.

PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO 58. Ante o exposto, submetem-se os autos à consideração superior, propondo:

Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758357.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

11

58.1. conhecer da presente consulta, vez que se encontram satisfeitos os requisitos de admissibilidade previstos no art. 264, caput, inciso VI e § 1º, do Regimento Interno do TCU; 58.2. nos termos do art. 1º, inciso XVII, da Lei 8.443/1992, responder ao consulente que:

a) a vedação à participação de OSCIPs em licitações, estabelecida no Acórdão 746/2014-TCU- Plenário, deve ser entendida como regra geral e aplica-se à administração direta, autárquica, fundacional, regidas pela Lei 14.133/2021, bem como às empresas estatais, regidas pela Lei 13.303/2016; b) excepcionalmente e exclusivamente no caso específico dos serviços definidos no art. 3º, §§ 5º e 6º, da Lei 13.636/2018, considera-se admissível a participação das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) em processos licitatórios para a contratação de entidade para a operacionalização do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), em razão da autorização expressa contida no art. 3º, inciso X, da Lei 13.636/2018; c) considera-se necessária, no contexto do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO, a avaliação da viabilidade de adoção do credenciamento, no estudo técnico preliminar, observado o disposto nos Acórdãos 533/2022-TCU-Plenário e 1008/2025-TCU-Plenário, de modo a permitir a seleção de todas as entidades autorizadas pelo art. 3º da Lei 13.636/2018 que preencham os requisitos estabelecidos no edital, de modo a ampliar o alcance do programa, fortalecer a isonomia entre os concorrentes e contribuir para a capilaridade da política pública; d) recomenda-se, ainda, com intuito de assegurar a regularidade da contratação e mitigar riscos de ilegalidade, a adoção das seguintes salvaguardas mínimas no instrumento convocatório destinado à contratação de entidade para a operacionalização do PNMPO:

d.1) no tocante à habilitação e ao controle institucional das OSCIPs, em razão dos riscos apontados no Acórdão 746/2014-TCU-Plenário, por meio da inclusão, no edital e no contrato, de cláusulas com as seguintes exigências:

d.1.1) apresentação, na fase de habilitação, de cópia dos atos constitutivos pela OSCIP, demonstrando que seus objetivos sociais abrangem as atividades previstas no edital (serviços voltados à contratação e ao acompanhamento de operações de microcrédito produtivo orientado); d.1.2) manutenção da qualificação como OSCIP durante toda a vigência contratual, vinculada à regular prestação dos serviços sociais para os quais foi constituída; d.1.3) apresentação, pela OSCIP, de certidão de regularidade do Ministério da Justiça, conforme previsto na Portaria – SNJ 6/2012, expedida pelo Secretário Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e que altera a Portaria – SNJ 24/2007 e regulamenta a Prestação de Contas das Entidades de Utilidade Pública Federal, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e Organizações Estrangeiras; e d.1.4) apresentação, pela OSCIP, como condição de habilitação, das certidões negativas previstas no art. 4º, inciso VII, alínea ‘b’, da Lei 9.790/1999, em consonância com o art. 195, § 3º, da Constituição Federal e com o entendimento constante no Acórdão 1.777/2005-TCU-Plenário; d.2) no tocante a garantias e penalidades específicas, com o objetivo de assegurar a efetividade das sanções contratuais e prevenir a ocorrência de responsabilização ineficaz apontada no Acórdão 746/2014-TCU-Plenário, considerando a natureza jurídica das OSCIPs, por meio da inclusão, no edital e no contrato, de cláusulas com as seguintes exigências:

d.2.1) indicação de que, quando exigida, a garantia contratual somente será aceita se for demonstrado que os recursos são oriundos de fontes privadas, desvinculadas da Administração Pública; d.2.2) previsão de que eventuais multas por inadimplemento incidirão diretamente sobre o capital social da OSCIP, vedada sua quitação com recursos públicos; e d.2.3) previsão da possibilidade de responsabilização patrimonial subsidiária dos dirigentes da OSCIP em caso de dolo, fraude ou má gestão, bem como a possibilidade de desconsideração da Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758357.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

12

personalidade jurídica da entidade, nos termos da legislação aplicável, como medida excepcional de proteção ao erário; 58.3. arquivar o presente processo, nos termos do art. 169, inciso V, do RITCU.” É o relatório.

Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758357.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

1

Voto

Aprecio consulta formulada pelo ministro de Estado da Fazenda, motivada por dúvida apresentada pelo Banco do Nordeste do Brasil S.A. (BNB), sociedade de economia mista vinculada àquela pasta, mediante a qual se questiona se Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) podem participar de licitações regidas pela Lei 13.303/2016 destinadas à operacionalização do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), instituído pela Lei 13.636/2018.

