Ética empresarial e compliance: efeito manada vs. aprofundamento

13 de Setembro de 2016

A ética empresarial adquiriu dois estigmas: o primeiro, de ser um discurso superficial, do politicamente correto; o segundo, de só criar mais burocracia nas rotinas internas das empresas. Essa distorção reflete as deficiências profissionais – não de todos, é claro, mas de uma boa maioria – que lidam com o assunto de modo meramente intuitivo ou defensivo. Como remédio, é preciso disseminar a cultura de pesquisa e desenvolver conhecimento.

O discurso superficial pode ser associado à deficiência de formação profissional. O grande centro de produção de conhecimentos da sociedade – a universidade – contribui pouco nesse campo. Para dar um exemplo, nas faculdades de direito os alunos são intensamente preparados para separar direito de ética e, raramente, em qualquer curso, há mais do que poucas horas, em um único semestre, dedicados a disciplinas voltadas ao estudo da ética. Tudo indica, portanto, que os profissionais, em geral, detêm pouca preparação teórica para lidar profissionalmente com esse assunto.

No entanto, ética empresarial envolve muito mais que bom senso prático: é preciso uma sólida referência teórica, pesquisa, contato direto e análise de casos reais, escutando quem viveu e vive cada desafio. Esse é o ferramental básico para produção de ideias novas que, efetivamente, trarão benefícios às empresas. É o investimento pessoal em formação, investigação e troca de experiências que tem o poder de inserir conteúdo efetivo ao velho discurso superficial e comum do politicamente correto.

O superficialismo também é responsável pelo efeito manada: as decisões não são tomadas a partir de bases teóricas consistentes e necessidades particulares, mas pelas tendências da maioria. Assim, no ambiente atual de sucessivos escândalos político-policiais e de uma legislação mais agressiva, os programas de conformidade e ética têm consolidado uma feição predominantemente defensiva e conservadora, às vezes, irracional. Em determinados casos, a empresa assume padrões dissociados de sua própria cultura corporativa ou da realidade do mercado, provocando perplexidade nos profissionais das áreas de choque do negócio – especialmente vendas e relacionamento com governo.

O que as pragmáticas áreas de negócio gostariam de dizer ao programa de conformidade defensivo, nesses casos, é o mesmo que Morpheus diz a Neo, no filme “Matrix”: “Cedo ou tarde, você vai aprender, assim como eu aprendi, que existe uma diferença entre conhecer o caminho e trilhar o caminho”. Esse é um conjunto de desafios centrais no tema ética e compliance: superar um plano meramente abstrato, distanciar-se do efeito manada e evitar a burocratização da vida de quem tem a missão de produzir valor para a empresa; e tudo isso, sem abrir mão dos valores.

No cenário nacional crítico, o compliance tende a ser determinado pelo receio do desastre – que, analogamente à lição de Steve Jobs sobre o receito do fracasso, nunca deve ser o primeiro conselheiro. De fato, a conjuntura tem gerado uma sensação de risco grande, especialmente da perspectiva jurídica, ao ponto de ter tornado o departamento de compliance um espaço de advogados, muitas vezes mais preparados para as estratégias defensivas. Mesmo assim, o programa de conformidade e ética, pelo contrário, deve ser reafirmado como uma estratégia ostensiva de reafirmação de valores da empresa, e isso tem a ver com o conhecimento de si próprio e a elaboração de suas próprias respostas, coerentes, firmes e positivas.

Um caso real, embora antigo, diz muito sobre o que o compliance deve ser: em tempos de inflação alta no Brasil, um recém empossado gerente financeiro propôs, em reunião de diretoria, que o pagamento dos salários não fosse mais no dia 5, tradição da companhia, mas no 5º dia útil do mês, como permite a lei e os concorrentes fazem, com ganhos financeiros para a empresa. O gerente de recursos humanos, foi consultado pelo presidente: O que você acha dessa proposta? A resposta: Empresas de valor não tiram pequenas vantagem de seus colaboradores. E então, manteve-se a tradição.

A empresa adotou uma política, voluntariamente, e manteve a coerência com seus padrões éticos, mesmo diante da perspectiva de um ganho imediato. Esse tipo de postura comunica aos seus parceiros de negócio, e às autoridades também, que a empresa é madura, durável, transparente e altamente confiável. Essa é a função do compliance: reafirmar ostensivamente a identidade e os valores da empresa para o mercado – e disso decorrem muitas consequências boas para todos.

Se a mesma questão do presidente fosse proposta a um profissional conservador, em postura defensiva, a análise provavelmente seria outra. Em primeiro lugar, avaliaria os óbices da legislação e o risco sugerido pela jurisprudência em casos semelhantes. Se não encontrasse risco, indicaria que a mudança deveria ser realizada, porque não teria coragem de assumir, perante o conselho uma perda financeira objetiva e imediatamente apurável.

Talvez as análises aqui apresentadas mereçam mais discussões, discordâncias e outros pontos de vista. É certo que sim, porque no campo da ética empresarial o diálogo constante e a troca de experiências são fundamentais para o desenvolvimento consistente e profundo, e formam o único caminho para surgimento de ideias inovadoras e implementáveis para cada caso, capazes de gerar valor para as empresas. Nesse contexto, organizações como, por exemplo, o Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE), que comemora seu primeiro aniversário, são valiosos espaços para esse desenvolvimento do conhecimento que, raramente, teve atenção devida nos bancos das universidades e que não decorre de mero senso comum.

Escrito por Saulo Stefanone Alle – Advogado colaborador da RHS Licitações

Fonte: Estadão

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