Os índices econômicos indicados na Lei 8.666/93, notadamente no artigo 31, §§ 1º e 5º, destinam-se exclusivamente à seleção dos licitantes com capacidade econômico-financeira suficiente a assegurar a execução integral do contrato. O objetivo, portanto, é prevenir a Administração Pública para que empresas aventureiras e sem quaisquer responsabilidades ou respaldo financeiro, pudessem vir a participar e vencer o certame e, durante a execução da obrigação contratada, não apresentassem capacidade para concluir o objeto da obrigação.
Por conseguinte, a empresa deverá dotar-se de capacidade financeira para, além de cumprir com toda a obrigação contratual, contar com possíveis atrasos no pagamento. Nesse sentido, não é demais relembrar que os prazos de pagamento, ou melhor, os atrasos de pagamento, bem como as cláusulas contratuais (em especial a do art. 78, XV, da Lei 8.666/93) que estabelecem condições mais favoráveis à Administração (contratante) do que à empresa vencedora da licitação (contratada). Por exemplo: sem direito a reclamação, a empresa contratada deverá aguardar o prazo de pagamento, geralmente de 30 dias após a apresentação dos documentos de cobrança, bem como um possível atraso de 90 dias (art. 78, XV) – a resultar em 120 dias – para só então ter o direito de pleitear a suspensão da execução do contrato.
Portanto, a exigência dos índices tem sua importância e relevância, se avaliada sob a luz da capacidade econômico-financeira da empresa de suportar eventuais atrasos no pagamento.
A Lei 8.666/93 fixou a regra:
•“… vedada a exigência de índices e valores não usualmente adotados para a correta avaliação de situação financeira suficiente ao cumprimento das obrigações decorrentes da licitação.”
Outrossim, é vedado ao gestor público estabelecer índices acima do mínimo necessário (ou seja, excessivos)1 . Geralmente, os índices que refletem a boa situação financeira de empresas de diversos segmentos de mercado encontram-se nas revistas ou informativos especializados em matérias econômicas: Revista Conjuntura Econômica, Exame, Valor Econômico etc. Os índices usualmente adotados em editais de licitação são: Índice de Liquidez Geral (ILG), Índice de Liquidez Corrente (ILC) e Índice de Endividamento Total (IET) (substituído também pelo ISG – Índice de Solvência Geral), obtidos mediante a seguinte fórmula:
O índice de Solvência Geral (ISG) expressa o grau de garantia que a empresa dispõe em Ativos (totais), para pagamento do total de suas dívidas. Envolve além dos recursos líquidos, também os permanentes. Para os três índices colacionados (ILG, ILC, SG), o resultado “>1” é recomendável à comprovação da boa situação financeira (o que demonstraria um equilíbrio nas contas da companhia), sendo certo que, quanto maior o resultado, melhor, em tese, seria a condição da empresa. Mas há exceções, conforme segue.
A “qualificação econômico-financeira” ou a “boa situação financeira”, conforme estabelecido no artigo 31 da Lei 8.666/93, poderá ser apurada, além dos índices (§§ 1º e 5º), por outras formas de avaliação:
Sobre o índice escolhido
– a boa situação financeira deverá ser comprovada de forma objetiva, ou seja, concreta, exata;
– os índices deverão estar expressos no ato convocatório;
– o índice escolhido deverá estar justificado no processo que instruiu a licitação; e
– será vedada a utilização de índices não adotados usualmente.
Contudo, a eleição do índice deverá ser feita com razoabilidade. É cediço que os índices não refletem a mesma situação financeira quando confrontado com segmentos distintos da atividade econômica. Uma empresa que tenha feito vultoso investimento e, portanto, tenha aumentado sua capacidade e porte, terá, como consequência, a brusca redução de seus índices, nada obstante tenha aumentado seu porte.
Há situações, ainda, que merecem interpretação diferenciada. Em grandes corporações, não é raro a matriz conceder empréstimos ou repasses de valores a suas filiais ou subsidiárias sediadas em outros países. Com a esta aquisição a empresa devedora tem como resultado a queda dos índices, embora sua credora seja a própria matriz, pertencente ao organismo da companhia. Nesta circunstância, não é razoável limitar a participação da empresa que não atinja os índices, por dívidas contraídas dentro da estrutura orgânica da companhia.
Quando a exigência de índices não atende à finalidade da Lei
Mantidas as exigências de qualificação econômico-financeira restritas aos índices LG (Liquidez Geral), LC (Liquidez Corrente) e SG (Solvência Geral) iguais ou maiores a um (= ou > a 1), poderíamos ter uma absurda hipótese de participação de uma empresa pequena e sem qualquer capacidade operacional, mas com índices maiores que 1. Vejamos o exemplo: uma licitante com receita de R$ 1.000,00 e despesas na ordem de R$ 500,00 terá índices superiores a 1; a despeito da sua diminuta capacidade, será considerada qualificada sob o manto da “boa situação financeira”, se a avaliação deitar-se exclusivamente sobre a análise dos índices.
Por óbvio, a avaliação da capacidade de cumprimento das obrigações não pode restringir-se tão somente à análise de índices; a aferição da capacidade de uma empresa deve permear outros fatores que, estes sim, impactam diretamente na capacidade de adimplir suas obrigações (econômico-financeira e técnica): sua estrutura; pessoal; contratos anteriores (atestados de capacidade técnica); demonstração de resultados; capital social, patrimônio líquido; etc. Estas sim, mediante o uso do conjunto de “ferramentas” colocadas à disposição pelos artigos 30 (qualificação técnica) e 31 (qualificação econômico-financeira), seria medida eficaz para aferição da real capacidade da empresa na assunção de obrigações compatíveis com sua verdadeira estrutura e capacidade operacional.
1 “No caso examinado, observou-se que as exigências editalícias de índices maiores ou iguais a 5 (cinco) estavam muito superiores ao parâmetro normativo. Do mesmo modo, o grau de endividamento previsto no edital, menor ou igual a 0,16, estaria distante do índice usualmente adotado, que varia de 0,8 a 1,0. Além disso, em qualquer caso, ainda conforme o relator, seria obrigatório justificar, no processo licitatório, os índices contábeis e valores utilizados, o que não foi realizado. Por conseguinte, por essa e por outras irregularidades, votou pela aplicação de multa aos responsáveis, no que foi acompanhado pelo Plenário.” (Acórdão TCU n.º 2299/2011-Plenário)
(Colaborou Dr. Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações e contratos administrativos)
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