Eloi de Castro Neto
Graduado em Logística, Pós-Graduado em Administração, MBA em Engenharia Logística, cursando MBA em Gestão de Contratos e Licitações na PUC-MG, Gestor Adjunto de Administração na Prefeitura de Jundiaí-SP, experiências como Diretor do Departamento de Logística e Suprimentos na Prefeitura de Jundiaí-SP e Gerência Operacional em empresas nacionais e multinacionais. [email protected]
Simone Zanotello de Oliveira
Advogada e consultora jurídica na área de contratações públicas. Doutora em Direito Administrativo pela PUC-SP. Gestora de Administração e Gestão de Pessoas na Prefeitura de Jundiaí-SP. Professora do Centro Universitário Padre Anchieta – Jundiaí-SP. Autora de diversas obras e artigos jurídicos. Integrante do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo Sancionador – IDASAN, da Academia Europeia de Alta Gestão e do Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em direito Administrativo Contemporâneo. [email protected]
Resumo: O presente artigo busca promover uma análise acerca do planejamento nas contratações públicas na fase preparatória da licitação, considerando que será nesse momento que a Administração irá efetuar a definição de suas necessidades de aquisição relativas a bens, serviços, obras e soluções de tecnologia da informação, com seus respectivos quantitativos. Esse planejamento deverá ser utilizado como base para as demais fases das licitações, trazendo informações como condições de execução, garantias, condições de recebimento, estimativas do valor da contratação, dentre outras.
Abstract: This article aims to make an analysis about planning in public procurement in the preparatory phase of the bidding, considering that it will be at this moment that the Administration will define its acquisition needs related to goods, services, works and information technology solutions, with their respective amounts. This planning should be used a basis for the other phases of the bidding, providing information such as execution conditions, guarantees, conditions of receipt, estimates of the contract value, among others.
Palavras-chave: Contratações públicas; Planejamento; Fase preparatória; Estudo Técnico Preliminar.
Sumário: INTRODUÇÃO – 1. EXIGÊNCIAS DA FASE PREPARATÓRIA. 1.1. Necessidade da contratação. 1.2. Definição do objeto. 1.3. Definição das condições de execução, pagamento, garantias e condições de recebimento. 1.4. Orçamento estimado. 1.5. Elaboração do edital. 1.6. Elaboração da minuta de contrato, quando necessária. 1.7. Regime de fornecimento de bens, de prestação de serviços ou de execução obras e serviços de engenharia. 1.8. Modalidades de licitação, critérios de julgamento e modos de disputa. 1.9. Motivação das condições do edital. 1.10. Análise de riscos. 1.11. Divulgação do orçamento da licitação. – 2. ESTUDO TÉCNICO PRELIMINAR. – 3. AUDIÊNCIA PÚBLICA E CONSULTA PÚBLICA. – CONSIDERAÇÕES FINAIS. – REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Com base no art. 18 da Lei Federal 14.133/2021, a primeira fase do processo de licitação é a preparatória, a qual obteve status legal, sendo que a legislação evidenciou nela a devida preocupação com o planejamento. As contratações públicas sempre foram objeto de críticas embasadas principalmente pela falta de planejamento. Diante disso, a nova Lei procurou trazer as premissas do planejamento para um patamar de imprescindibilidade para a fase interna do processo licitatório.
Logo, o planejamento constitui-se numa das etapas mais importantes do processo de contratação pública, pois por meio dele é possível a obtenção de contratações mais eficientes. Trata-se de uma etapa determinante para o sucesso de uma licitação. A realização prévia de estudos conduz ao conhecimento de novas modelagens/metodologias ofertadas pelo mercado e, com isso, buscar-se-á uma melhoria da qualidade do gasto e uma gestão eficiente dos recursos públicos. Não podemos nos esquecer que as contratações governamentais possuem impacto significativo na atividade econômica, em razão do volume de recursos envolvidos e, se elas forem feitas sem planejamento, isso terá resultados desastrosos. Nas lições de Marçal Justen Filho:
Um dos pilares da Lei 14.133/21 consiste em promover o planejamento, reconhecido como essencial e indispensável para a gestão eficiente dos recursos públicos e a obtenção de contratações satisfatórias e bem executadas. A Lei pressupõe que o planejamento pode neutralizar os defeitos fundamentais das contratações administrativas, que são a ineficiência e a corrupção.[2]
Como bem anotado por Alexandre Nunes de Moraes, além dos princípios clássicos, o art. 5º. alçou o planejamento à princípio, o qual deve estar alinhado ao planejamento estratégico da Administração.[3]
Além disso, essa fase preparatória deverá demonstrar total compatibilidade com o Plano de Contratação Anual – PCA, caso tenha sido adotado, o qual deverá ser elaborado em conformidade com as diretrizes do art. 12, inc. VII da Lei, por meio de regulamento, com a utilização de documentos de formalização de demandas dos órgãos e entidades do ente federativo, com o objetivo de racionalizar as contratações, visto que este plano deverá ser observado na realização das licitações e na execução dos contratos, garantindo o alinhamento com o planejamento estratégico do órgão ou entidade.
O Plano de Contratação Anual – PCA é o documento que irá consolidar todas as compras e contratações que o órgão ou entidade pretende realizar, no ano seguinte, e contempla bens, serviços, obras e soluções de tecnologia da informação.[4] O referido plano é a base para que o setor de licitações do órgão ou entidade possa analisar as demandas encaminhadas pelos setores requisitantes, com o objetivo de agregar, sempre que possível, aquelas que forem de objetos de mesma natureza, promovendo uma adequação e uma consolidação do plano, bem como para construir um calendário de licitações. Nas lições de Joel de Menezes Niebuhr:
Na essência, com o plano de contratações anuais projeta-se todas as licitações e contratações para o ano, divide-se por tipos ou categorias, verifica-se a compatibilidade com o orçamento, define-se prioridades e estabelece-se uma espécie de calendário. Faz sentido, é natural e necessário. O estranho seria não fazer coisa do tipo, ir licitando e contratando ao acaso.[5]
Destacamos que o Plano de Contratação Anual – PCA também se presta para subsidiar a elaboração das peças orçamentárias, quais sejam, a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO, a Lei Orçamentária Anual – LOA e o Plano Plurianual – PPA (conforme o caso), extensíveis também para a fase preparatória.
