Por: Ariosto Mila Peixoto
A atual lei federal que estabelece normas para as eleições – a Lei nº 9.504/97 – prescreve que as doações e contribuições de empresas para as campanhas eleitorais não poderão ultrapassar a 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição (artigo 81 da citada legislação).
Caso uma empresa resolva ultrapassar o referido limite estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o poder público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça eleitoral.
Sob o ângulo pragmático, essa regra dificilmente encontrará aplicação, tendo em vista que as empresas que contribuem com quantias acima de 2% do faturamento bruto anual, certamente pretenderão algum benefício em troca da contribuição “eleitoral”, pela via mais lógica – das licitações e contratos com o poder público.
Nessa linha, não haveria interesse nas contribuições para campanhas se, supostamente, essas empresas ficassem impedidas de participar de licitações; em contrapartida se essas “contribuidoras de campanhas” ficassem proibidas de contratar com a administração pública, deixariam de fazê-lo de forma oficial, para contribuir com as campanhas através do público e notório “caixa dois”, tão divulgado nas CPIs do Congresso Nacional e, porque não dizer, admitido pelo presidente da República como procedimento “normal”.
Seria mesmo muita inocência acreditar que uma empresa que contribui com mais de 2% de seu faturamento bruto anual, não tenha algum interesse ou não pretenda recuperar seu investimento em contratos com o poder público ou, ainda, beneficiando-se de alguma forma em virtude da “força política” advinda da eleição. Os benefícios econômicos não precisam necessariamente ser obtidos através de desvios de dinheiro público,
mas da influência política e ascendência sobre cargos públicos que, de uma forma ou de outra, trazem privilégios e concessões a determinadas empresas.
Com as recentes informações, depoimentos e revelações obtidas nas CPIs do “Mensalão”, dos Bingos e dos Correios, em que ficou e ficará comprovada a gorda contribuição de empresas a campanhas eleitorais, temos uma realidade assustadora.
Primeiro: a doação de quantia acima do limite de 2% do faturamento bruto anual, sujeita a empresa ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso (artigo 81, parágrafo 2º da citada lei).
Segundo: as empresas que efetuaram doações acima do limite através de valores não contabilizados (caixa dois), além da prática do crime contra a ordem tributária, estariam sujeitas ainda, à proibição de licitar e contratar com a administração pública.
Terceiro: as empresas proibidas de participar e contratar, em razão das contribuições acima do limite, se viessem a contratar com a administração, poderiam incorrer no crime previsto no artigo 90 da Lei nº 8.666/93, que cuida da “fraude ao caráter competitivo da licitação”, cuja pena é a detenção de dois a quatro anos e multa.
Quarto: empresas proibidas de participar de licitações, mas que já estão com contratos em andamento deveriam ter seus contratos rescindidos, sem prejuízo das penas previstas.
E mais, se o agente público (responsável pela licitação ou pelo contrato) tiver conhecimento da proibição da empresa e, ainda assim, autorizar a contratação, cometerá o mesmo crime, se não responder pelo de corrupção passiva, mais grave.
Resta, portanto, alertar que a cada informação advinda das CPIs, novas capitulações criminais surgirão no horizonte jurídico, ampliando o universo de empresas identificadas e, conseqüentemente, impedidas de licitar, contratar ou manter contratos com a administração pública.
Sem falar na crise ética e moral em que vive o país e que, a exemplo do que ocorre nas absurdas declarações dos políticos e empresários envolvidos nos crimes de corrupção, tenta-se passar à opinião pública a falsa imagem de que os crimes de “caixa dois” e tráfico de influência revestem-se de certa simplicidade e singeleza, como se essa prática fosse normal, sendo punível apenas numa hipotética esfera da desonestidade. Na verdade, enfeita-se o diabo para que não pareça tão horrendo.
Os crimes devem ser tratados com o mesmo rigor e severidade que merecem. A sociedade exige uma resposta imediata e implacável. A “pizza” de antes e que agora esforçam-se os políticos para enfiar goela abaixo do brasileiro, já desce com um gosto amargo e de repulsa.
Ariosto Mila Peixoto é advogado especializado na área de licitações e contratos administrativos