RHS Licitações

As prorrogações nos serviços contínuos são facultativas?

II – INTRODUÇÃO

O inciso II do art. 57 da Lei n.º 8.666/93, como dissemos, comanda as prorrogações sucessivas nos contratos de serviços contínuos.

E, a própria CAIXA entendeu (aliás, se trata mesmo disso) que os mencionados serviços são contínuos, ao expressar na Cláusula Sétima – Da vigência, que “o presente contrato terá a duração de 12 (doze) meses, contados a partir do dia seguinte ao da data de sua assinatura, podendo ser prorrogado, por período igual ou inferior, até o limite permitido em lei, a critério da Caixa e concordância da CONTRATADA.”

Ao depois, o Primeiro Termo Aditivo ao Contrato mencionado, celebrado em 16 de agosto de 2002, acresceu serviços novos ao contrato, através do Parágrafo Único da Cláusula Primeira, dizendo que a estimativa da quantidade de documentos processados ao mês por Agência, bem como a relação das Agências onde deverão ser prestados os serviços e as condições básicas exigidas estão relacionadas nos Anexos I e II, que integram e complementam o contrato.

Em decorrência, o Segundo Termo Aditivo, celebrado em 7 de dezembro de 2001, acresceu ao preço mensal do contrato o valor correspondente àquele acréscimo (dentro dos 25% permitido pela Lei n.º 8.666/93 – art. 65, § 1º), passando esse valor a ser de R$ 433.481,43, quando era de R$ 346.785,15. E a Cláusula Segunda – Da vigência, desse Segundo Termo Aditivo passou a reger a questão do prazo contratual da seguinte forma: “As partes acordam prorrogar o prazo de vigência por um período de 12 (doze) meses, contados a partir de 8/12/2001, a expirar-se em 07/12/2002, podendo o mesmo ser prorrogado por iguais e sucessivos períodos, até o limite permitido na lei n.º 8.666/93”.

Portanto, o contrato reconhece o seu enquadramento no inciso II do art. 57 da Lei n.º 8.666/93.

E o serviço (“de tratamento de documentos oriundos de envelopes do Caixa Rápido e malotes de clientes, e digitação de documentos não capturados pela automação bancária, em ambiente das Agências nas dependências da Caixa”) é realmente daqueles necessários à CAIXA e cuja falta trará transtornos à perfeita execução das atividades da mesma.

O conceito de serviços contínuos nos foi ofertado pelo MARE, da seguinte forma: “serviços contínuos são aqueles serviços auxiliares, necessários à Administração para o desempenho de suas atribuições, cuja interrupção possa comprometer a continuidade de suas atividades e cuja contratação deva estender-se por mais de um exercício financeiro” (IN n.º 18/97, do MARE, de 22.12.97).

Portanto, não há dúvida que, no caso, tratam-se, efetivamente, de serviços contínuos.

No caso, a hipótese se enquadra perfeitamente no inciso II do art. 57 da Lei n.º 8.666/93, que, como sabemos, tem a seguinte dicção:

“II – À Prestação De Serviços A Serem Executados De Forma Contínua, Que Poderão Ter A Sua Duração Prorrogada Por Iguais E Sucessivos Períodos Com Vistas À Elaboração De Preços E Condições Mais Vantajosas Para A Administração, Limitada A Sessenta Meses.”

Verifica-se, dessa redação, que, à primeira vista, dir-se-ia que o vocábulo “poderão” estaria dando à Administração uma total discricionariedade quanto a
prorrogar ou não o contrato a cada período. Contudo, a finalidade de cada prorrogação está já indicada na norma: “com vista à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a Administração”.

Isto nos leva a ter que refletir sobre três temas correlatos, que têm notável influência na interpretação do texto normativo referido: o problema da discricionariedade administrativa, sua configuração e os seus limites, quanto à liberdade dada pelo legislador para a prática do ato; a questão da necessidade de motivação do ato para configuração da sua legitimidade (do ato discricionário); e a necessária obtenção da finalidade prevista na norma que prevê a discricionariedade, com sua conseqüência: a obrigatoriedade da prática do ato se presente a referida finalidade.

Consequentemente, havemos de efetuar os exames desses três temas, em sínteses apertadas, e naquilo que nos importa para a exata compreensão do que dispõe o inc. II do art. 57 da Lei n.º 8.666/93.

III – DESENVOLVIMENTOS DOUTRINÁRIOS SOBRE OS TEMAS: DISCRICIONARIEDADE, MOTIVAÇÃO E FINALIDADE DA NORMA E DEVER-PODER
a) Discricionariedade: conceito. Poder discricionário ou ato discricionário?

