Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o surto do novo coronavírus (2019-nCoV) como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), constituindo, portanto, uma pandemia.
Através da Portaria do Ministério da Saúde nº 188, de 3 de fevereiro de 2020, foi declarada Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN). Em decorrência, foi editada a Lei nº 13.979, em 13 de fevereiro de 2020, com medidas de combate à pandemia.
Posteriormente, seguindo instruções da OMS, o Ministério editou a Portaria nº 356, de 11 de março de 2020, regulamentando a aplicação da Lei nº 13.979/20 no que tange as medidas de distanciamento social e isolamento como meio para a diminuição da propagação do vírus.
Neste panorama, com a instrução clara de que todos os serviços não essenciais deveriam suspender suas atividades até autorização em contrário, foi editada a Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020, alterando as disposições da Lei nº 13.979/20 acerca dos efeitos dos contratos de trabalho durante o período de pandemia.
Tal MP passou a afetar de forma direta a mão de obra terceirizada dentro da Administração Pública, de modo que as empresas contratadas não mais poderiam executar o objeto do contrato devido à necessidade de isolamento social de seus empregados. Soma-se a isso o fato de que, como os próprios servidores da Administração não mais estariam realizando trabalhos presenciais, os objetos dos contratos de terceirização se tornaram desnecessários, dado que não mais haveria motivos para a realização da limpeza dos locais de trabalho, por exemplo.
Em regra, a Administração apresenta os seguintes contratos de prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra: limpeza e conservação; vigilância patrimonial; brigadista civil; recepcionista; apoio administrativo; motorista; copeiragem; e garçom. Cada qual apresenta sua singularidade, essencialidade e forma de execução contratual.
Caberia ao ente contratante, frente ao cenário da covid-19, manter o pagamento integral do contrato, mesmo sem que haja a respectiva prestação de serviços ou que ainda de forma parcial? Entendo que as respostas não serão simétricas e convergentes, uma vez que a análise deve ser realizada a partir da perspectiva jurídica, econômica e/ou social.
Pelo aspecto jurídico, em não havendo a contraprestação pelo contratado, em princípio, estaria a administração pública impedida de realizar o pagamento.
Ocorre que, uma análise sob a perspectiva econômica deve considerar o papel do Estado como fomentador do desenvolvimento econômico do país. Assim, há que se ter um olhar para os impactos das medidas a serem adotadas e para o desemprego decorrente. Por outro lado, tais medidas podem esbarrar na longevidade da pandemia e na diminuição da arrecadação de receitas, que poderia impactar na continuidade da manutenção dos contratos de serviços terceirizados e os respectivos pagamentos às empresas contratadas.
A respeito do argumento social, impacto decorrente das medidas econômicas e jurídicas adotadas, a proteção ao trabalhador com a manutenção do salário alcança a dignidade da pessoa humana, vez que ao perder o emprego a possibilidade de alocação em nova frente de trabalho pode estar seriamente comprometida.
Entende-se que a manutenção do pagamento integral do contrato, mesmo sem que haja a respectiva prestação de serviços ou que ainda de forma parcial, encontraria respaldo jurídico no art. 20 do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em que a decisão administrativa não se balizará apenas pelas normas jurídicas, mas também pelas consequências práticas da decisão, devendo avaliar os custos administrativos envolvidos nas hipóteses de suspensão e rescisão contratual, assim como da realização de nova contratação.
Existem situações que fogem a qualquer regulamentação prévia pelo órgão central e por isso cabe à própria autoridade superior decidir, a partir do caso concreto. Contudo, é importante registrar que não há solução padronizada, tanto quanto solução inalterável, vez que a amplitude da pandemia, a duração do estado de calamidade pública e a disponibilidade orçamentária impactam na decisão final, inclusive a solução a ser adotada pode sofrer alterações/modificações ao longo de todo o processo.
Importantes e oportunas recomendações, objetivando a manutenção dos contratos e a preservação dos empregos, foram feitas pela Secretaria de Gestão do Ministério da Economia (https://www.comprasgovernamentais.gov.br/index.php/noticias/1264-recomendcoes-covid-19-terceirizados).
Como bem dito por Gabriel Schulman “a matéria envolve discussões tormentosas. Entre os caminhos possíveis, é interessante analisar a exceção da ruína, pouco lembrada no direito brasileiro. Trata-se de promover o ajuste do contrato de longa duração para manter o equilíbrio, sem que haja um fato superveniente singular, afinal, os negócios podem se deteriorar por uma soma de fatores, ao invés de um evento terrível exclusivo”.
De toda forma, devemos reavaliar o princípio da função social dos contratos sob a ótica do Direito Administrativo, com fito em garantir a continuação dos contratos terceirizados para evitar maiores agravamentos à economia.
*Christianne Stroppa, presidente da Comissão de Terceirização do Intituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA)