Vera Monteiro: Minas Gerais define sua própria lei de PPP

Neste bloco da entrevista, Vera Monteiro analisa a tendência de unidades da Federação de criarem suas próprias legislações para definição de regras do PPP e o caso de Minas Gerais, Estado pioneiro na aprovação de lei e das regras para estabelecimento de contratos com base nas parcerias público-privadas.

 
Licitação – Qual é a situação jurídica hoje de algumas unidades da Federação que vem anunciando projetos na forma de PPP?

Vera Monteiro – Tomemos o caso de Minas Gerais. Tive a oportunidade de acompanhar, na qualidade de consultora jurídica, ao longo do ano de 2003, o processo liderado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que produziu o texto que acabou virando a Lei 14.868. Foi um trabalho muito intenso, de compreensão das necessidades de uma Lei de Estado até a elaboração do texto propriamente dito. Isso porque trabalhamos conscientes dos limites de uma unidade da Federação de legislar sobre alguns assuntos, como é o caso da questão das licitações.

Minas Gerais não poderia criar regras novas, mudar a Lei 8.666. Porém, dentro da margem de movimentação jurídica possível, poderia ser criada uma lei estadual que explicitasse e incentivasse esse tipo de contratação. O resultado é que a lei elaborada pelo Estado de Minas Gerais é bastante detalhada, diferenciando-se do texto do Anteprojeto do Governo Federal, embora mantendo pontos de contato em alguns aspectos, como o da observância da Lei de Responsabilidade Fiscal. O que é um ponto nevrálgico, ao tocar na questão do equilíbrio orçamentário por um longo período. Minas Gerais criou o Conselho Gestor das Parcerias Público-privadas, centralizou a decisão em torno de contratos dessa natureza a partir da percepção que PPP é um instrumento especial de contratação, a ser usado de forma seletiva.

Sua maior diferença em relação ao Anteprojeto do Governo Federal é exatamente esta: o nível de seu detalhamento e compreensão da natureza e de sua aplicação. Quer dizer, pelo Anteprojeto Federal, talvez seja possível fazer coisas que em Minas Gerais estão vedadas.

 

Licitação – Poderia citar um exemplo?

Vera Monteiro – A contratação de obras. Pela lei estabelecida em Minas Gerais tem uma regra clara dizendo que só entrarão no regime da PPP os contratos em que o parceiro privado assuma, além da construção de uma infra-estrutura, a sua manutenção pelo prazo de 48 meses, o que significa a gestão dessa infra-estrutura por este período, pelo menos.

 
Licitação – E em outros Estados, como anda a discussão ou implementação de leis?

Vera Monteiro – Pelo que sei o Estado de São Paulo e do Rio Grande do Sul têm anteprojetos, sem uma lei aprovada. No caso paulista também está presente uma grande preocupação com o aspecto da responsabilidade fiscal, existindo a figura de uma empresa centralizadora chamada Companhia de Parceria Privada, que seria responsável pelas garantias necessárias aos contratos feitos com qualquer entidade da administração pública.

 
Licitação – Certamente há uma forte pressão da iniciativa privada em um Estado com uma economia tão forte como a de São Paulo…

Vera Monteiro – Sim, mas o debate é o mesmo. Tanto no governo federal como nas administrações estaduais está sempre presente a consciência de que contratos de PPP devem ser celebrados em ambiente de estrita responsabilidade fiscal. Caso contrário ninguém vai querer emprestar o seu balanço, ninguém vai querer se endividar por um contrato incerto, para um futuro cinzento.

 
Licitação – Em Minas Gerais, onde já há uma lei, que projetos estão sendo tocados em regime de PPP?

Vera Monteiro – Acredito que o primeiro projeto é de construção de rodovias.

 
Licitação – Em sua opinião ao que se deve o pioneirismo do Estado de Minas Gerais?

