RHS Licitações

Ampliação do RDC é um avanço necessário nas contratações

O Senado Federal deve deliberar em breve sobre o projeto que visa transformar o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), instituído pela Lei 12.462/2012, em um regime também geral de licitações, como alternativa aos instituídos pelas Leis 8.666 (Lei Geral de Licitações) e 10.520/2002 (Lei do Pregão). Trata-se do Projeto de Lei de Conversão 1/2014, apresentado na tramitação da Medida Provisória 630/2013 e já aprovado pela Câmara dos Deputados.

 

As linhas que seguem pretendem (1) contextualizar a instituição do RDC, (2) pontuar alguns aperfeiçoamentos operados pelo RDC em face de limites da Lei 8.666 e (3) demonstrar que os entes federativos anseiam a ampliação do RDC, o que também solucionaria o problema federativo gerado com o acréscimo do inciso IV ao artigo 1º da Lei 12.462, (4) de modo a concluir que o referido Projeto de Conversão dá curso à necessária e gradual superação da Lei Geral de Licitações, contribuindo para e eficiência da administração pública e para o desenvolvimento do país.

 

1 – Da Lei 8.666 ao RDC

Os entraves da Lei 8.666 concentram-se na modalidade de concorrência, cujo procedimento é obrigatório para a contratação de obras e serviços de engenharia acima de R$1,5 milhão e de compras e outros serviços acima de R$ 650 mil.

 

Com a Lei do Pregão em 2002, instituiu-se processo instrumentalmente adequado, aplicado às compras e serviços comuns. Tal foi seu sucesso e, tamanhas eram as dificuldades da Lei 8.666, que as cortes de Contas e o Poder Judiciário passaram a admitir, a despeito de previsão legal, que obras e serviços de engenharia comuns fossem também licitados por pregão.

 

Não obstante os avanços, a modalidade de concorrência da Lei Geral de Licitações continua obrigatória para obras e serviços de engenharia não comuns, por meio dos quais ocorrem os principais investimentos do poder público, significativamente vinculados, por sua vez, à promoção do desenvolvimento econômico e social do país.

 

O RDC foi instituído em 2011 e as hipóteses de aplicação foram paulatinamente adicionadas à Lei 12.462, visando superar os entraves da modalidade de licitação e outros problemas conhecidos da Lei 8.666.

 

2 – Dificuldades e soluções

Regimes de execução, projeto executivo e contratação integrada

 

A Lei 8.666 não estipula preferência expressa por qualquer dos regimes de execução ali previstos (empreitada por preço unitário, por preço global, empreitada integral e tarefa).

 

No entanto, os intérpretes da Lei Geral de Licitações assentaram, com base nos princípios da competitividade, economicidade e ampla concorrência, que a regra é a utilização dos regimes de empreitada por preço unitário ou por preço global, aliado ao fracionamento do objeto, que deve ser observado sempre que possível. Entende-se que desse modo assegura-se a ampla concorrência e os melhores preços.

 

Como no regime de empreitada integral se contrata um único responsável pela obra ou serviço de engenharia, que deve ser entregue em condições de funcionamento (turnkey contract), as hipóteses para sua utilização foram reduzidas demasiadamente, diminuindo a margem dos gestores na administração dos riscos de contratação de obras e serviços de engenharia complexos.

 

Contribuiu para o desuso da empreitada integral a eliminação dos riscos imputáveis ao privado nesse tipo de contrato (turnkey), pois a interpretação/aplicação é a mesma dos paradigmas da empreitada por preço unitário e global. Continua-se exigindo orçamentos detalhados e a vinculação estrita ao projeto executivo, de responsabilidade de terceiros, o que não permite atribuir ao particular os riscos de execução do projeto, sob pena de ter de remunerá-lo para isso, o que, pela utilização do paradigma único, tende a contrariar o princípio da economicidade.

 

Ao interpretar a Lei dessa forma, transferiram-se os riscos da execução de obras e serviços complexos para a administração pública, que não raro tem de conclui-las por meio de vários processos licitatórios e contratos os mais variados. A empreitada integral restou, assim, praticamente vedada ou ao menos fortemente desaconselhada no planejamento das licitações.

 

Alguns casos ficaram conhecidos na administração pública, decorrentes dos entendimentos acima mencionados (competitividade, fracionamento, economicidade, impossibilidade de assunção de risco pelo particular, dificuldade para utilizar a empreitada integral). Foram aeroportos aguardando instalações eletrônicas para entrarem em operação, pontes sem as cabeceiras que ligam a estrutura aos dois lados da estrada e, também nas compras, as exigências de fracionamento em lotes dos itens da merenda escolar conduziram à aquisição unicamente de cereal, servido às crianças do Distrito Federal sem qualquer outro alimento, não havendo sequer leite.