Há que registrar que a nova Lei não apresenta a obrigatoriedade de realização do Plano de Contratação Anual – PCA, visto que de acordo com o art. 12, inc. VII, da Lei, temos que os órgãos responsáveis pelo planejamento de cada ente federativo “poderão”, na forma de regulamento, elaborar o citado plano. No entanto, Marçal Justen Filho alerta que:
A redação legal induz à facultatividade da elaboração do PCA. Mas essa interpretação exige cautela. A utilização do vocábulo “poderão” não deve ser o critério isolado para a interpretação. A interpretação mais adequada consiste em reconhecer a existência de um dever de elaborar o PCA, cujo atendimento será vinculado às circunstâncias e características da realidade. Caberá ao regulamento dispor sobre as condições para a elaboração do PCA, inclusive determinando a sua implementação de modo progressivo e compulsório.[6]
Nesse sentido, não obstante esse plano não se constituir como uma obrigatoriedade pelos termos da Lei, não restam dúvidas de que sua adoção pelos órgãos e entidades é uma prática recomendável, com o objetivo de realizar contratações mais planejadas, eficientes e eficazes, visando ao melhor uso dos recursos públicos. A corroborar tal entendimento, Irene Nohara argumenta:
Conforme visto, o planejamento é um princípio que guia a licitação, de acordo com a disciplina da Nova Lei de Licitação. Assim, determina o inciso VII do art. 12 da Lei que, a partir de documentos de formalização de demandas, os órgãos responsáveis pelo planejamento de cada ente federativo poderão, na forma do regulamento, elaborar plano de contratação anual, com objetivo de racionalizar as contratações dos órgãos e das entidades sob sua competência, garantir o alinhamento com o seu planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentária.[7]
A fase preparatória também deverá levar em consideração todas as questões técnicas, de mercado e também de gestão que possam de alguma forma ter inferência na contratação. Logo, caberá ao gestor buscar um conhecimento amplo do objeto, para poder trazê-lo a essa etapa da licitação, preparando os documentos que a compõem.
Desse modo, verificamos que a fase preparatória é uma etapa de definições, que serão fundamentais para a condução de todo o processo licitatório, com reflexos na execução do contrato. Nesse momento, é importante que o agente público tenha conhecimento da legislação, para que todas essas definições sejam realizadas com base no ordenamento jurídico vigente, bem como para dar atendimento aos princípios que regem o procedimento licitatório, os quais estão insculpidos no art. 5º. da Lei. Todas essas definições buscam a promoção da competitividade, objetivando a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração. As definições da fase preparatória serão necessárias para a confecção do estudo técnico preliminar, do anteprojeto, do termo de referência, do projeto básico e do projeto executivo, conforme o caso, e, principalmente, para a elaboração do instrumento convocatório e seus anexos. Segundo Joel de Menezes Niebuhr:
A licitação pública inicia-se numa fase preparatória ou interna, em que a Administração Pública empreende planejamento e estudos prévios para definir o objeto da licitação pública e todas as condições para participar dela, elaborando o instrumento convocatório.[8]
Nessa fase, o agente público, no momento de estabelecer essas definições, deverá ficar atento, visto que lhe é vedado admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos que praticar, situações que comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo do processo licitatório. Também é vedado ao agente público dispor condições que estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou do domicílio dos licitantes, bem como estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra entre empresas brasileiras e estrangeiras. E, principalmente, o agente público não deverá definir nessa fase condições que sejam impertinentes ou irrelevantes para o objeto específico do contrato. Diante disso, nessa etapa, é preciso que o agente público atue com razoabilidade e proporcionalidade com relação às exigências a serem feitas, as quais deverão estar devidamente motivadas, e serem somente as essenciais para o atendimento das necessidades da Administração.
Conforme bem observado por Rafael Carvalho Rezende Oliveira:
A fase preparatória, que não era detalhada na Lei 8.666/1993, recebe mais destaque na nova Lei de Licitações, o que revela preocupação salutar com os atos preparatórios da licitação, uma vez que a descrição do objeto, a definição das regras do edital, a pesquisa de preços e outros atos iniciais impactam diretamente a eficiência da licitação e do próprio contrato. De fato, inúmeros problemas podem ser evitados com a realização adequada dos atos preparatórios da licitação.[9]
Por fim, o art. 18 possui um rol de exigências para essa fase preparatória, o qual possui caráter exemplificativo, sendo que, em certos casos, poderá haver a necessidade de outras definições, de acordo com a natureza do objeto.
- EXIGÊNCIAS DA FASE PREPARATÓRIA
- Necessidade da contratação
Na fase preparatória, o gestor necessita descrever a necessidade da contratação, a qual deverá estar fundamentada no estudo técnico preliminar, sendo que, em qualquer contratação, primeiramente, deverá haver interesse público envolvido.
Apenas para destacar, de acordo com o art. 6º., inc. XX, o estudo técnico preliminar é o “documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução e dá base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados caso se conclua pela viabilidade da contratação”.
Sabemos que promover a descrição da necessidade de contratação nem sempre é algo fácil para o agente público. Nas lições de Marçal Justen Filho:
A primeira e mais evidente dificuldade consiste no conhecimento da realidade, na sua dimensão estática. É problemático dispor das informações sobre as necessidades concretas e sobre as soluções disponíveis. Ou seja, é difícil identificar os problemas já existentes e as soluções já disponíveis, no momento da formulação do planejamento.[10]
Diante desse panorama, é fundamental que o agente público concentre todos os seus esforços no momento da descrição da necessidade da contratação, por meio de estudos, a fim de que ele tenha uma dimensão exata da realidade e possa encontrar soluções efetivas junto ao mercado para resolver seus problemas e necessidades.
- Definição do objeto
Após a descrição da necessidade, será preciso definir o objeto para atendê-la. Essa definição será realizada nos instrumentos da fase preparatória, que posteriormente constituirão anexos ao Edital. O termo de referência é o documento indicado para a contratação de bens e serviços. Já o anteprojeto (peça técnica que dá subsídios para a elaboração do projeto básico), o projeto básico e o projeto executivo, utilizados conforme o caso, deverão ser destinados para as obras e serviços de engenharia.
A definição do objeto talvez seja a fase mais delicada de um processo licitatório, visto que, em algumas ocasiões, ele poderá se revestir de grande complexidade. Para tanto, será preciso que a Administração saiba o que ela quer, por meio da análise de tudo o que mercado tem a oferecer. Logo, a consulta ao mercado será um procedimento que irá auxiliar a confecção do objeto.
