RHS Licitações

Dúvida: O registro no CADIN como elemento de interferência nas licitações e nos contratos administrativos

O CADIN – Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados -, mais conhecido como “cadastro de inadimplentes” do fisco, instituído no âmbito federal pela Lei nº 10.522/02 (os Estados e Municípios têm seus próprios regulamentos, instituídos por leis estaduais e municipais, respectivamente), refere-se ao cadastro de pessoas físicas ou jurídicas em débito (obrigações pecuniárias, dívidas vencidas e tributos não pagos) com a receita federal, estadual ou municipal, conforme o caso. Os efeitos do registro no CADIN são limitados à esfera contratante. Por exemplo, se o apontamento é do CADIN Estadual, os efeitos limitam-se às contratações daquele Governo Estadual e assim por diante.

 

Uma vez verificado o débito não adimplido, o devedor passa a fazer parte do cadastro de inadimplentes, situação que inviabiliza o exercício de vários direitos (concessão de incentivos, financiamentos públicos etc.), inclusive, sob a óptica do caso em análise, a impedir que o licitante vencedor (e adjudicatário do objeto licitado) venha a celebrar o contrato com a Administração Pública.

 

Em resumo, se o licitante sagrou-se vencedor da licitação, mas possui um apontamento no CADIN, não poderia celebrar o contrato. E esse apontamento pode ser uma taxa de lixo ou multa de trânsito não paga (no caso de CADIN Municipal); um IPVA em atraso (no caso de CADIN Estadual); ou um débito federal, como uma multa de natureza não tributária (no caso do CADIN Federal). E a restrição pode ser ainda pior: se uma empresa contratada pelo poder público, prestar os serviços de forma regular e no momento da cobrança houver um apontamento no CADIN, o pagamento referente a estes serviços ficará retido, até que ocorra a regularização do débito (tributário ou não tributário).

 

Na minha opinião, um completa incongruência, uma vez que a Lei de Licitações e Contratos (Lei 8.666/93) estabelecera o rol exaustivo de condições para que a empresa interessada seja selecionada e possa contratar com o governo, inexistindo qualquer menção ao CADIN.

 

Exemplificando: uma empresa participou da licitação e foi considerada “habilitada” por cumprir todos os requisitos legais previstos na Lei Federal 8.666/93 (normas gerais de licitações e contratos), notadamente o artigo 27 e segs..

 

Nessa condição, entendeu o legislador que a empresa “habilitada” estaria apta a contratar com o poder público, posto que satisfeitos os requisitos de qualificação (habilitação jurídica, art. 28; regularidade fiscal, art. 29; qualificação técnica, art. 30; e qualificação econômico-financeira, art. 31), especialmente o de regularidade fiscal, mediante a apresentação das certidões que demonstram a situação regular da empresa, perante as fazendas federal, estadual e municipal.

 

No entanto, uma vez habilitada, e expedidos os atos de adjudicação e homologação, a empresa poderia ser impedida de celebrar o contrato, em virtude do registro do seu nome CADIN (por exemplo, por uma multa de trânsito não paga; uma taxa em atraso etc.).

 

Ante o fato, surge o questionamento:

Uma empresa habilitada na licitação por atender as exigências da Lei 8.666/93 – especialmente a exigência de certidões fiscais regulares -, poderia ser impedida de contratar com o poder público em virtude do seu nome constar no CADIN por algum débito não contemplado nas certidões fiscais?

 

Minha resposta é NÃO. Primeiro, porque a comprovação de inexistência de registro no CADIN não faz parte do rol de documentos de habilitação previstos na Lei 8.666/93 e tampouco figura nas condições para contratação; segundo, porque a administração fazendária possui meios próprios e eficientes para a cobrança de débitos tributários e não tributários; terceiro, porque tal conduta caracteriza método coercitivo – portanto, abusivo e ilegal – de cobrança de tributo.

 

Logo, se a empresa atendeu satisfatoriamente as exigências de habilitação previstas na Lei 8.666/93, estará apta a contratar com a Administração, sendo ilegal qualquer outra exigência não prevista na Lei.

 

Nada obstante, a existência de débitos de natureza tributária ou não tributária (que sequer constaram das certidões fiscais exigidas na licitação), não podem constituir impeditivo à licitação e, por conseguinte, à contratação. Sendo assim, a administração fazendária deve promover a cobrança do débito com os meios próprios (Lei Federal nº 6.830/80):

 

“2. Esta Corte posiciona-se no sentido de que a existência de registro no CADIN não impede a empresa de participar de licitação, salvo se a inscrição decorrer de débito para com o sistema de seguridade social (§ 3º do art. 195 da Constituição Federal)”. (REO 200635040050790, JUIZ FEDERAL ÁVIO MOZAR JOSÉ FERRAZ DE NOVAES (CONV.), TRF1 – QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:17/02/2012 PAGINA:231.)

 

“Para a habilitação em licitações públicas, deve o interessado apresentar os documentos enumerados no art. 29, da Lei nº. 8.666/93, substituíveis pelo registro no SICAF, sendo que a mera constatação de pendências com a Administração Pública, inclusive o registro em cadastros de inadimplentes, não tem o condão de impedir a participação do inadimplente no certame …”. (AMS 200634000348629, DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, TRF1 – SEXTA TURMA, DJ DATA:03/09/2007 PAGINA:188.)

 

Frise-se: após a habilitação, a administração licitante não pode exigir, para a contratação, nenhum outro documento ou condição que não tenha sido prevista expressamente na Lei 8.666/93.

 

No mesmo sentido, a Administração não pode recusar-se a efetuar o pagamento referente a serviços já prestados, ainda que a empresa tenha sido apontada no CADIN (da esfera contratante). O Tribunal de Justiça de São Paulo manifestou-se sobre o tema:

 

“Apesar de constar na Lei Municipal nº14.094, de 6 de dezembro de 2005 a possibilidade de retenção de pagamentos referentes a contratos em face da existência de registro no Cadin Municipal, tal norma não se encontra em sintonia com a Lei nº. 8.666/93 e como tal não pode prevalecer, sob pena de enriquecimento indevido do Município e constituir forma indireta de compelir o devedor a pagar o tributo em atraso”. (APELAÇÃO 0030777-86.2012.8.26.0053 – RELATOR PEIRETTI DE GODOY, TJ/SP 12/06/13).

 

É a minha opinião.

 

(Colaborou Professor Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações publicas e consultor jurídico da RHS LICITAÇÕES).

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