 

Essas dificuldades envolvendo os regimes de execução, sobretudo na contratação de obras e serviços de engenharia, remetem à elaboração e contratação de projetos básico e executivo, que, pelos princípios da economicidade e da ampla concorrência, terminam tendo as exigências técnicas mitigadas nas licitações do tipo técnica e preço. Quando se procura elevar o rigor dos critérios de técnica, para a obtenção de melhores projetos, tem-se dificuldade com os órgãos de controle que não raro suspeitam de direcionamento da licitação.

 

Contrata-se, então, projetos de baixa qualidade (decorrente também da escassez de mão de obra de engenharia qualificada no país), que conduzem a execuções imperfeitas, cujas soluções são, via de regra, aditivos contratuais que elevam o custo do empreendimento e abrem margem indesejada para negociações apartadas do ambiente concorrencial, gerando suspeitas e a impressão de que a corrupção predomina nessa seara.

 

A Lei 12.462 traz previsão expressa determinando que as obras e serviços de engenharia sejam contratados preferencialmente pelos regimes de empreitada por preço global, empreitada integral ou contratação integrada, casos em que a complexidade e os riscos podem ser administrados. Trata-se de uma espécie de interpretação autêntica dirigida contra a hermenêutica da Lei Geral de Licitações.

 

A contratação integrada, inovação trazida pelo RDC, procura, por sua vez, dar celeridade e compartilhar os riscos e as falhas de projetos nos empreendimentos de obras e serviços de engenharia. Nela, se pode contratar o projeto básico, o projeto executivo e a execução da obra ou serviço de engenharia a uma única licitante, que deve entregar o objeto de acordo com o especificado e em condições adequadas de funcionamento.

 

Dessa forma, desonera-se a administração, obtém-se celeridade e compartilham-se responsabilidades, visto, sobretudo, que a contratada não pode imputar falhas a terceiros, pois se encontra vedada a celebração de aditivos contratuais nesses casos, ante as estritas hipóteses existentes na Lei 12.462 para o regime de contratação integrada (art. 9º, § 4º, I e II).

 

Os riscos e responsabilidades assumidos são, evidentemente, contabilizados e remunerados pelo poder público, o que afasta o receio quanto ao suposto desinteresse da iniciativa privada nesse tipo de regime, que tem sido operado com grande êxito.

 

Inversão de fases e fase única de recurso

Aqueles que desejam participar de qualquer certame na modalidade de concorrência devem primeiro proceder à habilitação. Trata-se de iter processual no qual as licitantes comprovam a habilitação jurídica, a regularidade fiscal, a qualificação técnica e a qualificação econômico-financeira. As licitantes consideradas habilitadas passam à fase de julgamento das propostas, restando vencedora aquela que apresentar a proposta mais vantajosa para a administração.

 

Com a fase de habilitação precedendo a de julgamento, o processo de análise dos documentos de habilitação torna-se mais competitivo e trabalhoso do que quando invertemos as fases. A administração tem de habilitar todos os participantes para apreciar a proposta, enquanto que na inversão de fases tem-se a habilitação apenas daquele que apresenta a proposta mais vantajosa, com quem efetivamente se contrata.

 

Nessa sistemática, profere-se grande quantidade de decisões, que tornam o processo não só mais trabalhoso, como aumentam as possibilidades de divergências que podem resultar em impugnações administrativas e judiciais. Adicione-se a isso que, sob a ótica das empresas participantes, quanto menos licitantes habilitadas, menor a competição na fase de julgamento das propostas. Essas características tornam o processo moroso e juridicamente inseguro.

 

A previsão de dois momentos recursais, um após a habilitação e outro quando concluída a fase de julgamento, é outro fator de morosidade. O RDC, na esteira do pregão, torna o procedimento mais eficiente, sem prejuízo às licitantes ou à segurança jurídica, que é, a rigor, reforçada com a inversão de fases.

 

A participação das interessadas no processo de licitação se inicia com o julgamento das propostas. Julgadas e classificadas, a fase de habilitação limita-se a processar os documentos da licitante mais bem posicionada, diminuindo-se o volume de trabalho da comissão e a suscetibilidade a impugnações do processo.

 

Concluída a fase de habilitação, inicia-se a fase recursal única. O recurso pode veicular irresignações atinentes às fases de julgamento e de habilitação. Ao apreciá-lo, a administração resolve as impugnações e as anuncia com vistas à adjudicação do objeto e homologação do certame.

 

O argumento contrário à inversão de fases consiste, geralmente, em uma suposta precarização da fase de habilitação, que passaria a permitir a contratação de empresas sem qualidade. Ocorre que no RDC os critérios de habilitação permanecem os mesmos da Lei 8.666, assegurando-se a contratação das licitantes com as qualidades exigidas por esse regime.

 

Ademais, sempre que o objeto licitado recomendar análise mais detida da qualificação técnica das licitantes, deve-se proceder ao processo de pré-qualificação, que no RDC encontra-se regulamentado de forma detalhada e pode ser permanente.