De acordo com a Súmula 177 do TCU:
A definição precisa e suficiente do objeto licitado constitui regra indispensável da competição, até mesmo como pressuposto do postulado de igualdade entre os licitantes, do qual é subsidiário o princípio da publicidade, que envolve o conhecimento, pelos concorrentes potenciais das condições básicas da licitação, constituindo, na hipótese particular da licitação para compra, a quantidade demandada uma das especificações mínimas e essenciais à definição do objeto do pregão.
Em suma, Joel de Menezes Niebuhr ensina-nos que a virtude a ser adotada por ocasião da descrição do objeto é o meio-termo, sem que se admita restringi-lo nem ampliá-lo em demasia.[11] A descrição do objeto não deverá permitir falhas que possam resultar na contratação de itens de baixa qualidade ou inaptos para o atendimento do interesse público. Também não deverá permitir a definição de itens que estão além daquilo que a Administração necessita.
- Definição das condições de execução, pagamento, garantias e condições de recebimento
Na fase preparatória, será preciso que a Administração faça a definição das condições de execução do objeto, visto que estas são fundamentais para o dimensionamento do custo da licitação, bem como para nortearem a oferta dos licitantes, juntamente com outros quesitos importantes para a elaboração da proposta.
Para a definição das condições de execução, a Administração necessitará ter conhecimento do mercado com relação ao objeto que está sendo licitado, pois não adianta estabelecer exigências que posteriormente não possam ser cumpridas pelos licitantes. O estabelecimento de condições de execução que não representam a praxe de mercado poderá resultar em licitações desertas. Além disso, o art. 40 da Lei prescreve que o planejamento deverá observar condições de aquisição semelhantes às do setor privado.
Ademais, de acordo com o art. 89, § 2º, da Lei , os contratos deverão estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, as obrigações e as responsabilidades das partes, em conformidade com os termos do edital de licitação e os da proposta vencedora ou com os termos do ato que autorizou a contratação direta e os da respectiva proposta.
Desse modo, as condições de execução deverão ser apresentadas de forma clara e objetiva, a fim de que o licitante possa ofertar sua proposta considerando todas as premissas dessa execução.
As condições de pagamento também deverão ser definidas na fase preparatória. Com relação a esse tema, o art. 40 da Lei dispõe que as condições de pagamento também deverão ser semelhantes às do setor privado. Ao contrário do que havia na Lei 8.666/93, na qual se estabeleceu que o prazo de pagamento não poderia exceder a 30 (trinta) dias corridos, a nova Lei não estipulou prazo máximo de pagamento. Diante disso, a Administração deverá definir o prazo de pagamento junto ao edital/contrato e, para isso, será importante que ela verifique as etapas e o tempo de trâmite das notas fiscais junto ao órgão/entidade, desde a sua entrada até o pagamento, a fim de que se estipule um prazo de pagamento que seja plausível de cumprimento por parte da Administração. Não adianta o edital estabelecer um prazo de pagamento de 2 (dois) dias úteis, por exemplo, se o trâmite de uma nota fiscal junto ao órgão ou entidade, desde a sua entrega, até o efetivo pagamento, considerando a passagem nos diversos setores, leva no mínimo 10 (dez) dias úteis. Numa hipótese como essa, a Administração sempre estaria efetuando seus pagamentos com atraso, e isso iria contrariar o interesse público. Embora a nova Lei não tenha estabelecido o prazo máximo de pagamento, entendemos que poderá ser mantida a regra contida na Lei 8.666/93, ou seja, não superior a 30 (trinta) dias corridos, visto que já representa uma prática estabelecida e aceita pelo mercado.[12]
De acordo com o art. 121, § 3º., da Lei, nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, para assegurar o cumprimento de obrigações trabalhistas pelo contratado, a Administração, mediante disposição em edital ou em contrato, poderá, dentre outras medidas, condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas vencidas relativas ao contrato, ou, em caso de inadimplemento, efetuar diretamente o pagamento das verbas trabalhistas, que serão deduzidas do pagamento devido ao contratado.
A nova Lei também passou a tratar de um tema bastante delicado com relação aos pagamentos – a sua antecipação. De acordo com o art. 145, não será permitido pagamento antecipado, parcial ou total, relativo a parcelas contratuais vinculadas ao fornecimento de bens, à execução de obras ou à prestação de serviços. No entanto, a legislação apresenta uma exceção com relação a essa regra geral, no sentido de que a antecipação de pagamento somente poderá ser permitida se propiciar sensível economia de recursos ou se representar condição indispensável para a obtenção do bem ou para a prestação do serviço. Nesse caso, essas condições deverão estar previamente justificadas no processo licitatório e expressamente previstas no edital de licitação ou instrumento formal de contratação direta. Sem essas justificativas, não será possível a utilização do instituto do pagamento antecipado.[13]
Para a segurança da Administração, esta poderá exigir a prestação de garantia adicional como condição para o pagamento antecipado e, caso o objeto não seja executado no prazo contratual, o valor antecipado deverá ser devolvido. Nesse contexto, embora a legislação disponha sobre a facultatividade com relação a essa prestação de garantia adicional como condição para o pagamento antecipado, é nosso entendimento que essa exigência passa a representar um “poder-dever”, visto que será preciso trazer segurança à Administração em suas transações. Ela não poderá correr o risco de fazer um pagamento antecipado e não ter a contraprestação por parte do contratado, amargurando os prejuízos de uma negociação mal sucedida.
Nesse contexto, importante analisar o posicionamento do Tribunal de Contas da União sobre o tema:
A falta de exigência específica e suficiente, na forma de seguros ou garantias, para autorização de antecipações de pagamento previstas contratualmente afronta o disposto no art. 38 do Decreto 93.872/1986; nos arts. 40, inciso XIV, alínea d, e 65, inciso II, alínea c, da Lei 8.666/1993; e nos arts. 31, § 1º, inciso II, alínea d, e 81, inciso V, da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais).[14]
Os órgãos da Administração Pública devem abster-se de realizar pagamentos antecipados aos contratados, quando não houver a conjunção dos seguintes requisitos: previsão da medida no ato convocatório, existência no processo licitatório de estudo fundamentado comprovando a real necessidade e economicidade da medida, e estabelecimento de garantias específicas e suficientes que resguardem a Administração dos riscos inerentes à operação. (Outros Acórdãos do TCU no mesmo sentido: Acórdão 2.955 – Plenário; 31/1994 – Plenário; 281/2002 – Plenário; 480/2002 – 1ª. Câmara e 1.442/2003 – 1ª. Câmara.)[15]
Em complemento, importante trazer à baila as lições de Marçal Justen Filho, acerca da diferença entre pagamento antecipado e pagamento à vista:
O pagamento antecipado verifica-se quando a Administração executar a prestação que lhe cabe (pagamento) em momento anterior àquele previsto para a execução da prestação do outro contratante. Já o pagamento à vista pressupõe a simultaneidade da execução das prestações.[16]
Além dessas questões, a nova Lei também traz um tópico específico para detalhar ainda mais a questão dos pagamentos, que abrange os arts. 141 a 146.