O tema da discricionariedade é sempre citado e estudado nos manuais de Direito Administrativo. Salvo em alguns raros casos, os autores costumam dar-lhe o seguinte conceito: ato discricionário é aquele que, para a sua prática, o legislador concede ao agente administrativo certa margem de liberdade, maior ou menor, em face de cada caso concreto, na sua atuação; diz-se também que o agente, nesse tipo de ato, o pratica com base nos seus próprios critérios de conveniência e oportunidade (mérito do ato) não sendo dado ao Juiz pretender substituir tais critérios pelos seus.

Contudo, estudos mais profundos sobre o tema nos mostram que não ocorre sempre, no ato discricionário, essa margem de liberdade, porque o legislador, em certos casos, reduz tanto a sua margem de liberdade quanto à conveniência e oportunidade que, nesses casos, a discricionariedade, que é, em última análise, um poder, se torna um dever. E assim é porque, no fundo, não há falar em ato discricionário.

Maria Sylvia Di Pietro, no seu excelente “Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988” (Ed. Atlas, 1991) estudou com profundidade o tema, sobretudo, com base nas modernas concepções sobre ele. Afirma, ao indicar a “localização da discricionariedade”, em quatro hipóteses, que “na lei tanto se encontra o fundamento da discricionariedade, como também o seu limite; por outras palavras, a lei não confere discricionariedade total à Administração. É preciso, portanto, verificar onde ela se localiza” (p. 48).

O limite maior à discricionariedade está na finalidade. Caio Tácito (Desvio de poder em matéria administrativa. Tese, 1951:24 e segs.) leciona:

“Na escolha do objeto não se limita o agente a apreciar os antecedentes do ato, ou seja, os fatores objetivos que requisitam a ação administrativa. Ele determina o seu procedimento, o alcance da competência, os fins públicos que justificam a sua interferência. Ele age em relação aos motivos para realizar os fins legais”.

Diz a autora que “todos os autores são unânimes em reconhecer que a Administração Pública está vinculada ao atendimento do interesse público. Só que, para alguns, isto é suficiente para concluir que o ato administrativo é sempre vinculado quanto aos fins; e, para outros, como a lei não estabelece critérios objetivos para identificar, no caso concreto, o que é de interesse público, restaria certa discricionariedade para o administrador público”.

Vemos também que há uma distinção e uma forma de se detectar o ato administrativo previsto pela norma, ou não, em face da interpretação.

A autora, após se referir a vários autores, conclui: “Por outras palavras, se a autoridade administrativa, pelo método da interpretação, não puder chegar a uma solução única, mas a várias soluções igualmente válidas perante o direito, devendo a escolha ser feita segundo critérios puramente administrativos (e não jurídicos), estar-se-ia no campo da discricionariedade”. Daí a frase de Stassinopoulos (Traité de Actes Administratives, 1973:151), que nos parece verdadeira: “Pode-se dizer que o domínio do poder discricionário começa onde termina o da interpretação” (p. 86)

E quanto ao poder discricionário, autores e jurisprudência entendem melhor falar em poder discricionário do que em ato discricionário, já que este emana daquele.

E, a respeito, João Roberto Santos Régnier (Discricionariedade administrativa – Malheiros, 1997, p. 35), com inteira razão, seguindo lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, assevera: “A rigor, contudo, esse poder dado como discricionário já não pode sustentar-se como tal. Nem mesmo, como até há pouco, sob o alerta de se tratar de instrumento à realização do dever. É que, dentro da melhor concepção liberal e da moderna compreensão de Estado e das suas relações com os administrados, o poder já não se sobrepõe ao dever; ao invés, a ele se subnmete” (grifamos).

Odete Medauar (Poder Discricionário da Administração – Rev. dos Tribs. – vol. 610 – agosto/86 – p. 44) diz: “o poder discricionário se submete, entre outros, aos limites relativos à boa administração” e “não pode ser exercido com irracionalidade (contradição entre motivos e conseqüência, existência das condições de fato”. E mais: “poderá exercer-se controle sobre o poder entre as conseqüências advindas do exercício do poder discricionário e o interesse público a atender, tal como é estabelecido em norma legal”.

Caio Tácito (Temas de Direito Público – 1º vol. – Renovar, 1997, “Poder Vinculado e Poder Discricionário”) leciona a respeito, com sua invulgar coerência jurídica: “É necessário, assim, precisar o conceito da discricionariedade em função da norma jurídica. Definindo-lhe o conteúdo e os limites de projeção, ter-se-á traçada a fronteira entre a legalidade e a oportunidade, entre o controle jurisdicional e a discrição administrativa” (p. 316).