2.

Em síntese, o consulente apresentou os seguintes questionamentos:

2.1.

É juridicamente admissível a participação de OSCIP em licitação promovida por sociedade de economia mista federal, regida pela Lei 13.303/2016, para contratar entidade responsável pela operacionalização do PNMPO? 2.2.

Sendo afirmativa a resposta, quais condições ou salvaguardas devem constar no instrumento convocatório para assegurar isonomia, competitividade e segurança jurídica e prevenir riscos de ilegalidade na condução do certame? 2.3.

Caso prevaleça a vedação, quais cautelas devem ser observadas pela estatal para que a adoção de um ou outro procedimento não implique restrição indevida da competição? 3.

A Unidade de Auditoria Especializada em Contratações (AudContratações) propõe conhecer da consulta e responder ao consulente que:

3.1.

a vedação à participação de OSCIP em licitações, estabelecida no Acórdão 746/2014-TCU- Plenário, deve ser entendida como regra geral e aplica-se à administração direta, autárquica, fundacional, regidas pela Lei 14.133/2021, bem como às empresas estatais, regidas pela Lei 13.303/2016; 3.2.

excepcionalmente e exclusivamente no caso dos serviços definidos no art. 3º, §§ 5º e 6º, da Lei 13.636/2018, considera-se admissível a participação de OSCIP em processos licitatórios para a contratação de entidade para a operacionalização do PNMPO, devido à autorização expressa contida no art. 3º, inciso X, da mencionada norma; 3.3.

Considera-se necessária, no contexto do PNMPO, a avaliação da viabilidade de adoção do credenciamento no estudo técnico preliminar, de modo a permitir a seleção de todas as entidades autorizadas pelo art. 3º da Lei 13.636/2018 que preencham os requisitos estabelecidos no edital; dessa forma, poder-se-á ampliar o alcance do programa, fortalecer a isonomia entre os concorrentes e contribuir para a capilaridade da política pública; 3.4.

Recomenda-se, ainda, com o intuito de assegurar a regularidade da contratação e mitigar riscos de ilegalidade, a adoção de salvaguardas mínimas no instrumento convocatório, relacionadas a habilitação, controle institucional, garantias e penalidades aplicáveis às OSCIPs.

4.

Feito o resumo dos fatos, passo a examinar a matéria.

II 5.

De início, conheço parcialmente da consulta, isto é, apenas quanto ao primeiro questionamento, que trata da possibilidade de participação de OSCIPs em licitações no âmbito do PNMPO, por se tratar de dúvida sobre a aplicação de norma em tese, nos termos do art. 1º, inciso XVII, da Lei 8.443/1992 c/c o art. 264 do Regimento Interno do TCU.

6.

Deixo de conhecer da segunda indagação por entender que ultrapassa os limites da função consultiva desta Corte, conforme detalharei em tópico próprio.

Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758368.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

2

7.

Quanto ao mérito, acolho, em essência, a análise realizada pela unidade técnica sobre a admissibilidade da participação das OSCIPs no certame, incorporando seus fundamentos às minhas razões de decidir, sem prejuízo dos argumentos que passo a expor.

8.

A presente consulta examina a necessidade de compatibilizar a jurisprudência deste Tribunal com a legislação superveniente. Questiona-se, em essência, se o entendimento firmado no

Acórdão 746/2014-Tcu-Plenário – Que Veda A Participação De Oscips Em Licitações – Ainda Se Aplica

após a edição da Lei 13.636/2018. Indaga-se, de modo mais específico, se sociedades de economia mista, regidas pela Lei 13.303/2016, podem admitir a participação daquelas sociedades civis em licitação para operacionalização do PNMPO, considerando que a lei de regência do programa (Lei 13.636/2018) autorizou expressamente a essas entidades a atuar como operadoras.

9.

O TCU enfrentou inicialmente essa matéria no Acórdão 746/2014-Plenário, proferido ainda sob a vigência da Lei 8.666/1993. Naquele precedente, firmou-se o entendimento de que a participação de OSCIPs em licitações era juridicamente incompatível com o ordenamento, a partir de dois fundamentos principais:

9.1.

Incompatibilidade do instrumento jurídico: A Lei 9.790/1999, que qualifica e rege as OSCIPs, estabeleceu o Termo de Parceria como o instrumento por excelência para formalizar vínculos de cooperação com o Poder Público. Esse ajuste tem natureza colaborativa, voltado ao fomento de atividades de interesse social, distinta do contrato administrativo, que resulta de disputa competitiva e possui caráter sinalagmático. A participação em licitações, portanto, desvirtuaria a finalidade e a lógica para as quais as OSCIPs foram concebidas.