Vera Monteiro – Acredito que pelo fator humano. Algumas pessoas que ocuparam cargos no governo Fernando Henrique e introduziram o tema da parceria público-privada, foram para Minas. O secretário Luís Antonio Ataíde, era quem coordenava esse tema dentro do governo federal,ele hoje é o secretário-adjunto, na Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais. Por esse motivo, ele tem um conhecimento pessoal do que representa a parceria público-privada como mecanismo que, se bem utilizado, pode trazer muitos benefícios à administração pública. Infra-estrutura não é apenas estrada: pode ser escola, hospital, sede administrativa do governo ou saneamento básico.

 
Licitação – Ou portos, que no contexto de uma economia fortemente orientada para a exportação é fundamental.

Vera Monteiro – Sem dúvida, a modernização dos portos, construção de terminais, ferrovias. O PPP é um refinamento contratação da iniciativa privada.

 
Licitação – Da forma como o tema é tratado na imprensa, em vez de uma aplicação pontual as parceiras seriam a solução de infra-estrutura do País.

Vera Monteiro – Fala-se do PPP como se fosse a salvação da lavoura. Como se a aprovação do marco legal fosse garantir um espetáculo de crescimento, investimento em infra-estrutura, para cima e para baixo. Particularmente, acredito que há um exagero.

 
Licitação – Mas é muito mais o tratamento que a mídia dá do que as versões oficiais. Enfim, uma própria expectativa da iniciativa privada.

Vera Monteiro – Acredito que sim.

 
Licitação – Sim, pelo menos para ter uma compreensão um pouco mais pé no chão. Nunca nenhuma ação de PPP vai ser descolada da responsabilidade fiscal.

Vera Monteiro – Sem dúvida.

 
Licitação – Deverão ser criadas legislações municipais para demarcar o PPP?

Vera Monteiro – Eventualmente, mas com a aprovação do Anteprojeto Federal, acredito que nenhum município vai ter interesse, simplesmente por não ser necessário.

 
Licitação – Talvez a essa necessidade surgisse para projetos como o de revitalização do centro da cidade de São Paulo. Existe uma verba de 100 milhões de dólares, aprovada pelo BID, que a Prefeitura necessita de um aval do Senado.

Vera Monteiro – Isso significa endividamento. Aliás, esse é um dos temas que se debatem hoje na Câmara. Na Comissão, o deputado relator está muito empenhado em tentar estabelecer uma regra. Porque há uma corrente que entende que essas parcerias deveriam ser contabilizadas como endividamento. No exemplo apontado o dinheiro que vem do BID…

 
Licitação – É empréstimo, vai ter que ser devolvido depois.

Vera Monteiro – Exatamente e para fazer esse empréstimo a administração municipal está sujeita aos limites de endividamento que são definidos pelo Congresso Federal. Nesse aspecto, a discussão caminha no sentido de não deva entrar na contabilidade da dívida pública e sim como despesa corrente. No exemplo apontado, a caso da revitalização do centro do município de São Paulo, discute-se um empréstimo internacional. No caso de uma parceria, o Estado não está pegando dinheiro de nenhum organismo internacional, quem banca é a iniciativa privada, que por sua vez pode captar dinheiro de qualquer agente financeiro e o Estado vai contabilizar essa nova despesa corrente ao longo de um grande período. Então são metodologias diferentes.

 
Licitação – No fundo uma questão contábil.

Vera Monteiro – Sim, uma questão contábil, mas com um fator diferencial incrível, uma vez que se o Estado de São Paulo ou qualquer outro da Federação quiser fazer empréstimos internacionais, haverá uma grande dificuldade, porque mesmo algum agente financeiro ou organismo queira emprestar, o administrador público está limitado na capacidade de endividamento.

 
Licitação – Uma das críticas feitas, no exterior, ao modelo de PPP é o impacto sobre o bolso do contribuinte, ao gerar serviços mais caros.

Vera Monteiro – De fato, essa é uma crítica presente, mas a questão mais importante é: apenas deve-se autorizar a celebração de um contrato PPP, quando for identificado que há um benefício muito específico a ser contratado por meio dessas parcerias. A parceria pública privada não é a salvação da lavoura. Não vem substituir a Lei 8.666 ou a Lei de Concessões 8987, é um mecanismo a mais, uma possibilidade a mais de celebração de contratos mais interessantes para o poder público.

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