Após exemplificar a hipótese ocorrente, pelo exame da norma, do ato vinculado e do ato discricionário, assevera o referido autor, que esses modelos extremos são raros. “Não há, usualmente, nenhum ato totalmente vinculado ou totalmente discricionário. Existem matizes de predominância, mais ou menos acentuados, dando relevo à parte livre ou à subordinada da manifestação administrativa” (p. 317).

E adiante: “Não se pode mais falar em ato discricionário, como um todo orgânico, mas em aspectos discricionários relacionados a determinados elementos, como os motivos ou o objeto” (p. 317).

Por fim expressa o grande mestre:

“O poder discricionário é a faculdade concedida à Administração de apreciar o valor dos motivos e determinar o objeto do ato administrativo, quando não o preestabeleça a regra de direito positivo. Ele se submete não somente a limites externos (que Victor Nunes Leal chamou, simbolicamente, de horizontais), como sejam: a competência, a forma, a existência material dos motivos; como também a limites internos (que se poderiam descrever como verticais), que dizem respeito à observância do fim legal” (p. 320).

Também Celso Antônio Bandeira de Mello observou com sua admirável percuciência: “já se tem reiteradamente observado, com inteira procedência, que não há ato discricionário, mas apenas discrição por ocasião da prática de certos atos. Isto porque nenhum ato é totalmente discricionário, dado que, conforme afirma a doutrina prevalente, será sempre vinculado com relação à prática do ato – e aí haveria inevitavelmente vinculação. Do mesmo modo, a finalidade do ato é sempre e obrigatoriamente um interesse público, donde afirmarem os doutrinadores que existe vinculação tam
bém com respeito a este aspecto” (Curso de Direito Administrativo, 12ª ed., Malheiros, 2000, pp. 368/369).

Destarte, pode se concluir que a discricionariedade administrativa é limitada pela norma jurídica, de diversos modos, em especial, quando a lei aponta para a finalidade do ato ou da ação administrativa a ser alcançada.

b) Motivação do ato discricionário

É exigência fundamental do Estado de Direito que todo ato administrativo, judicial ou legislativo venha acompanhado dos motivos de suas expedições.

No dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello, “motivo, como se sabe, é a situação de direito ou de fato que autoriza ou exige a prática do ato”. (Discricionariedade e Controle Jurisdicional – 2ª ed., Malheiros, 1993, p. 86).

Os motivos são os presentes na norma legal ou provenientes dos fatos. Outras vezes os previstos na norma legal são situações fáticas, que, em ocorrendo, justificam, autorizam ou exigem a prática do ato.

Pois bem, a motivação do ato administrativo, em especial, nos discricionários, é obrigatória. Celso Antônio Bandeira de Mello (ob. cit. p. 98) entende por motivação a exteriorização das razões que justificam o ato.

E, mais adiante assevera: “Em suma, a motivação deve ensejar que se confira, nos casos em que o agente disponha de alguma discrição (seja sobre que aspecto for), se a decisão foi adequada, proporcional ao demandado para cumprir a finalidade pública específica que deveria atender ante o escopo legal” (ob. cit. p. 101 -grifamos).

E citando outra obra sua, o autor assevera a obrigatoriedade da motivação no ato discricionário:

“Se o motivo foi vinculado e obrigatória a prática do ato ante sua ocorrência, a falta da motivação não invalida o ato desde que o motivo haja efetivamente existido e seja demonstrável induvidosamente sua antecedência em relação ao ato. Se a escolha do motivo for discricionária (ou sua apreciação comportar alguma discricionariedade) ou ainda quando o conteúdo do ato for discricionário, a motivação é obrigatória” (Ato administrativo e Direito dos Administrados, Ed. R.T. – 1981, p. 77).

Enfim, todo ato ou contrato ou ajuste deverá ter base legal (princípio da legalidade) e ser motivada para ficar demonstrada a sua justaposição (dos fatos e do ato) às finalidades e aos motivos apontados pela norma legal, pena de invalidade e ilegalidade por desvio de finalidade.

c) Finalidade da norma e dever-poder

Caio Tácito, em notável trabalho (Temas de Direito Público, 1º vol. – Renovar – 1997, “Poder Vinculado e Poder Discricionário”, p. 319) leciona:

“À liberdade optativa da Administração sobrepõe-se, no entanto, o elemento finalidade. Na escolha do objeto não se limita o agente a apreciar os antecedentes do ato, ou seja, os fatores objetivos que requisitam a ação administrativa. Ele determina o seu procedimento, levando em conta, especialmente, o alcance da competência, os fins públicos que justificam a sua interferência. Ele age em relação aos motivos para realizar os fins legais.