Na sequência, caberá à Administração definir, na fase preparatória, a necessidade ou não de se efetuar exigências de garantia, tanto para a fase licitatória, quanto para a execução do contrato.
Caberá ao licitante ou ao contrato efetuar a opção por uma das seguintes modalidades de garantia previstas na legislação, quando estas forem exigidas, não sendo possível à Administração fazer essa escolha: (i) caução em dinheiro; (ii) caução em títulos da dívida pública emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil, e avaliados por seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Economia; (iii) seguro-garantia; (iv) fiança bancária emitida por banco ou instituição financeira devidamente autorizada a operar no País pelo Banco Central do Brasil.
Durante a fase de licitação, poderá ser exigida, no momento da apresentação da proposta, a comprovação do recolhimento de quantia a título de garantia de proposta, como requisito de pré-habilitação. Trata-se de garantia relativa à licitação, e não ao contrato. Essa garantia de proposta não poderá ser superior a 1% (um por cento) do valor estimado para a contratação, e será devolvida aos licitantes no prazo de 10 (dez) dias úteis, contado da assinatura do contrato ou da data em que for declarada fracassada a licitação. No caso de haver recusa do adjudicatário em assinar o contrato, ou a não apresentação dos documentos por parte do licitante, essa garantia poderá ser executada em seu valor integral. Para encerrar o tema da garantia de participação, de acordo com a Súmula 38, do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, aplicável ao caso, temos: “Em procedimento licitatório, é vedada a exigência antecipada do comprovante de recolhimento da garantia prevista no artigo 31, inciso III, da Lei Federal nº 8.666/93, o qual deve ser apresentado somente com a documentação de habilitação.”
Já na fase de execução contratual, a critério da autoridade competente, em cada caso, poderá ser exigida, mediante previsão no edital, prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e fornecimentos. Trata-se de garantia contratual típica, a ser prestada pelo contratado, com o objetivo de precaver a Administração com relação a prejuízos ou danos causados durante a execução contratual. Verificamos que se trata de faculdade da Administração exigir ou não a garantia de execução do ajuste, sendo que, para tanto, deverá analisar a situação de cada contratação a ser firmada, levando-se em conta a natureza do objeto, o prazo da contratação, o valor envolvido, os riscos identificados, dentre outros critérios que sugerem a necessidade de uma garantia.
Joel de Menezes Niebuhr orienta que a exigência de garantia contratual básica pode produzir benesses e malefícios ao interesse público e, por essa razão, deverá ser analisada caso a caso, de acordo com as suas especificidades.[17] De um lado, por meio da garantia contratual, a Administração poderá assegurar as obrigações assumidas pelo contratado, mas, por outro lado, a exigência de garantia contratual onerará as propostas a serem apresentadas pelos licitantes e poderá, em algumas circunstâncias, restringir o caráter competitivo do certame. Logo, a análise sobre a conveniência ou não de se exigir garantia contratual deverá ser realizada no caso concreto. Vejamos alguns exemplos de contratações que, em nosso entendimento, necessitam de garantia de execução contratual: contratações com valores elevados; serviços de natureza continuada, notadamente aqueles com dedicação exclusiva de mão de obra; obras e serviços de engenharia; e fornecimentos parcelados por longos períodos. Por outro giro, há outros objetos que, em nossa visão, dispensam a exigência de garantia, pela ausência de complexidade e riscos em sua execução, tais como, contratações de valores menos expressivos; serviços e fornecimentos com entregas integrais e imediatas, em que não haja comprometimentos futuros do contratado, dentre outras ocorrências de contratação mais simples.
E, para finalizar, com relação às condições de recebimento do objeto, a exemplo do que já ocorria na Lei 8.666/93, estamos a tratar dos recebimentos provisório e definitivo.
O recebimento provisório representa uma declaração formal de que os bens, os serviços ou as obras foram entregues à Administração, para uma posterior análise das suas conformidades, com base nos critérios de aceitação. Esse recebimento não serve para atestar a qualidade do objeto. Segundo Marçal Justen Filho:
O recebimento provisório consiste na simples transferência da posse do bem ou dos resultados dos serviços para a Administração. Não acarreta liberação integral do particular nem significa que a Administração reconheça que o objeto é bom ou que a prestação foi executada corretamente. Não importa quitação para o particular. A Administração deverá, a partir do recebimento provisório, examinar o objeto para verificar sua adequação às exigências da lei, do contrato e da técnica.[18]
Já o recebimento definitivo refere-se a uma declaração formal de que os bens, os serviços e as obras que foram entregues atendem aos requisitos da contratação. A partir desse recebimento, iniciam-se os procedimentos para autorização de pagamento à contratada, conforme estabelecido em edital/contrato.
É importante destacar que, caso o objeto seja entregue em desacordo com os requisitos do edital/contrato, caberá à Administração promover a sua rejeição, exigindo da contratada os devidos reparos.
As condições de recebimento do objeto do contrato, tanto provisória quanto definitivamente, estão delineadas no art. 140 da Lei, de acordo com a natureza do objeto – obra, serviço ou compra. De acordo com a Lei, os prazos e os métodos para a realização dos recebimentos provisório e definitivo serão definidos em regulamento ou no contrato.