9.2.

Violação ao princípio da isonomia: As OSCIPs gozam de benefícios fiscais e imunidades tributárias que lhes são concedidos pelo Estado justamente para fomentar sua atuação social. Em processos licitatórios, sobretudo naqueles julgados pelo critério de menor preço, essas vantagens confeririam a essas entidades condição competitiva desigual em relação aos demais licitantes, que não dispõem dos mesmos benefícios, configurando, assim, quebra da igualdade entre concorrentes.

10.

Posteriormente, este Tribunal analisou assunto correlato, ao apreciar consulta formulada pelo ministro de Estado da Educação sobre a possibilidade de Organizações Sociais (OSs) participarem de licitações regidas pela Lei 8.666/1993. O consulente, na peça inicial, menciona que, ao apreciar essa questão no Acórdão 1.406/2017-Plenário, o Tribunal admitiu a participação de OSs em licitações.

11.

É necessário, contudo, realizar juízo de distinção (distinguishing), pois a situação fática e jurídica daquele caso é diversa da que ora se analisa. A decisão relativa às OSs apoiou-se na própria autorização legal para contratação direta dessas entidades. Com efeito, o art. 24, inciso XXIV, da revogada Lei 8.666/1993, permitia a contratação de organizações sociais por dispensa de licitação com vistas a executar atividades contempladas no contrato de gestão. O raciocínio desenvolvido pelo Tribunal foi o de que, se a legislação já admitia contratação sem competição, não haveria fundamento para excluir as OSs de processos licitatórios, os quais, justamente, promovem isonomia e transparência na escolha do contratado.

12.

A ratio decidendi (razão de decidir) do precedente que admitiu a participação das OSs estava, portanto, intrinsecamente vinculada à premissa fático-jurídica da existência de uma norma que autorizava sua contratação direta. Tal hipótese de dispensa, no entanto, jamais existiu para as OSCIPs e tampouco foi reproduzida na nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) ou na Lei das Estatais (Lei 13.303/2016). Inexistindo esse pressuposto normativo, torna-se inviável estender a mesma conclusão às OSCIPs, impondo-se o juízo de distinção (distinguishing) para afastar a aplicação do precedente ao caso ora examinado.

13.

Superadas as questões preliminares, passo ao exame do mérito da consulta. A Lei 13.636/2018, editada após a consolidação da jurisprudência desta Corte, alterou, de forma Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758368.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

3

relevante, o quadro normativo ao estabelecer, em seu art. 3º, inciso X, que as OSCIPs estão entre as entidades autorizadas a operar ou participar do PNMPO.

14.

O legislador, ao fazê-lo, as incluiu em rol heterogêneo, que também abrange instituições financeiras, cooperativas de crédito e outras pessoas jurídicas com, ou sem, fins lucrativos. A opção revela a intenção de estruturar um arranjo institucional plural, capaz de ampliar a capilaridade e a efetividade da política pública de microcrédito.

15.

Diante da autorização legal expressa, a aplicação irrestrita da vedação geral, firmada a partir do Acórdão 746/2014-Plenário, criaria dilema para o gestor público. Excluir as OSCIPs da licitação destinada à operacionalização do PNMPO significaria negar vigência a dispositivo legal em pleno vigor. Por outro lado, restringir o processo seletivo ao concurso de projetos – procedimento previsto no Decreto 3.100/1999 para escolha de OSCIP com vistas a celebrar Termo de Parceria – implicaria afastar, sem amparo jurídico, todas as demais entidades igualmente autorizadas por lei, limitando a competição de forma indevida.

16.

A solução para a presente consulta reside na aplicação direta da norma legal posterior e específica que rege a matéria. A Lei 13.636/2018, plenamente válida e eficaz, dirimiu a controvérsia para o caso sob exame ao não apenas autorizar a participação das OSCIPs como entidades operadoras do PNMPO, mas também ao detalhar, em seu art. 3º, § 5º, os serviços que podem ser prestados por elas – entre eles a análise de propostas de crédito, o preenchimento de ficha cadastral e de instrumentos de crédito e a cobrança não judicial.

17.