Se esses fins não podem ser senão aqueles determinados em lei para o caso específico, se não é lícito ao agente substituí-los ainda que por outro fim público, é evidente que a finalidade do ato representa uma limitação à discricionariedade, um dique à expansão dos critérios oportunísticos na determinação do objeto. A finalidade é, em última análise, um elemento sempre vinculado, que não comporta apreciação discricionária” (grifamos).

É que, no Direito Público, o princípio da finalidade administrativa, que é indicado pelo próprio Caio Tácito, como um corolário essencial do princípio da legalidade obriga que o agente público alcance, com a prática do ato, a finalidade de interesse público qualificada na norma.

É por isso que Diogo Figueiredo Moreira Neto diz, com inteira procedência: “sempre que esgotada a sindicabilidade do motivo e a do objeto, passa-se à da satisfação da finalidade.

Ante o exposto, parece ter ficado claro que a legitimidade é definida pelos fins e, desde que tais fins estejam expressa e ou implicitamente contidos na lei, torna-se possível traduzi-la em termos de legalidade e, assim, indiretamente, submetê-la a controle” (Legitimidade e discricionariedade, Ed. Forense, 2ª ed., p. 19 e 20).

E adiante: “tornaremos ao tema ao final do trabalho, mas desde já recordamos que os autores não negam que a finalidade seja elemento inafastavelmente vinculado e, tampouco, que o Judiciário possa examinar qualquer ato da Administração à sua luz e, se viciado, invalidá-lo: isso posto, o controle indireto da legitimidade se reduz ao controle direto da finalidade” (ob. cit. p. 20).

E conclui: “É que a discricionariedade é uma qualidade de poder de que está investida a Administração para atingir melhor ou mais precisamente a finalidade disposta na lei, o que define o mérito de sua ação; mas esse poder também é concomitantemente, um dever e, por isso, essa definição de mérito encontra limites na própria finalidade” (ob. cit. p. 20).

Em outro lugar, assevera o autor: “A Administração, ao agir, tem na finalidade que é o interesse público especificado na lei, um elemento reconhecidamente vinculado”.

“Aceito, assim, que o respeito à finalidade é matéria de legalidade estrita, chega-se comodamente à conclusão de Caio Tácito de que a discricionariedade não é, realmente, um cheque em branco, mas tem limites, além dos quais sua ilegitimidade manifesta-se como ilegalidade”.

E arremata o autor: “A discricionariedade, afinal, ela própria, é uma competência e, portanto, um poder vinculado à finalidade que dita a sua existência” (ob. cit. p. 26).

Marcello Caetano (Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almeidina, Coimbra, 1990), a respeito assevera:

“199. d) Fim legal. Sua importância no exercício dos poderes discricionários. Também o fim visado pelo órgão da Administração através da produção de efeitos jurídicos num caso concreto pode ser um requisito de validade do acto administrativo. Esse fim é a concretização dos interesses que o órgão da Administração procura realizar com a sua conduta” (p. 483).

João Roberto Santos Régnier (ob. cit. p. 111) evoca o eminente Victor Nunes Leal que arrematava: “…quanto à finalidade dos atos administrativos (discricionários ou vinculados), está ela sempre expressa ou implicitamente na lei. Por isso, o fim legal, que é necessariamente um fim de interesse público, também constitui aspecto vinculado dos atos administrativos, suscetível, portanto, de apreciação judicial” (Poder Discricionário e Ação Arbitrária da Administração, in RDA n.º 14, p. 280/281).

Daí asseverar o autor: “Logo se vê, pois, a existência de reservas quanto à intangibilidade dos atos administrativos (ainda que elencados como discricionários), na medida em que sejam colocados em descompasso com a finalidade e com o interesse público – substrato de toda a ação administrativa”.

Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 1988, p. 128) assevera: “não se compreende ato administrativo sem fim público. A finalidade é, assim, elemento vinculado de todo ato administrativo – discricionário ou regrado – porque o direito positivo não admite ato administrativo sem finalidade pública ou desviado de sua finalidade específica.” (grifamos)

Seabra Fagundes, a respeito, também assevera: “a finalidade do ato é examinada como aspecto da legalidade, tendo-se em vista verificar se a Administração Pública agiu ou não com o fim previsto na lei. Indaga-se da finalidade para apurar se o ato administrativo foi praticado para alcançar o fim desejado pelo texto legal” (O Controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, 1984, p. 135).

