Consulta: Tenho um concorrente que apresenta outras empresas em seu nome e se beneficia do tratamento jurídico diferenciado previsto na lei complementar 123. Como saber se o faturamento das outras empresas somados não ultrapassam o valor previsto de EPP, pois segundo o art. 3º,§ 4º, parágrafo 3 e 4 da lei complementar 123, mesmo sendo EPP ou ME, se ultrapassar o valor do caput não poderá se beneficiar do tratamento diferenciado. Como questionar essa minha duvida em um pregão presencial?
A respeito do tema da pergunta, envio abaixo o artigo da minha autoria, publicado na Revista Prefeitos & Gestões.
SIMULAÇÃO DE PEQUENA EMPRESA E FRAUDE À LICITAÇÃO
O elevado plano do interesse público abrange a isonomia e o caráter competitivo nas licitações, como também alcança a implementação de políticas públicas às microempresas e empresas de pequeno porte.
O rigor preceituado ao caráter competitivo da licitação deriva do princípio constitucional da isonomia, pelo qual todos são igualmente sujeitos à Lei, na medida das suas desigualdades. Portanto, todos têm o direito de participar em licitações na conformidade da legislação aplicável. Logo, as vantagens indevidas a um ou mais competidores desnaturam a própria competição.
Nesse contexto, a Lei Complementar n° 123/2006, nos seus artigos 42 a 49, favorece as microempresas e empresas de pequeno porte no acesso ao mercado de aquisições governamentais, usualmente por meio de (a) desempate em favor das mesmas, diante de empate ficto de preços (5% em pregão; 10% em outras modalidades); (b) licitações exclusivas até R$ 80 mil; (c) contratação daquelas sediadas local ou regionalmente, até o limite de 10% do melhor preço válido; etc.
Para os fins da Lei Complementar n° 123/2006 (Art. 3°) microempresa é aquela com faturamento bruto anual até R$ 360 mil; enquanto a empresa de pequeno porte é aquela com faturamento bruto anual até R$ 3,.6 Milhões; ou R$ 4,.8 Milhões a partir de 2018. Quando esses limites são superados torna-se ilegal o tratamento favorecido nas licitações.
Em consequência, a simulação de enquadramento na licitação como microempresa ou empresa de pequeno porte usurpa o lugar daquelas que, de fato, o são.
Preventivamente, o portal de compras do BANCO DO BRASIL orienta os gestores públicos para que verifiquem, no Portal da Transparência, se o somatório de ordens bancárias, recebidas pelas empresas no último exercício, excede os limites de enquadramento para efeito de benefícios em licitações.
Essa precaução atende ao Acórdão TCU 1.793/2011 – Plenário, cujas disposições também alertam os gestores dos respectivos órgãos a autuarem processos administrativos contra as empresas que praticarem atos ilegais previstos no art. 7º da Lei nº 10.520/2002. Além disso, comunica que a não autuação sem justificativa dos referidos processos poderá ensejar a aplicação de sanções, conforme previsão do art. 82 da Lei nº 8.666/1993, bem como representação por parte do Tribunal de Contas da União. Este artigo dispõe que “os agentes administrativos que praticarem atos em desacordo com os preceitos desta Lei ou visando a frustrar os objetivos da licitação sujeitam-se às sanções previstas nesta Lei e nos regulamentos próprios, sem prejuízo das responsabilidades civil e criminal que seu ato ensejar.”
Dessa forma, participar em processos licitatórios, simulando o enquadramento na condição de microempresa ou empresa de pequeno porte, para obter vantagens indevidas, constitui invariavelmente fraude ao caráter competitivo da licitação, passível de sanções administrativas e penais.
No ramo do direito administrativo é prevista a declaração de inidoneidade, com impedimento de participar em licitações e firmar contratos com a Administração pública federal, estadual, distrital e municipal pelo prazo de até cinco anos (Lei n° 10.520/2002, Art. 7º).
Além disso, o Tribunal de Contas de União, no Acórdão 2978/2013 – Plenário, ao julgar representação por fraude, decidiu que a participação simultânea de empresas coligadas em licitação afronta a legislação quando evidenciado que a empresa de maior porte – não enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte – busca usufruir indiretamente dos benefícios da Lei Complementar 123/06 por meio da sociedade de pequeno porte.
Tanto na sanção administrativa, quanto na penal, não é necessário que o autor obtenha a vantagem material, ou que haja prejuízo ao erário, porque se trata de crime formal, consumado no ato de declarar-se indevidamente microempresa ou empresa de pequeno porte, visando classificação privilegiada em licitação.
Por fim, cabe salientar que “frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, é passível de pena de detenção de dois a quatro anos e multa” (Lei n° 8.666/93, Art. 90), ainda que inexista vantagem material ao autor ou prejuízo ao erário, conforme jurisprudência consagrada do Superior Tribunal de Justiça – STJ.
Escrito por Roberto Baungartner – (Advogado especializado em Licitações e Consultor da RHS Licitações).