Tais atividades diferem daquelas usualmente fomentadas por Termos de Parceria, que se caracterizam pela mútua cooperação para a consecução de objetivos de interesse público. Os serviços previstos no § 5º da Lei 13.636/2018, por sua vez, possuem natureza comutativa, pois configuram uma relação jurídica em que a prestação de serviços definidos é remunerada por contraprestação pecuniária do Poder Público. Essa natureza tipicamente contratual confirma a intenção do legislador de permitir que, no âmbito do PNMPO, a relação entre Poder Público e OSCIPs seja formalizada por contrato de prestação de serviços, precedido do devido processo licitatório.

18.

Portanto, em resposta à primeira pergunta do consulente, é juridicamente admissível a participação de OSCIPs em licitações promovidas por sociedade de economia mista federal, regida pela Lei 13.303/2016, para contratar os serviços de operacionalização do PNMPO previstos nos §§ 5º e 6º do art. 3º da Lei 13.636/2018.

III 19.

O consulente, em pedido sucessivo, requereu que, caso se admitisse a participação das OSCIPs em licitação, o Tribunal indicasse as condições ou salvaguardas a serem observadas na elaboração do instrumento convocatório. A unidade técnica, ao analisar o ponto, recomendou que a estatal avaliasse a adoção do credenciamento e incluísse salvaguardas específicas no edital.

20.

Embora reconheça a qualidade da análise realizada pela AudContratações, divirjo quanto ao encaminhamento desse ponto específico e proponho o não conhecimento deste quesito da consulta pelas razões que passo a expor.

21.

O art. 264 do Regimento Interno do TCU delimita o escopo das consultas à “dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares”. O § 3º do mesmo artigo estabelece que a resposta “tem caráter normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto”. Esse entendimento normativo vem sendo reiterado pela jurisprudência desta Corte, que pacificou a orientação de que, embora a consulta possa ser motivada por situação fática, o objeto deve se ater a questão de direito formulada em tese (Acórdãos 1.258/2007, 1.716/2016 e 1.184/2020, todos do Plenário).

Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758368.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

4

22.

O pedido para que o Tribunal indique condições ou salvaguardas para elaboração de edital extrapola a interpretação de norma em tese e adentra o campo da orientação para formulação de ato administrativo concreto. A questão deixa de tratar da licitude da participação das OSCIPs em licitações – ponto principal da consulta – e passa a discutir como estruturar um edital que viabilize essa participação. Essa transposição do objeto, da tese para o caso concreto, ultrapassa os limites da função consultiva, pois não envolve dúvida abstrata de direito, mas sim solicitação de auxílio direto na formulação de ato administrativo.

23.

Admitir tal questionamento significaria transformar esta Corte em órgão de assessoria jurídica, função alheia à sua competência e cabível apenas às instâncias de consultoria da própria Administração. Mais grave ainda: criaria conflito de interesses, porquanto o TCU poderia ser chamado a fiscalizar a legalidade de edital para cuja elaboração ele próprio contribuíra.

24.

Dessa forma, em respeito aos estritos limites da função consultiva desta Corte e para preservar a isenção de sua missão fiscalizatória, deixo de conhecer do segundo questionamento formulado pelo consulente.

25.

Por fim, a título de obiter dictum, e considerando que a unidade técnica especializada avançou neste debate ao indicar a possibilidade de uso do credenciamento, julgo oportuno trazer algumas considerações sobre o tema, por entender que a imposição desse instituto como modelo único pode não representar a melhor alternativa para o atendimento ao interesse público na operacionalização do PNMPO.

26.

O credenciamento, como se sabe, é hipótese de contratação direta admitida na Lei 14.133/2021 e encontra fundamento na inexigibilidade de licitação, cuja premissa central é a inviabilidade de competição. Nessa lógica, todos os interessados que preencham requisitos previamente definidos podem ser contratados simultaneamente, de modo não excludente. Ocorre que, no caso da operacionalização do programa, essa premissa não se verifica de forma absoluta, pois a própria Lei 13.636/2018 contempla um rol heterogêneo de entidades autorizadas a atuar – que inclui instituições financeiras, cooperativas de crédito, sociedades empresárias e as próprias OSCIPs. Trata- se, portanto, de contexto em que existe viabilidade de competição entre agentes de diferentes naturezas, cada qual com capacidade distinta de operar a custos mais eficientes.

27.

A adoção indiscriminada do credenciamento, ao afastar o caráter competitivo do processo de seleção, pode comprometer a economicidade da contratação, já que não haveria disputa por melhores condições de execução. Em programas que envolvem custos administrativos sensíveis, como taxas de análise, acompanhamento e cobrança de microcrédito, a ausência de competição pode levar à fixação de remuneração em patamares mais elevados do que aqueles que poderiam ser obtidos em ambiente concorrencial.

28.