E Mari
a Sylvia Zanella Di Pietro (ob. cit. p. 56) leciona, a seu turno: “Mas, além desse sentido amplo existe outro, mais restrito, que designa o resultado específico que cada ato deve produzir, conforme definido na lei; nesse sentido se diz que a finalidade do ato administrativo é sempre a que decorre explicita ou implicitamente da lei.

Sob esse aspecto, a finalidade do ato é sempre vinculada pela lei; não há, aí, qualquer margem de discricionariedade para a Administração, pois é o legislador que define a finalidade que o ato deve alcançar, não havendo liberdade de opção para a autoridade administrativa.” (grifamos)

Finalmente, Caio Tácito reafirma: “O poder administrativo é vinculado a um determinado interesse público e não comporta aplicação em favor de qualquer outros objetivos, embora louváveis e beneméritos. A discrição administrativa tem, portanto, como teto a finalidade legal da competência” (R.D.A. – n.º 37, p. 5).

E em outro trabalho arremata: “A inobservância da finalidade insita na competência do agente caracteriza forma especial de ilegalidade que se designa como desvio de poder (détournement de pouvoir, na terminologia francesa).” (Temas de Direito Público, 2º vol. – Renovar – 1997, p. 1112).

Portanto, tanto no caso de poderes vinculados ou discricionários, a obrigatoriedade da obtenção da finalidade específica, de interesse público, prevista e indicada na norma legal é de rigor. A finalidade indicada pela lei, mesmo nos casos de discricionariedade administrativa, está acima de tudo, e sua obtenção, com a prática do ato, é obrigatória, sob pena de desvio de poder, e, portanto, da nulidade do ato praticado com tal desvio.

IV – ANÁLISE E CONCLUSÕES SOBRE A EXATA INTERPRETAÇÃO DO ART. 57, II (SERVIÇOS CONTÍNUOS) DA LEI Nº 8.666/93
a) Conclusões sintéticas a partir dos desenvolvimentos anteriores

Ficaram demonstradas, nos itens e subitens anteriores, quanto aos temas analisados, as seguintes premissas:

a) inexiste ato inteiramente discricionário nem inteiramente vinculado;

b) não há falar, a rigor, em ato discricionário, mas sim em poder-dever discricionário;

c) não é correto falar em poder-dever, mas sim em dever, em matéria de exercício da função administrativa;

d) é a lei que precisa o conceito de discricionariedade, definindo-lhe o conteúdo e os limites de projeção, em especial, ao indicar a finalidade específica a ser alcançada pela prática do ato;

e) a motivação dos atos administrativos é obrigatória, em especial, nos casos de discricionariedade administrativa; isto porque, se há uma finalidade específica indicada na norma, a Administração ao praticar o ato previsto, tem a obrigação de motivá-lo, exatamente para que se possa examinar da legalidade doa to, ou seja, da subsunção dos fatos às finalidades legais;

f) a finalidade específica indicada na norma limita a discricionariedade administrativa, posto que, mesmo nas hipóteses de discricionariedade, a finalidade é, sempre, um elemento vinculado, que não comporta apreciação discricionária (Caio Tácito);

g) o poder discricionário, vinculado à finalidade específica da norma é concomitantemente um dever;

h) a discricionariedade, ela própria, é uma competência e, portanto, um poder vinculado à finalidade que dita a sua existência (Diogo Figueiredo Moreira Neto);

i) a finalidade do ato é examinada como aspecto da legalidade; não há aí margem de liberdade de opção para o administrador;

j) quando a lei indica a finalidade a alcançar com a prática do ato, há a obrigatoriedade de se obter tal finalidade para a Administração, sob pena de desvio de finalidade e de poder, não interessando se se está exercendo poderes vinculados ou discricionários. O desvio de poder importa na nulidade do ato praticado.

 

b) Análises preliminares das posições doutrinárias a respeito do inciso II do art. 57 da Lei n.º 8.666/93

Verificaremos agora de que modo a doutrina especializada em licitações públicas tem interpretado o dispositivo em causa, para, após apresentarmos a nossa interpretação do texto, com base nos desenvolvimentos doutrinários sobre os temas da discricionariedade, da motivação e da finalidade.

Antes, relembramos que o inciso II do art. 57 da Lei n.º 8.666/93 tem a seguinte redação:

“II – à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas a obtenção de preços e condições mais vantajosas para a Administração, limitada a sessenta meses;”

Vejamos as considerações fundamentais que encontramos nas obras a respeito.