 

Os aperfeiçoamentos realizados pelo RDC atinentes à inversão de fases e à fase única de recursos foram inspirados na Lei do Pregão e resultam em inegáveis avanços.

 

Remanescente de obras e serviços

O RDC também traz solução mais adequada para a contratação dos chamados remanescente de obras e serviços decorrentes da inexequibilidade da proposta verificada em meio à execução do contrato.

 

Conforme dispõe a Lei 8.666, quando a licitante contratada rescinde com o poder público, o remanescente da obra ou serviço só pode ser contratado com as demais licitantes nas condições da proposta vencedora, inclusive de preço (art. 24, XI). Como a proposta é inexequível, não se consegue contratar os demais licitantes, impondo a realização da nova licitação e grande atraso e prejuízo econômico.

 

No RDC, a contratação do remanescente primeiro é oferecida aos licitantes nas mesmas condições da proposta vencedora. Caso não haja interessado, o remanescente pode ser contratado com as licitantes nas condições por elas propostas (art. 40 e 41 da Lei 12.462), superando, dessa forma, um dos problemas mais famosos da Lei 8.666.

A modernização das contratações

 

Algumas inovações trazidas pelo RDC permitem à administração ampliar sua capacidade de apreciar uma proposta e outras viabilizam melhores condições de negociação. Weder de Oliveira situa algumas dessas normas na categoria que denomina de “abertura normativa para modernização de processos competitivos e contratuais”. Dentre elas, menciona a contratação integrada, a remuneração variável, os contratos de eficiência, a possibilidade de adjudicar o objeto a mais de um licitante, o critério de menor dispêndio e o orçamento sigiloso. Esses incrementos, afirma, procuram “viabilizar modelos de contratação ajustados a objetos e contextos gerenciais e econômicos que reclamam alternativas inexistentes nos sistemas da Lei de Licitações e da Lei do Pregão” (In: Ricardo VC Fernandes e Tatiana Muniz S. Alves. Licitações, contratos e convênios administrativos: desafios e perspectivas aos 20 anos da Lei 8.666/1993. Belo Horizonte, Fórum, 2013, p. 91).

 

Tais inovações, aliadas aos chamados modos de disputa fechado, aberto ou combinado, com previsão para uma etapa de lances, conferem à administração uma capacidade cognitiva ampliada para julgar a vantajosidade da proposta e procedimentos e circunstâncias que lhe permite contratar melhor a preços mais competitivos.

 

3. A questão federativa

Ao acrescentar o inciso IV ao artigo 1º da Lei 12.462, permitindo a União utilizar o RDC nas ações integrantes do PAC, alguns entes da federação tentam, por meio de legislação própria, aplicar esse regime aos seus próprios pacotes de ações prioritárias.

 

O Estado de Santa Catarina editou a Lei 16.020/2013, para aplicar o RDC aos projetos do Programa Pacto por Santa Catarina (PACTO). O Distrito Federal sancionou a Lei 5.254/2013, com o intuito de utilizar o RDC nos Projetos Estruturantes do Distrito Federal (PEDF).

 

Ao admitir que tivesse a União declinado um tratamento preferencial, beneficiando apenas a si própria, poder-se-ia estar diante de ofensa ao artigo 19, inciso III, da Constituição Federal, que veicula o princípio da vedação de tratamento anti-isonômico entre os entes federados no exercício de suas competências legislativas.

 

No contexto criado pelo direito posto, a interpretação adequada do inciso IV do artigo 1º da Lei 12.462 é reconhecer que a norma federal explícita direcionada à União traz implicitamente uma segunda norma nacional, a autorizar os entes federados competentes a procederem às adaptações legais necessárias para aplicar o RDC aos seus pacotes de ações prioritárias, no exercício da competência legislativa concorrente (art. 22, XXVII, c/c art. 24, §§ 1º e 2º, ambos da CF).

 

Desse modo, e por força dos artigos 19, 22, XXVII, e 24, §§ 1º e 2º, todos da Constituição, presume-se implícita a norma geral e nacional de licitação que autoriza os estados e o Distrito Federal a adaptarem o disposto no inciso IV do artigo 1º da Lei 12.462 às suas especificidades, cuja iniciativa só pode se dar no âmbito da legislação complementar, à luz de seus próprios projetos prioritários, com características semelhantes ao PAC e denominação própria. Trata-se de legítima edição de normas suplementares em matéria de licitações.

 

As considerações formuladas acima e os resultados obtidos pela União na utilização do RDC permitem afirmar que a aprovação pelo Senado do Projeto de Lei de Conversão 1/2014 contribuirá para a gradual superação do regime da Lei 8.666. Pode-se dizer, também, que a Lei Geral de Licitações resta obsoleta nesse contexto, e tem se mostrado prejudicial ao desenvolvimento do país. Com a inovação legal alcançando todos os entes federados igualmente, acelera-se, enfim, o processo da modernização das contratações públicas.

 

(Fonte: Conjur)

 

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