Além disso, o credenciamento, ao admitir todos os interessados que preencham requisitos mínimos, não permite selecionar os prestadores mais eficientes, experientes ou inovadores. Isso tende a gerar uma rede heterogênea de operadores, com desempenhos muito distintos, dificultando a uniformidade da política pública e aumentando a necessidade de monitoramento por parte da estatal contratante. A multiplicidade de contratos, por sua vez, eleva os custos de fiscalização e os riscos de falhas de controle, o que contraria a busca pela eficiência administrativa.

29.

Vale lembrar que a jurisprudência desta Corte tem reiteradamente assinalado que as hipóteses de contratação direta devem ser interpretadas restritivamente, de modo a não esvaziar a regra constitucional da licitação. O credenciamento não pode ser utilizado como subterfúgio para afastar a competição quando esta é juridicamente possível e materialmente desejável, sob pena de violação ao princípio da seleção da proposta mais vantajosa. A Lei 13.636/2018, ao autorizar OSCIPs a atuarem no PNMPO, não afastou a necessidade de processo competitivo, apenas ampliou o universo de entidades Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758368.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

5

aptas, reforçando a intenção de promover uma seleção plural, mas ainda assim orientada pela busca de eficiência e economicidade.

30.

Nessas condições, ainda que reconheça o mérito da análise técnica, considero que o credenciamento não se apresenta, à primeira vista, como a alternativa mais alinhada ao interesse público no caso do PNMPO, recomendando-se que a sociedade de economia mista responsável avalie formas competitivas de contratação, mais compatíveis com a natureza do programa e com os princípios que regem as contratações públicas.

Ante o exposto, VOTO no sentido de que o Tribunal acolha a minuta de acórdão que submeto à deliberação deste Colegiado.

TCU, Sala das Sessões, em 3 de setembro de 2025.

Ministro Jhonatan De Jesus

Relator

Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758368.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 014.138/2025-5

1

Acórdão Nº 2024/2025 – Tcu – Plenário

1. Processo TC 014.138/2025-5 2. Grupo I – Classe de Assunto: III – Consulta.

3. Interessados/Responsáveis: não há.

4. Órgão: Ministério da Fazenda.

5. Relator: Ministro Jhonatan de Jesus.

6. Representante do Ministério Público: não atuou.

7. Unidade Técnica: Unidade de Auditoria Especializada em Contratações (AudContratações).

8. Representação legal: não há.

9. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de consulta formulada pelo ministro de Estado da Fazenda acerca da viabilidade jurídica da participação de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) em licitações promovidas por sociedades de economia mista para operacionalização do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), ACORDAM os ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, com fundamento no art. 1º, inciso XVII e § 2º, da Lei 8.443/1992 c/c os arts. 169, inciso V, e 264 do Regimento Interno, e diante das razões expostas pelo relator, em:

9.1. conhecer parcialmente da consulta; 9.2. responder à autoridade consulente que é juridicamente admissível a participação de OSCIPs em licitações promovidas por sociedade de economia mista federal, regidas pela Lei 13.303/2016, para contratação dos serviços de operacionalização do PNMPO previstos nos §§ 5º e 6º do art. 3º da Lei 13.636/2018; 9.3. informar o Ministério da Fazenda e o Banco do Nordeste do Brasil S.A. quanto aos termos desta deliberação; 9.4. arquivar o presente processo.

10. Ata n° 35/2025 – Plenário.

11. Data da Sessão: 3/9/2025 – Ordinária.

12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-2024-35/25-P.

13. Especificação do quórum:

13.1. Ministros presentes: Vital do Rêgo (Presidente), Walton Alencar Rodrigues, Benjamin Zymler, Jorge Oliveira, Antonio Anastasia e Jhonatan de Jesus (Relator).

13.2. Ministros-Substitutos presentes: Augusto Sherman Cavalcanti, Marcos Bemquerer Costa e Weder de Oliveira.

(Assinado Eletronicamente) VITAL DO RÊGO (Assinado Eletronicamente) JHONATAN DE JESUS

Presidente

Relator

Fui presente:

(Assinado Eletronicamente) CRISTINA MACHADO DA COSTA E SILVA

Procuradora-Geral

Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade e informe o código 78758375.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

XAo utilizar este site, você concorda com o tratamento dos seus dados pessoais de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Entendemos e respeitamos a sua privacidade e estamos comprometidos em proteger as informações pessoais que você fornece. Utilizamos cookies para analisar e personalizar conteúdos e anúncios em nossa plataforma e em serviços de terceiros. Ao navegar no site, você nos autoriza a coletar e usar essas informações.