- Orçamento estimado
A fase preparatória deverá contar com a estimativa do valor da contratação, decorrente da pesquisa de preços realizada com base em parâmetros previstos na própria legislação. O art. 23 da nova Lei apresentou regras gerais para se buscar o valor estimado da contratação, com a premissa de que este deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto. Segundo Marçal Justen Filho:
O orçamento consiste numa projeção sobre os custos diretos e indiretos do objeto da futura contratação. Essa projeção tomara em vista os itens e as quantidades estimados como necessários para a execução da prestação no modo, tempo e locais previstos. A composição exata do orçamento detalhado depende da natureza do objeto a ser executado. Não existe a possibilidade de padronização genérica, ainda que existam algumas rubricas básicas de presença necessária. Nem seria o caso de imputar vício num orçamento que adotasse modelo distinto daquele usualmente praticado. O fundamental é o conteúdo abrangente das despesas e a previsão minuciosa e detalhada dos fatores componentes da prestação e da remuneração a ser desembolsada pela Administração.[19]
No caso da aquisição de bens e da contratação de serviços em geral, a orientação legal é que, conforme regulamento a ser expedido, o valor estimado seja definido com base no melhor preço aferido por meio da utilização dos seguintes parâmetros, adotados de forma combinada ou não: (i) composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente no painel para consulta de preços ou no banco de preços em saúde disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP); (ii) contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente; (iii) utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenham a data e hora de acesso; (iv) pesquisa direta com no mínimo 3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, desde que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital; (v) pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.
Com relação à elaboração da estimativa de preços, alguns entendimentos jurisprudenciais serão importantes para a condução das ações do agente público:
A deflagração de procedimentos licitatórios exige estimativa de preços que pode ser realizada a partir de consultas a fontes variadas, como fornecedores, licitações similares, atas de registros de preço, contratações realizadas por entes privados em condições semelhantes, entre outras. No entanto, os valores obtidos por meio dessas consultas que sejam incapazes de refletir a realidade de mercado devem ser desprezados.[20]
Na elaboração de orçamentos destinados às licitações, deve a administração desconsiderar, para fins de elaboração do mapa de cotações, as informações relativas a empresas cujos preços revelem-se evidentemente fora da média de mercado, de modo a evitar distorções no custo médio apurado e, consequentemente, no valor máximo a ser aceito para cada item licitado.[21]
É recomendável que a pesquisa de preços para a elaboração do orçamento estimativo da licitação não se restrinja a cotações realizadas junto a potenciais fornecedores, adotando-se, ainda, outras fontes como parâmetro, como contratações similares realizadas por outros órgãos ou entidades públicas, mídias e sítios eletrônicos especializados, portais oficiais de referenciamento de custos.[22]
Licitação. Orçamento estimativo. Fontes de pesquisa. Na elaboração do orçamento estimativo de licitação, bem como na demonstração da vantajosidade de eventual prorrogação de contrato, devem ser utilizadas fontes diversificadas de pesquisa de preços. Devem ser priorizadas consultas ao Portal de Compras Governamentais e a contratações similares de outros entes públicos, em detrimento de pesquisas com fornecedores, publicadas em mídias especializadas ou em sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, cuja adoção deve ser tida como prática subsidiária.[23]
Com relação às contratações diretas por inexigibilidade ou dispensa de licitação, sempre houve dúvidas sobre a forma de elaboração do orçamento estimativo, pois a Lei 8.666/93 não continha indicativos para essa ação. Com a nova Lei, caso não seja possível efetuar a estimativa do objeto por meio dos parâmetros já expostos, o futuro contratado deverá comprovar previamente que os preços estão em conformidade com os praticados em contratações semelhantes de objetos de mesma natureza, por meio da apresentação de notas fiscais emitidas para outros contratantes (públicos ou privados) no período de até 1 (um) ano anterior à data da contratação pela Administração, ou por outro meio idôneo.
Por fim, o processo de contratação deverá ser instruído com as composições dos preços utilizados para a formação desse orçamento estimado.
- Elaboração do edital
O edital ou instrumento convocatório é o documento oficial que contém todas as condições para a realização de uma licitação (objeto, prazos, exigências de habilitação, critério de julgamento, forma de pagamento, etc.).
Ele deverá ser elaborado com base no estudo técnico preliminar e termo de referência/projeto básico, os quais foram produzidos pela unidade requisitante/demandante.
Segundo orientações de Joel de Menezes Niebuhr:
O instrumento convocatório rege a licitação pública, revestindo status de ato regulamentar, já que abstrato e geral e sempre abaixo da lei. Um dos princípios norteadores da licitação pública é o da vinculação ao instrumento convocatório, em virtude do qual a Administração Pública e os licitantes estão adstritos às disposições nele contidas, sem que se possa exigir mais ou menos do que está ali prescrito. (…) Cumpre afirmar que o sucesso da licitação, qualquer que seja a modalidade utilizada, depende da fase interna, da elaboração do instrumento convocatório, porque é nele que a Administração define todas as condições determinantes do processo licitatório. Tanto a Administração quanto os licitantes não podem se afastar do instrumento convocatório. Se ele for mal elaborado, se, por exemplo, nele houver exigências demasiadas, por certo a Administração colherá prejuízos com a licitação e com o contrato que a segue.[24]
Recomenda-se que o edital seja elaborado por agentes públicos do setor de compras/licitações e que seja expedido por uma autoridade competente desse setor, observando-se o princípio da segregação de funções.
- Elaboração de minuta de contrato, quando necessária
Na fase preparatória também deverá ser elaborada a minuta do instrumento de contrato, quando este for necessário, e, caso seja elaborada essa minuta, irá figurar como anexo obrigatório ao edital de licitação.
Há que se destacar que, de acordo com o art. 95, o instrumento de contrato é obrigatório, salvo em algumas hipóteses nas quais a Administração poderá substituí-lo por outro instrumento hábil, como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço. As hipóteses de substituição do contrato por outros instrumentos são: (i) dispensas de licitação em razão de valor, ou seja, em contratação que envolva valores inferiores a R$ 108.040,82 (cento e oito mil, quarenta reais e oitenta e dois centavos)[25], no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores, e em contratação que envolva valores inferiores a R$ 54.020,41 (cinquenta e quatro mil, vinte reais e quarenta e um centavos)[26], no caso de outros serviços e compras; (ii) compras com entrega imediata, ou seja, aquelas com prazo de entrega de até 30 (trinta) dias da ordem de fornecimento, e realizada de forma integral com relação aos bens adquiridos e dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive quanto a assistência técnica, independentemente de seu valor.