Luis Carlos Alcoforado (Licitação e Contrato Administrativo, 2ª ed. – Brasília Jurídica – 2000), observa que “a Lei n.º 9.648/98 alterou o inciso II do art. 57 da Lei n.º 8.666/93, o qual trata de uma das hipóteses que excepciona a duração do contrato administrativo.

“Verifica-se que a exigência do contrato administrativo, em se tratando de prestação de serviços de forma contínua, limitar-se-á a sessenta meses, presumindo-se que da ampliação da relação contratual resulta a obtenção de preço e condições mais vantajosas para a Administração.

Na redação anterior, ou já se ajustava o contrato de prestação de serviços a serem executados de forma contínua com a vigência de sessenta meses ou não se poderia atingir o prazo limite de sessenta meses mediante prorrogações, situações extremadas que, por defeito técnico, reclamavam correções.

Com a nova redação, porém, a duração do contrato administrativo, na hipótese de prestação de serviços continuados, tanto pode ser fixada, inicialmente, em sessenta meses, como alcançar esse período mediante renovações iguais e sucessivas” (pp. 321/322).

Marçal Justen Filho (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos – 8ª ed. – Dialética – 2001 – p. 521), nos aponta o fundamento lógico da norma: “A adoção da regra relaciona-se com dois motivos preponderantes. O primeiro consiste na inconveniência da suspensão das atividades de atendimento ao interesse público. A demanda permanente de atuação do particular produziria uma espécie de trauma na transição de um contrato para outro. Se a contratação fosse pactuada por períodos curtos, haveria ampliação do risco de problemas na contratação posterior. Isso significaria, ademais, o constrangimento à realização de licitações permanentemente. O encerramento de uma licitação seria sucedido pela instalação de outra, destinada a preparar a contratação subsequente. Acabaria por multiplicar-se o custo da Administração: seria necessário departamento encarregado exclusivamente de realizar licitações para aquele objeto. Ademais, os serviços prestados de modo contínuo teriam de ser interrompidos, caso fosse vedada a contratação superior ao prazo de vigência dos créditos orçamentários. Isso importaria sério risco à continuidade da atividade administrativa” (p. 522 – grifamos).

Quanto ao prazo da contratação, o referido autor entende que “a contratação pode fazer-se por período total de sessenta meses. Não se afigura obrigatória a pactuação por períodos inferiores. Trata-se de faculdade outorgada pela Administração, que poderá optar por períodos inferiores, com renovações sucessivas (até atingir o limite de sessenta meses)” (p. 522).

Antônio Roque Citadini (Comentários à Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas, 3ª ed., Max Limonad – 1999, pp. 407/408) transcreve a seguinte ementa de acórdão do TCE/RJ: “Contrato. Termo aditivo. Prorrogação contratual. Serviço continuado. Legalidade. Contrato de prestação de serviços de forma contínua cuja duração foi sucessivamente prorrogada com vis
tas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a Administração. Com a nova redação dada ao inciso II do art. 57, o dimensionamento do prazo contratual em até 60 meses tem em vista a obtenção de preços e condições mais vantajosas para a Administração negociada previamente. Conhecimento e arquivamento” (TCE/RJ, Proc. n.º 120.556-6/94, Cons. José Gomes Graciosa, 18/3/97, RTCERJ n.º 35, jun/março – 97/p. 94).

Jessé Torres Pereira Jr. (Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública, Renovar – 5ª ed. – 2002, pp. 586/587) transcreve um trecho de decisão sobre o assunto do TCU (Decisão n.º 605/96 – Plenário, Rel. Min. Carlos Átila Álvares da Silva. DOU – 15.10.96, p. 20.937), que tem a seguinte redação:

“Nada obstante, a redação que a Lei n.º 9.648/98 cristalizou para o inciso II do art. 57, autoriza a Administração a prorrogar os contratos de prestação de serviços de execução continuada “por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a Administração, limitada a sessenta meses”. Assim, rogando as venias de estilo, parece que se inverte a premissa de que tais contratos sejam, em princípio, improrrogáveis. Ao revés, a prorrogabilidade passa a ser a regra, desde que implementado o requisito a que se vincula, qual seja o de que, na prorrogação, obtenham-se preço e condições mais vantajosas” (grifamos).

Leon Frejda Szklarowsky (Duração dos contratos administrativos, in “Curso Avançado de Licitações e Contratos Públicos”, Ed. Juarez de Oliveira, 2000, p. 176) assevera:

“Certos contratos, dada a necessidade de sua continuidade, podem ser prorrogados ou estendidos, para além do exercício do crédito orçamentário.

