12 de Setembro de 2018
A inserção em diários oficiais de dados das licitações brasileiras e contratos de empreiteiras com o poder público não impediu o desenvolvimento do esquema de corrupção deflagrado na Operação Lava Jato. Apesar de públicas, as informações muitas vezes não são acessíveis – por estarem descentralizadas, com linguajar extremamente técnico, ou de difícil acesso pelo público em geral. É esse um dos pontos que o “Instituto Observ” pretende mudar ao criar uma plataforma online, aberta, que concentre os documentos das licitações de obras, traduza os requisitos do projeto e monitore os editais públicos. O projeto brasileiro teve sua primeira apresentação pública em Washington nesta terça-feira, 11, e conseguiu a atenção de americanos.
Até então, as apresentações eram reservadas a convidados. Em uma sala que acomodaria 30 pessoas no Brazil Institute do think tank Wilson Center, cerca de 50 curiosos acompanharam a apresentação. O projeto é tocado pelo Instituto Ethos, a empresa de tecnologia JusBrasil, a consultoria de estratégia global Albright Stonebridge Group e o escritório de advocacia Barros Pimentel, que pretendem criar até novembro o instituto como uma Organização da Sociedade Civil. A ideia é disseminar conteúdo sobre as licitações e estimular o engajamento da sociedade para melhorar as práticas atuais, combater a corrupção e buscar qualidade em licitações públicas
A ideia começou a ser gestada dentro da Odebrecht, obrigada a pagar quase R$ 7 bi a autoridades públicas em um acordo de leniência. Foto: Andre Penner / AP
A ideia começou a ser gestada dentro da Odebrecht, a gigante do setor que foi obrigada a pagar quase R$ 7 bilhões a autoridades públicas em um acordo de leniência depois do descobrimento do esquema de pagamento de propinas. O engajamento em projetos de combate à corrupção é uma das obrigações que a empreiteira se impôs como condições da leniência. Mas essa não é a única motivação da empresa. A empreiteira tem considerado que ao aderir a programas de compliance e fiscalização de suas atividades está em desvantagem competitiva no mercado em comparação com outras construtoras que não foram o foco de escândalos e, portanto, teriam mais facilidade em continuar a adotar práticas ilícitas. Por isso, a ideia é que a régua suba para todo o setor, combatendo a corrupção nas licitações.
Ao mesmo tempo, há um dilema na participação da construtora no projeto. A marca Odebrecht abre portas para contatos dentro e fora do País, mas também afugenta alguns investidores que têm receio de se envolver em projetos com a empresa.
As instituições à frente do projeto estabeleceram que a Odebrecht – e qualquer outra que atue no mercado e queira ajudar o Observ – não terá direito a voto no instituto. A ideia é garantir a independência da entidade.
A plateia em Washington foi formada por americanos ligados a instituições como Banco Mundial, entidades de combate à corrupção, jornalistas dos Estados Unidos e possíveis investidores, além de um grupo de brasileiros ligados a think-tanks na capital americana. Alguns manifestaram vontade de se engajar no projeto. Foi o caso da diretora do programa anti-corrupção da American University e ex-presidente da Transparência Internacional USA, Nancy Boswell. “O uso da tecnologia será realmente transformador”, disse, ao oferecer ajuda aos brasileiros.
O grupo terá reuniões no Banco Mundial, na Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, em empresas e fundações, entre Washington e Nova York nessa semana. Além de representantes de todas as instituições envolvidas, dois diretores da Odebrecht acompanham as reuniões. Em Washington, no entanto, não fizeram apresentações ao público.
O objetivo das conversas nos EUA é levantar dinheiro para o projeto que deve custar R$ 10 milhões ao ano e pretende ser lançado em novembro. Até agora, fundações com verba para investir em combate à corrupção e empresas de diversos setores, como seguradoras, demonstraram interesse em financiar o projeto.
Aos americanos, Caio Farah Rodrigues, sócio do Barros Pimentel e responsável pela negociação da leniência da Odebrecht, afirmou que os pilares do instituto são monitoramento, independência e transparência completa, baseado em tecnologia.
A plataforma online vai usar inteligência artificial para coletar todos os dados de licitações disponíveis, organizá-los e permitir e fazer o cruzamento em diferentes camadas – por região, por valor de projeto, por exemplo. Como é aberto, o portal será um grande banco de dados para sociedade civil e imprensa, por exemplo, checarem informações atualmente esparsas. A reunião das informações e o uso de robôs para análise também permite identificar padrões que só são visíveis com uma massa de dados disponível, como o revezamento em empresas para ganhar licitações em um mesmo município.
Além disso, uma amostra de documentos sorteada vai ser analisada para monitoramento de aspectos da licitação. O sorteio vai usar blockchain – para garantir a análise aleatória. A iniciativa começa com foco nas licitações do setor de construção, mas pode ser ampliada para outras áreas se bem sucedida.
“Você tira o controle da informação dos agentes públicos e isso muda completamente a dinâmica social de um município”, afirma Ricardo Young, presidente do conselho deliberativo do Instituto Ethos.
A ideia é, em 2019, conter os dados de 100% dos anúncios de licitação e 42% dos editais, o que o grupo estima corresponder a 80% dos valores envolvidos. “As ideias não são suficientes para a mudança, mas elas são necessárias para a mudança”, afirmou Rodrigues, ao defender o engajamento coletivo de diferentes setores da sociedade.
Fonte: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,nova-plataforma-quer-dar-transparencia-a-licitacoes,70002498095