A minuta de contrato deverá contar com algumas cláusulas que são necessárias, as quais estão dispostas no art. 92 da Lei
- Regime de fornecimento de bens, de prestação de serviços ou de execução de obras e serviços de engenharia
No que tange aos bens, o regime poderá abranger o fornecimento de uma só vez ou parceladamente, sendo que a entrega imediata é aquela considerada com prazo de entrega de até 30 (trinta) dias da ordem de fornecimento. Além disso, nós temos a figura do fornecimento contínuo, que é aquele realizado para a manutenção da atividade administrativa, decorrentes de necessidades permanentes ou prolongadas.
Para os serviços, a legislação trata dos serviços contínuos, que são aqueles contratados pela Administração Pública, também para a manutenção da atividade administrativa, decorrentes de necessidades permanentes ou prolongadas. Nessa categoria, temos os serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, que são aqueles cujo modelo de execução contratual exige, entre outros requisitos, que: a) os empregados do contratado fiquem à disposição nas dependências do contratante para a prestação dos serviços; b) o contratado não compartilhe os recursos humanos e materiais disponíveis de uma contratação para execução simultânea de outros contratos; c) o contratado possibilite a fiscalização pelo contratante quanto à distribuição, controle e supervisão dos recursos humanos alocados aos seus contratos. Temos, ainda, os serviços não contínuos ou contratados por escopo, que são aqueles que impõem ao contratado o dever de realizar a prestação de um serviço específico em período predeterminado, podendo ser prorrogado, desde que justificadamente, pelo prazo necessário à conclusão do objeto. E, por fim, temos os serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual.
Com relação às obras e os serviços de engenharia, a nova Lei admite os seguintes regimes, conforme art. 46: (i) empreitada por preço unitário; (ii) empreitada por preço global; (iii) empreitada integral; (iv) contratação por tarefa; (v) contratação integrada; (vi) contratação semi-integrada; (vii) fornecimento e prestação de serviço associado.
Trata-se de regimes por meio dos quais a responsabilidade pelo cumprimento das prestações é assumida por terceiro, que é aquele que juridicamente irá realizar o serviço ou a obra. Sendo assim, os diversos regimes de execução previstos no art. 46 irão contemplar não apenas critérios relativos à remuneração das obrigações assumidas pelo contratado, mas também a disciplina de alocação de riscos e responsabilidades pertinentes à contratação.[27]
- Modalidades de licitação, critérios de julgamento e modos de disputa
Na fase preparatória, haverá a definição da modalidade de licitação, de acordo com a natureza do objeto, dentre aquelas elencadas no art. 28 da Lei, quais sejam, pregão, concorrência, concurso, leilão ou diálogo competitivo. Com a nova Lei, verificamos que não há mais a escolha da modalidade de licitação de acordo com critérios valorativos, mas sim levando-se em conta a natureza do objeto e a finalidade da contratação. Com isso, dependendo da demanda pretendida pela Administração, deverá haver o enquadramento de acordo com o conceito de cada modalidade.
Nas lições de Marçal Justen Filho:
As diversas “modalidades” representam, na verdade, diversas formas de regular o procedimento de seleção. As diversas espécies de procedimentos distinguem-se entre si pela variação quanto à complexidade de cada fase do procedimento e pela variação quanto à destinação de cada uma dessas fases. No entanto, qualquer que seja a espécie (“modalidade”) de licitação, sempre nela se verificam determinadas etapas.[28]
Com relação aos critérios de julgamento, estes deverão ser definidos dentre aqueles dispostos no art. 33 da Lei, que abrangem menor preço, maior desconto, melhor técnica ou conteúdo artístico, técnica e preço, maior lance (no caso de leilão) e maior retorno econômico.
Outra questão a ser definida na fase preparatória da licitação refere-se à escolha do modo de disputa e a adequação e eficiência da forma de combinação desses parâmetros. A legislação apresenta dois modos de disputa em seu art. 56: o aberto e o fechado. O modo de disputa aberto é aquele em que os licitantes apresentarão suas propostas por meio de lances públicos e sucessivos, crescentes e decrescentes. Já o modo fechado é aquele em que as propostas permanecerão em sigilo até a data e hora designadas para a sua divulgação, ou seja, os famosos “envelopes fechados”, sejam eles físicos (nas licitações presenciais) ou criptografados (nas licitações eletrônicas). Conforme observa Rodrigo Bordalo Rodrigues:
A Lei n. 8.666/93 somente admite a modalidade fechada de disputa. O modo aberto somente passou a ser admitido na modalidade pregão, disciplinada pela Lei n. 10.520/02. Posteriormente, outras leis passaram a admitir esta forma de disputa, como o Regime Diferenciado de Contratações (Lei n. 12.462/11), que facultou o uso isolado ou conjunto de mais modos. Assim, a nova lei de licitações incorpora a possibilidade geral da adoção da disputa baseada em lances públicos.[29]
Nos termos da nova Lei, esses modos de disputa podem ser utilizados isoladamente ou em conjunto. No entanto, quando forem utilizados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto, não poderá ser utilizado de forma isolada o modo de disputa fechado; logo, nesses casos, ou utiliza-se o modo aberto, ou utilizam-se os modos fechado e aberto conjuntamente. Além disso, quando o critério de julgamento for técnica e preço, o modo de disputa aberto será vedado, restando a utilização do modo fechado.[30]
- Motivação das condições do edital
Na fase preparatória, há que se desenhar as condições que serão dispostas no edital, as quais deverão ser devidamente motivadas. No entanto, esse dispositivo necessita ser analisado com muita cautela, conforme lições de Joel de Menezes Niebuhr:
O dispositivo supracitado deve ser interpretado com cautela, sob pena de transformar o processo de licitação pública num caderno sem fim de justificativas. Imagine-se se os requisitos de habitação devessem ser justificados, um por um; as especificidades do objeto, uma por uma; e, o que é mais absurdo, as cláusulas da minuta do contrato, uma por uma. Suponha-se um contrato com cinquenta cláusulas. A Administração já não faria outra coisa senão justificativas. Cada edital demoraria meses para ser lançado, aguardando tão só as justificativas.[31]
Nesse contexto, o ideal é que sejam justificadas somente as condições que estabeleçam alguma espécie de limite à competição ou à livre participação dos interessados.
- Análise de riscos
A análise de riscos, que já era matéria presente na Lei das Estatais, na Lei das Parcerias Público-Privadas e na Lei do Regime Diferenciado de Contratações, passou a integrar a nova Lei de Licitações. Logo, há exigência acerca da análise de riscos tanto no momento do processo licitatório, quanto durante a execução do contrato.