Essa prorrogação, porém, não é discricionária, porque deve ter em vista o melhor preço e as condições mais vantajosas para a Administração, mas não pode ultrapassar o prazo de sessenta meses, a não ser que ocorra a hipótese prevista no § 4º do art. 57. Assim, também, entende Toshio Mukai (Licitações e Contratos Públicos, Saraiva, 1988, p. 99).”

Fernando Antônio Dusi Rocha (Regime Jurídico dos Contratos da Administração, 2ª ed. – Brasília Jurídica, 2000, p. 213) anota:

“O que não se pode perder de vista é que a exceção somente se completa se ao caráter de continuidade do serviço for somado a condicionante essencial que cuida do aspecto da economicidade, qual seja, a comprovação da vantajosidade da prorrogação.”

E adianta: “Com acerto, anota Eunice Leonel da Cunha (in BLC – jan. 88/11), que “a prorrogação somente se justificaria em face das finalidades de interesse público almejadas pela Administração se uma nova contratação, derivada da instauração pelo menos em tese, de novo certame, represente um ônus para a Administração, em confronto com condições de prorrogação do ajuste (preços, prazos, etc) mais vantajosas para o contratante.”

c) Nossa interpretação do inciso II do art. 57 da Lei n.º 8.666/93

A autora acima referida entreviu mais ou menos o problema, mas sua interpretação refoge à dicção legal.

Todos os demais autores citados, de certa forma, aproximaram-se dos elementos fundamentais a serem levados em conta, na interpretação do inciso II do art. 57 da Lei n.º 8.666/93. Contudo, não lograram o exato sentido e o alcance da norma.

A última autora citada, por exemplo acentua a vantajosidade de uma nova licitação em face do que está contratado. Não é essa a finalidade ou dicção da norma.

Com efeito, o inciso II diz que as prorrogações iguais e sucessivas estarão condicionadas a que os serviços que estejam sendo executados apresentem para a Administração, preços e condições mais vantajosas para ela, e não que, numa eventual licitação, ela venha a alcançar melhores condições de preço e de execução.

Veja-se que a norma dispõe que os serviços contratados poderão ser prorrogados em períodos iguais e sucessivos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a Administração. Essa a finalidade a ser alcançada, segundo a norma, e não vantagens aleatórias através de nova licitação.

Em outras palavras, se o contratado estiver executando os serviços com preços de mercado ou inferiores, e com condições eficientes de execução, a(s) prorrogação(ões) serão obrigatórias, porque as finalidades previstas na norma estão sendo alcançadas (prorrogações com vistas à obtenção de preço e de execução mais vantajosas para a Administração).

Não se pode sequer pensar, em face da dicção legal, em abertura de nova licitação, posto que a norma quer a obtenção daquelas vantagens através da prorrogação. Somente se tais vantagens não estiverem mais presentes (o preço subiu muito, as condições de execução do serviço não mais são satisfatórias, é que a Administração poderá deixar de efetuar a(s) prorrogação (ões) e partir para a abertura de nova licitação.

Portanto, a expressão poderão não dá um poder discricionário à Administração dada a finalidade indicada pelo inciso II, através da prorrogação. A expressão apenas tem o sentido de permitir à Administração, caso o contratado não mais esteja oferecendo aquelas vantagens, deixar de prorrogar o contrato e abrir nova licitação, no intuito de obter maiores vantagens.

A propósito do significado da expressão “poderá”, que, a princípio, nos dá sempre a impressão de indicar para uma “faculdade”, nem sempre isto ocorre, pois a expressão em muitos casos, converte-se em “dever”.

Carlos Pinto Coelho Mota (“Eficácia nas Licitações e Contratos”, Ed. Del Rey – B.H. – 9ª ed., p. 646) para argumentar sobre outro problema, invoca, a respeito, o sempre lembrado Carlos Maximiliano, que agrega citação de Von Jehring:

“Em geral, o vocábulo pode (…) dá idéia de ser o preceito em que se encontra, meramente permissivo, ou diretório (…) e deve (…) indica uma regra imperativa.

Entretanto, estas palavras, sobretudo as primeiras, nem sempre se entendem na acepção ordinária. Se, ao invés do processo filológico de exegese, alguém recorre ao sistemático e ao teleológico, atinge, às vezes, resultado diferente: desaparece a antinomia verbal, pode assume as proporções e o efeito de deve. Assim acontece quando um dispositivo, embora redigido de modo que traduz, na aparência, o intuito de permitir, autorizar, possibilitar, envolve (…) a outorga de atribuições importantes para proteger o interesse público ou franquia individual. Pouco importa que a competência ou autoridade seja conferida, direta, ou indiretamente; em forma positiva, ou negativa; o efeito é o mesmo; os valores jurídico-sociais conduzem a fazer o poder redundar em dever, sem embargo do elemento gramatical em contrário.