Com relação às etapas da licitação, a nova Lei não ofereceu muitos subsídios acerca de como deverá se desenvolver essa análise de riscos, cabendo ao agente público avaliar, na fase preparatória, todas as hipóteses de ocorrências que possam surgir durante o transcorrer de um processo licitatório, desde a expedição do edital até a fase de assinatura do contrato.[32]
No que tange à execução do contrato, a legislação contemplou uma série de passagens dispondo orientações sobre a alocação de riscos. Desse modo, na análise dos riscos dessa etapa, o gestor deverá considerar essas disposições.
O art. 22 da nova Lei prescreve que o edital poderá contemplar matriz de alocação de riscos entre o contratante e o contratado. Desse modo, a princípio, verificamos que a matriz de alocação de riscos será uma faculdade na maioria das contratações realizadas pela Administração. Somente quando a contratação referir-se a obras e serviços de grande vulto, ou seja, valores superiores a R$ 216.081,64 (duzentos e dezesseis milhões, oitenta e um reais e sessenta e quatro centavos)[33], ou forem adotados os regimes de contratação integrada e semi-integrada, é que o edital obrigatoriamente deverá contemplar matriz de alocação de riscos entre o contratante e o contratado.
Caso haja a matriz de risco, nela o cálculo do valor estimado da contratação poderá considerar taxa de risco compatível com o objeto da licitação e com os riscos atribuídos ao contratado, de acordo com metodologia predefinida pelo órgão ou entidade.
A matriz de riscos, conforme art. 6º, inc. XXVII, da legislação, é uma cláusula contratual definidora de riscos e de responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação. Desse modo, essa matriz deverá promover a alocação eficiente dos riscos de cada contrato e estabelecer a responsabilidade que caiba a cada parte contratante, bem como os mecanismos que afastem a ocorrência do sinistro e mitiguem os seus efeitos, caso este ocorra durante a execução contratual.
A legislação reforça que a alocação dos riscos contratuais é importante para quantificar o valor estimado da contratação e para definir o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em relação a eventos supervenientes, devendo ser observada na solução de eventuais pleitos das partes. A Administração terá o dever de avaliar os riscos pertinentes à licitação e à execução contratual, sendo que esses fatores se refletirão nas decisões adotadas a propósito do certame e em regras contratuais específicas.[34]
Nesse contexto, sempre que atendidas as condições do contrato e da matriz de alocação de riscos, será considerado mantido o equilíbrio econômico-financeiro, não sendo cabível os pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro que tiverem correlação com os riscos assumidos, exceto quando se referirem a alterações unilaterais propostas pela própria Administração, ou no caso de aumento ou redução, por legislação superveniente, de tributos diretamente pagos pelo contratado em decorrência do contrato.
- Divulgação do orçamento da licitação
Nos termos do art. 24 da nova Lei, desde que justificado, o orçamento estimado da contratação poderá ter caráter sigiloso, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para elaboração das propostas. Logo, podemos concluir que o sigilo do orçamento não é a regra para a nova legislação, mas sim a exceção, visto que a opção pelo sigilo necessitará de justificativa. A legislação ainda alerta que caso haja a opção pelo sigilo, esse não prevalecerá para os órgãos de controle, tanto internos quanto externos.
No caso de licitações em que for adotado o critério de julgamento por maior desconto, não restam dúvidas de que o sigilo do orçamento não poderá ser aplicado, visto que o preço estimado ou o máximo aceitável deverá constar do edital, pois servirá para balizar a proposta e os lances a serem ofertados.
- ESTUDO TÉCNICO PRELIMINAR
O estudo técnico preliminar passa a integrar a nova Lei de Licitações como documento essencial da fase preparatória da licitação. É importante destacar que o estudo técnico preliminar não visa à contratação de um bem ou serviço, mas sim resolver um problema. Logo, é preciso evidenciar esse problema, para verificar a forma de sua resolução, a fim de que se avalie técnica e economicamente a viabilidade da contratação. Enfim, o objeto da futura contratação não é definido no início da confecção do estudo técnico preliminar, mas sim ao final dele, e ainda poderá sofrer alterações por ocasião da confecção do anteprojeto, do projeto básico, do projeto executivo e do termo de referência, conforme o caso.
Marçal Justen Filho alerta que o estudo técnico preliminar deverá conter a exposição quanto à necessidade a ser atendida e a indicação da solução mais adequada para isso, o que permitiria determinar a viabilidade técnica e econômica da contratação. No entanto, o autor reforça que o estudo técnico preliminar não fornece as respostas definitivas quanto à licitação e ao contrato, mas demonstra a necessidade e indica a possível solução. Diante disso, deve-se admitir que os elementos dispostos no estudo técnico preliminar possam ser retificados durante a elaboração do anteprojeto, do termo de referência, do projeto básico e do projeto executivo. Também é possível que, ao longo da elaboração desses documentos, constate-se a inviabilidade técnica e/ou econômica da solução cogitada.[35]
- AUDIÊNCIA PÚBLICA E CONSULTA PÚBLICA
Para auxiliar nas definições da fase preparatória da licitação, a Administração poderá se valer de dois instrumentos previstos no art. 21 da nova Lei: a audiência pública e a consulta pública.
A audiência pública poderá ser convocada com antecedência mínima de 8 (oito) dias úteis, pela forma presencial ou a distância, na forma eletrônica, sobre licitação que pretenda realizar, com possibilidade de manifestação de todos os interessados. Nesse caso, a Administração deverá disponibilizar informações prévias pertinentes sobre o objeto, inclusive o estudo técnico preliminar e os elementos do edital de licitação.
A Administração também poderá submeter a licitação à prévia consulta pública, mediante a disponibilização de seus elementos a todos os interessados, que poderão formular sugestões no prazo fixado.
Nas lições de Ronny Charles:
O direito de participação, na audiência ou consulta pública não se restringe aos licitantes, podendo participar dela todos os interessados, dentre os quais, qualquer pessoa, física ou jurídica, participante ou não do certame. A audiência pública poderá ser presencial ou a distância, na forma eletrônica. Com os novos recursos tecnológicos, a adoção do formato eletrônico deve ser preferencial, por permitir maior amplitude e participação. É necessária ampla divulgação de tal reunião, de forma a dar publicidade devida ao ato. Obviamente, o órgão responsável pelo procedimento poderá utilizar medidas que organizem tais reuniões, impedindo que libertinagens e abusos acabem atrapalhando a ampla participação popular. Contudo, tais restrições não podem servir como justificativa ao cerceamento da atuação coletiva e à publicidade de tais reuniões, limitando-se ao favorecimento da manutenção de sua ordem.[36]
Esses instrumentos representam formas eficientes e democráticas para trazer o mercado e a sociedade para auxiliar na confecção dos objetos e das condições de contratação, podendo com isso obter contribuições positivas para a melhoria desses processos, sempre com o objetivo de atender às finalidades de interesse público e a busca da proposta mais vantajosa para a Administração.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo que foi exposto, verificamos que o status legal obtido pela fase preparatória do processo licitatório na nova Lei de Licitações, fez com que se imprimisse uma modelagem diferenciada para as contratações públicas, evidenciando-se a devida preocupação com o planejamento.
Não restam dúvidas de que, utilizando-se de um bom planejamento, a Administração Pública terá informações suficientes para execução de licitações mais ágeis, eficientes, eficazes e assertivas, com resultados mais positivos, objetivando o atendimento das demandas necessárias para dar cumprimento às políticas públicas.
Por fim, a Lei 14.133/2021, com sua visão inovadora sobre as fases dos processos para as contratações públicas, tendo como ênfase o planejamento, ressalta características modernas, aproximando as relações entre organismos públicos e privados.
REFERÊNCIAS
HIGA, Alberto Shinji; MUKAI, Toshio; OLIVEIRA, Simone Zanotello de; et. al. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: Lei n. 14.133, de 1º. de abril de 2021. São Paulo: Rideel, 2021.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
MORAES, Alexandre Nunes de. Guia prático da nova lei de licitações e contratos – Lei 14.133, de 1º. de abril de 2021. Leme/SP: Editora Imperium, 2021.
NIEBUHR, Joel de Menezes. Fase preparatória das licitações. In: NIEBUHR, Joel de Menezes (Coord.). Nova lei de licitações e contratos administrativos. 2. ed. Curitiba: Zênite, 2021.
NOHARA, Irene Patrícia Diom. Nova lei de licitações e contratos comparada. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Nova lei de licitações e contratos administrativos: comparada e comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
O que é o PAC? Disponível em: https://www.gov.br/compras/pt-br/assuntos/plano-anual-de-contratacoes. Acessado em 07 fevereiro 2022.
RODRIGUES, Rodrigo Bordalo. Nova lei de licitações e contratos administrativos: principais mudanças. São Paulo: Expressa, 2021, posição 35% do livro eletrônico.
TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 12. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021.
[1] Publicado no Caderno da Escola Paulista de Contas Públicas do TCESP – Edição n. 9 – 2022, p. 39-62.
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 331.
[3] MORAES, Alexandre Nunes de. Guia prático da nova lei de licitações e contratos – Lei 14.133, de 1º. de abril de 2021. Leme/SP: Editora Imperium, 2021, p. 14.
[4] O que é o PAC? Disponível em: https://www.gov.br/compras/pt-br/assuntos/plano-anual-de-contratacoes. Acessado em 07 fevereiro 2022.
[5] NIEBUHR, Joel de Menezes. Fase preparatória das licitações. In: NIEBUHR, Joel de Menezes (Coord.). Nova lei de licitações e contratos administrativos. 2. ed. Curitiba: Zênite, 2021, p. 83.
[6] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 273-274.
[7] NOHARA, Irene Patrícia Diom. Nova lei de licitações e contratos comparada. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 127.
[8] NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. Curitiba: Zênite, 2008, p. 157.
[9] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Nova lei de licitações e contratos administrativos: comparada e comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 116.
[10] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 332.
[11] NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. Curitiba: Zênite, 2008, p. 162.
[12] HIGA, Alberto Shinji; MUKAI, Toshio; OLIVEIRA, Simone Zanotello de; et. al. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: Lei n. 14.133, de 1º. de abril de 2021. São Paulo: Rideel, 2021, p. 105-106.
[13] HIGA, Alberto Shinji; MUKAI, Toshio; OLIVEIRA, Simone Zanotello de; et. al. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: Lei n. 14.133, de 1º. de abril de 2021. São Paulo: Rideel, 2021, p. 106.
[14] TCU. Acórdão 3.233/2020, Plenário, Auditoria, Rel. Min.-Subst. Augusto Sherman.
[15] TCU. Acórdão 1.341/2010, Plenário, Rel. Min. Marcos Bemquerer.
[16] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1534.
[17] NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. Curitiba: Zênite, 2008, p. 421.
[18] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 950.
[19] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 380.
[20] TCU. Acórdão 868/2013, Plenário, Rel. Min.-Subst. Marcos Bemquerer Costa.
[21] TCU. Acórdão 2.943/2013, Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler.
[22] TCU. Acórdão 2.816/2014, Plenário, Rel. Min. José Múcio Monteiro.
[23] TCU. Acórdão 1445/2015, Plenário, Representação, Rel. Min. Vital do Rêgo.
[24] NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. Curitiba: Zênite, 2008, p. 157.
[25] Valores atualizados conforme Decreto Federal 10.922, de 30 de dezembro de 2021.
[26] Valores atualizados conforme Decreto Federal 10.922, de 30 de dezembro de 2021.
[27] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 583.
[28] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 292.
[29] RODRIGUES, Rodrigo Bordalo. Nova lei de licitações e contratos administrativos: principais mudanças. São Paulo: Expressa, 2021, posição 35% do livro eletrônico.
[30] HIGA, Alberto Shinji; MUKAI, Toshio; OLIVEIRA, Simone Zanotello de; et. al. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: Lei n. 14.133, de 1º. de abril de 2021. São Paulo: Rideel, 2021, p. 117.
[31] NIEBUHR, Joel de Menezes. Fase preparatória das licitações. In: NIEBUHR, Joel de Menezes (Coord.). Nova lei de licitações e contratos administrativos. 2. ed. Curitiba: Zênite, 2021, p. 92.
[32] HIGA, Alberto Shinji; MUKAI, Toshio; OLIVEIRA, Simone Zanotello de; et. al. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: Lei n. 14.133, de 1º. de abril de 2021. São Paulo: Rideel, 2021, p. 122.
[33] Valores atualizados conforme Decreto Federal 10.922, de 30 de dezembro de 2021.
[34] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 354.
[35] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 354.
[36] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 12. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021, p. 154