Um chefe de escola filosófica de Direito, grande professor de Goettingen, generaliza a regra: para ele o intuito permissivo se não presume; em geral, quaisquer que sejam as palavras da lei, sempre se deve preferir entendê-la como imperativa… “A forma imperativa, é a forma regular sob a qual o Direito aparece nas leis. Pouco importa, aliás, que a expressão seja imperativa ou não; o caráter imperativo jaz na coisa, na idéia” (Rodolfo Von Jehring, “L”Esprit du Droit Romain, trad. Meulanaere, ed. vol. III, p. 50, § 46) (Maximiliano, Carlos, Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1993, pp. 270/271)

A finalidade da norma insculpida no inciso II do art. 57 é, segundo interpretação inteligente do texto, a de assegurar as prorrogações enquanto o contratado estiver executando os serviços em condições de preço e eficiência vantajosas para a Administração, tanto que se ela quisesse, poderia desde logo, fixar o prazo contratual em 60 (sessenta) me
ses. Não há porque, e entendo, será ilegal e desvio de poder, abrir-se nova licitação, para buscar-se, aventurosamente, preços e condições mais vantajosas.

A invocação que fizemos da doutrina de Marçal Justen Filho (ob. cit. p. 521) quando indicou o “fundamento lógico da norma” – inc. II do art. 57, ao qual nos reportamos para não sermos repetitivos, nos mostra que a finalidade dela é que, enquanto o contratado mantiver o preço contratado (que foi o menor) e as condições eficientes de execução dos serviços, ele terá direito à prorrogação, posto que se a Administração, em ocorrendo a finalidade prevista no inciso II referido, não efetuar a prorrogação, estará agindo ilegalmente, posto que com desvio de poder.

Apenas para ilustrar e preparar o encerramento das nossas ponderações neste item, vamos transcrever um trecho de parecer dado pelo ínclito Caio Tácito, em caso análogo (Tema de Direito Público – 2ª vol. – Renovar – 1997 – “Contrato administrativo. Prorrogação de Prazo”, p. 1.395/6):

“À solução acima abonada pelo texto legal, poder-se-ia opor a disposição do § 6º, sempre do invocado art. 55, de que as alterações fundamentadas nas prescrições arroladas restringem-se aos casos de força maior efetivamente comprovada.

O obstáculo é, no entanto, aparente, desde que a análise do desenvolvimento do projeto e as peculiaridades de sua execução, tornam irreversível a sua continuidade, sem grave dano ao interesse público.

É de todo interesse da Administração continuar a ter acesso à experiência acumulada de relevante e específico teor tecnológico e da valiosa expressão econômica, bem como à disponibilidade da equipe técnica da contratada.”

Observando que, quando o plano de vôo (em aeronáutica) ultrapassa determinada etapa, torna-se inviável a alternativa de voltar ao ponto de partida, pois estará atingido o ponto de não retorno, escreve Caio Tácito:

“Similarmente, projetos de obras e serviços, de alta complexidade, apresentam, quando atinge grau avançado de execução, a impossibilidade de abandono da parte já completada, sem grave dano à sua viabilidade, ou irremediável lesão econômico-financeira.

A substituição de contratado habilitado a levar a bom termo a conclusão do empreendimento, ao qual atende satisfatoriamente, é a um tempo inadequada quanto à duração, como lesivo ao princípio da economicidade, que é outro dos valores essenciais de boa administração pública.” (grifamos).

E conclui o mestre:

“A extinção prematura do contrato, com prazo ainda válido, imporia dano gravoso tanto para a Administração como para a contratada, nulificada, para ambos, a consecução do objetivo final, próximo a ser alcançado. Aquela não teria como substituir o executor experiente de sucessivas conquistas no preparo do pessoal diretamente especializado na matéria e no acervo do conhecimento adquirido. Esta última – a contratada – teria grave prejuízo na dissolução do pessoal técnico contratado e nas obrigações em curso para o prosseguimento dos seus deveres, a serem passíveis de pretensões indenizatórias.” (grifamos).

Assim, no caso presente, embora se trate de prorrogações, também a aleatoriedade de uma nova contratada através de nova licitação, traria todos esses problemas para a CAIXA ECONÔMICA, razão porque, o legislador, sabiamente, impôs as prorrogações se e enquanto atendidas as condições mais vantajosas para ela, na execução do contrato, não permitiu (o inciso II) que ela se lançasse em aventuras capazes de contratações desvantajosas para ela, em especial quanto à execução eficiente dos serviços.

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